Capítulo cinco

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        12 de abril de 1912

    A travessia pelo transatlântico estaria isenta de problemas, se não fosse pelo incêndio em uma das reservas de carvão do navio que tinha começado desde antes da partida de Southampton. Os passageiros estavam ignorantes quanto ao assunto, pois não parecia ser grave. Apenas precisavam de muitos homens para apagar o fogo.
   Incidentes como aqueles eram bastante incomuns em embarcações, mas a intensidade foi rara devido a uma explosão de gás e pela baixa qualidade do carvão ocasionada por uma greve de mineiros. Possivelmente, o fogo estaria a enfraquecer os cascos, tornando o navio vulnerável.

   Do outro lado, estavam Matthew e Linda. Nem eles nem qualquer outro passageiro à bordo poderia imaginar o que realmente se passava dentro do navio. O presidente achava que não havia necessidade.
   Matthew achava encantador Linda estar tão disposta a aprender. E aquilo seria fácil, ela só tinha que continuar com toda aquela disposição. Linda tentava imitar as vogais na sua folha de papel, seguindo os exemplos de Matthew. Não estavam perfeitos, mas ela estava no caminho certo.
   Ela desenhava as letras e fazia-as grandes demais, mas era razoável para alguém que estava aprendendo e que, provavelmente, nunca tinha tocado num lápis.
   Matthew admirava enquanto Linda desenhava as letras lentamente e várias vezes. Ela parecia muito concentrada, deixando ele mais atento ainda. Ele até sorria.
   — O que acha, Matthew? — Ela perguntou, mostrando a folha para ele. As letras estavam enormes e tortas, mas era apenas o começo.
   — Isso mesmo. Só precisa fazer isso até que estejam perfeitas. — Disse ele.
   — E quando eu vou aprender a ler?
   — Não se preocupe! Um passo de cada vez. — Ele pegou no lápis e apontou para a folha de papel. — O que estamos aprendendo? — Matthew a encarou esperando uma resposta.
  Linda pensou por um segundo e lembrou do que Matthew disse há minutos. — As vogais?
   — Isso é uma pergunta? — Ele sorriu.
   — Desculpa. Eu acho que são as vogais.
   — Você acha?
   — O que você quer que eu diga? — Linda sorriu também. — Está bem. Essas são as vogais.
   — Exatamente! — Matthew aplaudiu. — Muito bem!
   — Não precisa exagerar! — Linda pôs um fio de cabelo atrás da orelha. Vermelho tingia as suas bochechas, e aquilo chamou mais ainda a atenção do inglês.
   Linda parecia ser uma mulher inocente, vulnerável, meiga e sonhadora. Matthew estava notando suas qualidades pouco a pouco, queria conhecê-la melhor.
   — Agora vamos ler. — Disse ele, voltando para a realidade. Aquela mulher era uma distração das grandes!
   — Ler? — Linda parecia confusa.
   — Sim. Você sabe qual é a letra "i"?
   — Não.
   — Hoje você vai saber. Vai saber todas elas.
   Matthew começou a ensinar como ler as vogais, ou seja, os sons das vogais. Linda parecia um pouco perdida, um pouco esquecida, mas conseguiu. Provavelmente, só conseguia quando não olhava para aqueles olhos azuis-turquesa.
   Matthew pediu para que ela lesse sozinha mais algumas vezes, depois repetisse as vogais numa outra folha de papel. Linda percebeu que ele era um pouquinho exigente, mas não fazia mal. Os professores tinham de ser exigentes para que os alunos fossem excelentes.
  Ela terminou de escrever, depois olhou para Matthew sorrindo. — Isso é muito fácil!
   — Essa é a parte fácil, Linda. Ainda falta muito para que aprenda a escrever. Para aprender a ler, precisa saber escrever. O caminho vai ser longo. — Matthew sorriu ao pensar no tempo que passaria com Linda.
   Talvez fosse aquilo que ele precisava: uma distração. A bela irlandesa seria uma grande distração durante a viagem. Possivelmente, o suficiente para manter sua mente ocupada por horas e estar longe de Dora.
   Matthew percebeu como seus pais gostavam de Dora, mas não era a mulher que ele queria. Como poderia dizer para seus pais, se eles já imaginavam o casamento entre eles?
   Ele abanou a cabeça para expulsar os pensamentos ruins e olhou para os olhos castanhos que estavam no seu campo de visão.
   "Tenho que me focar nela e apenas nela", pensou ele.
   Linda ajudava-o a esquecer os problemas.
   — Porquê? — Linda perguntou, brincando com o lápis.
   — É mais fácil assim e é também o único jeito que faz sentido. — Ele disse. — Embora, existam sempre exceções.
   — Eu vou fazer o que diz. — Ela organizou as folhas de papel.
   — Ainda não terminei, senhorita! — Ele entregou duas folhas para ela. — Preciso que você preencha essas folhas com as vogais.
   — Porquê?
   — Porque assim estará cada vez melhor. — Guardou seus materiais. — A prática leva à perfeição.
   — Então, tenho que fazer isso nos meus tempos livres?
   — Faça quando quiser, mas não esqueça de descansar. Amanhã teremos mais.
   Linda olhou para as folhas de papel. — Muito obrigada, Matthew. Eu posso ficar com o lápis também?
   — Com certeza. Pode ser um presente meu.
   — Obrigada. Nunca recebi um presente.
   — Não precisa agradecer!
   Matthew olhava para Linda, pensando se convidava ela ou não para o seu aniversário. Era óbvio que seus pais jamais aceitariam, mas como era seu aniversário ele queria que fosse à sua maneira.
  Seus pais sempre escolhiam onde eles iriam, escolhiam os convidados, a comida, absolutamente tudo. Ele queria que pela primeira vez podesse decidir sobre alguma coisa. Ele tinha aquele direito.
  Seria algo reservado, um jantar simples entre sua família e a família Smith. Não via problema em convidar uma amiga da terceira classe. E para Matthew, ela não era qualquer pessoa.
   Claro que não!
   — Linda, eu queria... — Ele olhou para suas mãos, depois para seus olhos castanhos. — Tenho um jantar de aniversário no dia quinze. Queria que você aparecesse, mas apenas se quiser.
   — Na primeira classe? — Perguntou sem sorrir.
   — Sim. Com os meus pais e alguns amigos.
   — Não sei...
   — Por favor! