Capítulo dez

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                13 de Abril de 1912

      Os operadores de rádio já tinham recebidos vários avisos e mensagens naquele dia. Porém, achando uma situação normal, capitão Smith não deu a devida atenção, e os passageiros estavam ignorantes do que realmente acontecia no navio. Cada um dele com suas distrações e diferentes preocupações.
     E enquanto mais avisos de icebergs eram recebidos pelo RMS Titanic, Carl percebeu que Linda não se encontrava em nenhum lugar, pelo menos não na terceira classe, mas os portões continuavam fechados. Não havia nenhum sinal dela e aquilo era estranho.
   O homem sabia que já tinha perdido a batalha para o inglês da primeira classe, mas não entendia porquê ia atrás de uma mulher como Linda, quando ele podia ficar com todas as mulheres da primeira e segunda classe. Era completamente injusto, mas ele saiba o que devia fazer.
    Ele dirigiu-se ao convés da popa, onde ficava a sala de fumar da terceira classe. Carl sabia que apenas uma pessoa podia impedir Linda de ir atrás daquele homem. E essa pessoa era o seu pai.
    Lucius conversava com outros homens, quando foi interrompido por Carl, que demonstrava um rosto preocupado. Eles afastaram-se para poder conversar. Lucius desconfiava que era mais uma conversa sobre como Carl queria que Linda fosse sua esposa.
    — Aconteceu alguma coisa? Espero que me tenha chamado por algum motivo.
    Carl suspirou. — É sobre Linda. Ela não está na terceira classe. Já procurei por todos os lugares. Eu não a encontro, senhor Hilton.
    — Tenho a certeza que deve estar na cabine ou na proa.
    — O senhor não entende. Não está na cabine e os portões estão fechados. Como pode ela ir para lá com os portões fechados? — Perguntou, deixando Lucius em alerta. — E acho que também percebeu que ela tem aprendido a escrever. Com quem? Não conhecemos nenhum professor na terceira classe. O senhor deve ter percebido que ela desaparece sempre.
    Lucius também tinha notado que Linda estava diferente e não apenas por conhecer o oceano num grande navio. Ela estava mais feliz, desaparecia a maior parte do tempo e estava obcecada em aprender a escrever. Alguma coisa se passava. Ela tinha conhecido alguém.
    — Pode estar enganado. Linda não pode ter saído. Eu vou procurar por ela. — Lucius afastou-se, caminhando até a porta, mas seus pés travaram com o comentário de Carl.
    — Eu acho que há um homem da primeira classe que quer aproveitar-se da sua filha.
    Lucius virou para encarar Carl por alguns segundos. — Eu não permitirei que nenhum homem desse navio se aproveite da minha filha. — E saiu da sala com ar furioso.
    Carl sabia o que Lucius faria. E ele queria que fizesse qualquer coisa que podesse afastar Linda daquele homem. Se não podia competir com ele, tinha que usar uma arma poderosa para tirá-lo do caminho.

                           ****

    Do outro lado do navio, estavam Matthew e Linda na cabine do inglês. Matthew ensinava Linda com vogais maiúsculas e minúsculas, mas a bela irlandesa apenas prestava atenção nos olhos azuis-turquesa na sua frente. Não que não estivesse interessada em aprender, mas aquele homem roubava toda a sua atenção. E eles estavam completamente sozinhos e fechados.
    Matthew escrevia numa folha de papel, quando Linda tocou sua mão, impedindo-o de continuar. O inglês olhou para ela e os cantos de sua boca formaram uma sorriso.
    — Não tente me distrair! — Disse ele, tocando no rosto de sua amada e afastando o cabelo para trás da orelha.
    — Eu não tenho vontade de aprender a escrever nesse momento.
    — Mas eu prometi que a ensinava e que teria paciência, Linda.
    — Eu sei. Mas não agora.
    Matthew aproximou-se dela e afastou as folhas de papel para longe de si. Envolveu a jovem num abraço e deitou-se, levando-a consigo na sua cama. Aquele momento era perfeito e ninguém poderia estragá-lo, pelo menos assim esperava.
    Foi arriscado trazer Linda para a sua cabine, mas Matthew recusou-se a deixar seus pais ganharem. Então, ele fazia o que queria mesmo sabendo das consequências. Não poderia deixar que eles decidissem por ele. Aquilo se tornou cansativo. Se tivesse que enfrentar seus pais, fá-lo-ia.
    — Eu gosto mais de estar assim do que ler os meus livros favoritos. — Matthew sussurrou no seu ouvido. — E eu gosto muito de ler.
    — Então, gosta mais de mim do que dos seus livros, Matt? — Ela sorriu.
    — Com certeza que sim.
    — Eu gosto mais de você do que do mar.
    Sorriu, o jovem inglês. — Eu ficaria muito triste se não gostasse.
   Ele virou-se para olhar para seus olhos castanhos e entrelaçou suas mãos, enquanto deitavam lado a lado de frente um para o outro. O toque de mãos poderia demonstrar sentimentos também, não eram apenas os beijos ou os abraços. O homem apaixonado tocaria para a mão de sua amada de um jeito diferente do que tocaria em qualquer outra mulher. Talvez até o contato com outra mulher seria quase inexistente.
    Quando Matthew tocava a mão de Linda, ele explorava, navegava como um navio faria pelo oceano. E o toque causava uma sensação calorosa, algo muito bom, uma sensação maravilhosa que quase o fazia querer segurar sua mão eternamente. Era diferente de um abraço, mas era igualmente bom.
    Estar apaixonado implicava despertar ou tornar todos os sentidos ainda mais intensos. Como o tato, que além do toque de mãos, também implicava tocar por completo a pessoa amada, como se fosse senti-la melhor.  A audição, onde o som da voz daquela pessoa poderia fazer o corpo ter uma resposta rápida, afetando o sistema inteiro. O paladar, tratando-se de um beijo que poderia deixar a pessoa em outro mundo enquanto estivesse saboreando, afetando o cérebro e causando uma sensação de prazer. O olfato, onde sentir o cheiro da pessoa amada tornava-se importante, ficava gravado em sua mente deixando a pessoa dominada. E a visão que causava felicidade para o cérebro, olhar para a pessoa que roubara o seu coração era motivo para causar uma sensação de prazer.  O amor era um sentimento parecido com drogas. Estar apaixonado era como estar drogado.
    — É muito bonita. — Olhou para ela, sem largar sua mão.
    Linda sorriu e aproximou seu rosto até que seus narizes tocavam-se. Era mesmo muito agradável ouvir Matthew dizer que era bonita, quando achava ela que as mulheres da primeira classe eram muito mais esbeltas.
    — De verdade?
    — Com toda a certeza. — Soltou sua mão para tocar nos lábios carnudos da irlandesa, que fechou seus olhos, saboreando o toque. — Eu acho que é a mulher mais linda que já conheci.
    — Tem a certeza?
    — Sim. — Tocou o seu pescoço e beijou o seu queixo.
    Linda abriu os olhos e sorriu para Matthew. O inglês tinha a certeza que nunca tinha visto um sorriso mais bonito na sua vida. Porquê Linda era tão especial? O que ela tinha de tão diferente das outras mulheres?
    — E você é o homem mais lindo e maravilhoso que já conheci. Eu nunca me senti assim antes.
    — Eu também nunca me senti assim antes. Mudou tudo na minha vida, Linda.
    — Também mudou na minha, Matt.
    Matthew aproximou-se lentamente para tocar seus lábios, beijando-a calorosamente, sendo gentil e cuidadoso, tentando mostrá-la como se sentia sem usar palavras. Queria que soubesse que não havia outro lugar em que gostaria de estar naquele momento. Ele só queria tocá-la, beijá-la, abraçá-la e ser feliz daquele jeito. Aquilo era felicidade, era algo que dinheiro nenhum no mundo poderia comprar. E quando era verdadeiro era fantástico.
    E Linda entregava-se também mostrando que confiava nele, que era feliz apenas por estar do seu lado. O amor era uma coisa complicada porque poderia significar anos para algumas pessoas e apenas dias para outras. Desde que conheceu Matthew, Linda mudou completamente. Não sabia como se tornou no centro do seu mundo em questão de horas.
    O beijo tornou-se mais intenso e era melhor porque ninguém poderia atrapalhar, ninguém poderia vê-los e julgá-los naquele momento. O mundo nunca estaria preparado e nunca poderia entendê-los. Nem tudo que diziam ser certo, era o certo. Algumas pessoas percebiam aquilo, mas outras simplesmente não queriam enxergar. Existiam regras absurdas que precisavam ser quebradas. Matthew sabia que seus pais nunca aceitariam Linda, então ele tinha que tomar uma atitude e fazer o que achava melhor para eles. Não poderia conhecer outra mulher que o faria sentir daquele jeito e sabia que a sua decisão teria consequências drásticas, mas ele iria arriscar, senão arrepender-se-ia pelo resto da sua vida.

