Capítulo treze

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                14 de Abril de 1912

     Matthew estava distraído em seu livro quando seu pai entrou na sua cabine naquela noite. O jovem nem se incomodou em tirar os olhos das páginas de papel para o encarar. Provavelmente, já desconfiava que falaria sobre Dora ou sobre ser deserdado, coisa que para ele já não importava mais.
    Ele tentaria ser educado com ela, mas apenas ali e duraria até a chegada em Nova Iorque. Não poderia casar com uma mulher que não amasse, mesmo que seus pais insistissem, sabia que apenas ele tinha tudo a perder. Perderia Linda, coisa que não queria que acontecesse. Matthew prometeu que nunca desistiria.
    Brian sentou-se na beira da cama e olhou para ele. — Não se cansa de ler sempre o mesmo livro? — Perguntou.
    Matthew sorriu. — Não, pai. Não me canso.
    — Tem lido o dia todo? Não tem feito outra coisa?
    — Não. — Ele continuava com toda a atenção em seu livro.
    Brian percebeu que não conseguiria arrancar informações de Matthew. Sabia que talvez ele estivesse com medo, principalmente depois do que Lucy disse para ele sobre ser deserdado, porém o homem não queria que seu filho se afastasse dele.
    — Matt, saiba que pode contar comigo para qualquer coisa. Não quero que se afaste de mim.
    Matthew encarou-o um pouco confuso. — Está bem.
    — Sei que tem fugido por causa da Dora. Não precisamos mais falar sobre ela, precisamos aproveitar essas férias como deve ser.
    — Obrigando-me a casar com ela?
    — Não. — Suspirou. — Vou contar uma história. Uma história da nossa família.
    Matthew fechou o livro para prestar atenção ao que seu pai dizia. Provavelmente seria outra forma de dizer que tinha de tomar a decisão certa. Matthew sabia qual era a certa e casar com Dora não era.
    — Bem, foi no ano de 1852. Um jovem de alta sociedade que era filho de um dos homens mais respeitados de Inglaterra. — Começou.
    — Tenho a certeza que eles não foram para um grande navio da White Star Line e os pais não o obrigaram a casar com uma mulher fútil.
    — Oiça até ao fim. — Tossiu. — O jovem era bom e era bastante simples apesar de ser muito rico. Ele era como você, Matthew. Ele não se importava em dizer o que pensava, não repudiava os pobres, ele não via diferença entre ninguém. Uma vez, ele decidiu visitar sua avó e pelo caminho, ele viu uma mulher. Aquela mulher estava numa casa abandonada e velha cheia de teias de aranha. Consegue imaginar?
    — Eu acho que sim.
    — Ótimo. Então, o jovem parou seu trajeto e foi ter com aquela mulher. Ele percebeu que ela não tinha comida, roupas quentes ou limpas, não tinha ninguém. Ele queria ajudar, mas a mulher recusou a sua ajuda. Sabe o que aconteceu depois? Ele mentia para seus pais que iria visitar sua avó, mas ia atrás daquela mulher e levava consigo sempre comida, algumas roupas e cobertores. Fazia isso todos os dias, então ele percebeu que tinha se apaixonado por ela, e ela por ele.
     Matthew encolheu-se no seu canto, pensando se aquela história tinha realmente acontecido. Será que ele sabia o que ele escondia? Será que era uma maneira dele de dizer que sabia de tudo?
    — O jovem era feliz sempre que ficava aquelas poucas horas ao lado dela, era feliz por ouvir sua voz, por poder tocá-la, por amá-la. Depois de algum tempo, quando o sentimento ficou mais forte, o jovem decidiu contar aos seus pais. Infelizmente, eles são queriam que todo o mundo soubesse que seu filho estava com uma mulher...  — Suspirou novamente. — ... não queriam que ninguém soubesse que seu filho estava com uma mulher pobre e miserável. Eles deram a opção de terminar com aquilo ou ser deserdado. Consegue imaginar o que aconteceu depois?
    Matthew também suspirou. — Ele preferiu terminar?
    — Não. Ele escolheu a sua amada. Seus pais não quiseram apoiá-lo em nada. Então, aquele homem decidiu tomar uma atitude. Sabe, ele não era alguém que simplesmente baixava os braços. Aquele homem tinha muitos sonhos e lutou até conseguir. Por anos, ele trabalhou arduamente para sustentar a si e à sua esposa, até que conseguiu construir sua própria empresa. — Olhou para o lado, como se podesse ver tudo aquilo. — Ele conseguiu ter sucesso e estabilizar sua vida financeira. Ele lutou por catorze anos. Só assim decidiu casar com a mulher que amava e tiveram um filho. Eles se tornaram muito ricos e muito respeitados também. Seus pais ainda não aceitavam seu relacionamento e continuaram longe dele até suas mortes. Não quiseram ver o neto crescer, não queriam fazer parte da vida dele. — Brian olhou para Matthew. — É uma história emocionante.
    — Sim, é. Mas eu não entendo porquê eu tenho que conhecê-la.
    — Porque você é um Whitmore. Matthew, o jovem da história era o meu falecido pai e a mulher é a sua avó. As pessoas olham para nós, mas eles não imaginam que minha mãe já ficou noites sem comer, talvez se ele não chegasse a tempo, ela morreria. Assim, eu não existiria.
    Matthew fechou os olhos por breves segundos. — Eu também não. Nunca passou pela minha cabeça. Ela nunca disse nada.
    — Ninguém gosta de lembrar do sofrimento ou de um passado doloroso.
    — Contou essa história por causa da Dora?
    — Não. Eu contei porque precisava saber. Também quero que saiba que estarei do seu lado, independentemente de tudo. Não importa o que você escolher, o que você fizer, o quanto errar, estarei sempre pronto para ajudá-lo.
    O inglês franziu o cenho, preocupado. — Sim. Muito obrigado, pai. E para que tenha a certeza, não irei casar com Dora.
    — A vida é sua. Você tinha razão desde o início.
    — Porquê essa mudança, pai?
    — Porque você me fez lembrar o meu pai. E ele estaria desiludido comigo se soubesse que o obrigamos a casar com uma mulher que não amasse.
    Matthew sorriu. — Obrigado por entender, pai. Mas será que a minha mãe fará o mesmo?
    — Podemos sempre tentar! — Sorriu e levantou-se.
    — Podemos sim.
    Brian saiu e fechou a porta atrás de si.
    Matthew sentia um alívio que não podia descrever. Ele sabia o que precisava naquele momento, é por isso que olhou para o relógio ao lado da porta e saiu também.

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