                                ****

    Lucy olhava para Brian. Seu marido estava ocupado lendo o jornal e incomodava que ele não via o problema com Matthew. Já tinha acalmado Dora porque sabia que seu filho não ia querer perder todas as regalias. Ele era o único herdeiro Whitmore, mas sua decisão poderia mudar tudo. Lucy não tinha medo de cumprir com as suas palavras.
     Brian olhou para a esposa tentando perceber o que ela queria. Sabia que o casamento de Matthew e Dora poderia ser bom para os negócios, para ambos. Também conhecia o seu filho e sabia que fazê-lo mudar de ideias seria uma luta.
    — Eu estou preocupada com o Matthew. Porquê ele age assim? — Lucy lamentou. Ela era uma mulher dramática e preocupava-se demais com pequenas coisas.
    — Ele não quer casar.
    — Mas qual é problema? Dora é linda, todos os homens gostariam de casar com ela.
    — Nosso filho não é um homem qualquer.
    — Claro que não. Ele é um Whitmore.
    — Não é o que quis dizer. Há uma grande discrepância entre ele e um inglês normal. Matthew é peculiar.
    — Não discordo, porém acho que pelo menos uma vez na vida ele poderia ser normal e casar com Dora.
    — Fica calma, querida. Tenho a certeza que não vai querer perder a herança.
    Era o que passava na cabeça de Lucy o tempo todo. Matthew era inteligente, mas também era teimoso.
    — Precisa conversar com ele.
    — Eu já tentei.
    Dora apareceu na sala com um livro em suas mãos, esperando encontrar Matthew. Para sua total desilusão, ele  não se encontrava ali, só os seus pais.
    — Boa tarde! Eu pensei que Matthew já tinha regressado de onde quer que seja. — Dora sentou-se com eles.
    — Ele sempre desaparece. — Lucy disse. — Tenho a certeza que deve estar lendo.
    — Talvez sim. — Dora olhou para o livro em suas mãos, desanimada.
    — Eu vou ver se ele está na cabine. — Brian levantou e saiu da sala para tentar encontrar o filho.
    Tinha quase a certeza que estaria lendo um livro como Lucy tinha dito. Brian sabia que ler era a coisa que ele mais fazia e que mais gostava. Seu filho era um homem que sabia o que queria, sempre foi assim. Desde pequeno que ele dizia para seus pais que iria mudar o mundo quando crescesse, mas Brian sabia que o mundo não poderia mudar.
    "Irei mudar o mundo com um livro, pai." Era o que ele sempre dizia. Ninguém poderia mudar o mundo usando apenas um livro. Era quase impossível.
    Ele chegou na porta de Matthew e percebeu que estava trancada. Seu filho nunca trancava a porta, nem no seu quarto em sua casa de Londres. Parecia que não tinha nada a esconder, mas naquele momento ele ficou desconfiado. Matthew estava um pouco diferente desde que tinham chegado ao navio.

                                ****

    Matthew afastou-se de Linda quando percebeu que alguém tentava abrir a porta. Não podia entrar em pânico e permitir que seus pais vissem Linda no seu quarto. Provavelmente, iriam afastá-la dele para sempre. Ele não queria que aquilo acontecesse.
    Fez um sinal para Linda, pedindo que fizesse silêncio. A irlandesa levantou e procurou por algum cómodo para se poder esconder. O único lugar que parecia mais viável naquele momento era debaixo da cama.
    Linda escondeu-se debaixo da cama antes que Matthew podesse reclamar e sugerir um lugar melhor. Mas mesmo assim era um bom lugar.
    Matthew abriu a porta, mas apenas o suficiente para poder conversar com o seu pai. Bocejou e sorriu esperando que seu pai dissesse alguma coisa, mas antecipou-se.
    — Algum problema, pai?
    — Você fica muito tempo aqui. Devia aproveitar mais.
    Ele bocejou novamente. — Sim. Mas eu acabei de ler um livro e agora estou com sono. Vou descansar um pouco, pai.
   — Sua mãe está preocupada com você. Mas eu vou deixar você dormir.
     — Obrigado, pai. Obrigado.
    — Tem pensado naquele assunto?
    — Sim. Eu tenho pensado.
    Brian suspirou. — É tudo para o bem da nossa família.
    — Sim, pai. — Mas Matthew sabia que era algo que só beneficiava seus pais.
     — Vou deixar você dormir.
    Brian retirou-se, e Matthew fechou a porta, depois ajudou Linda a sair debaixo da cama.
    — Foi por pouco. Vamos sair daqui?
    — Claro que sim. — Ela sorriu. Não importava onde, ela queria ir porque Matthew estaria lá.

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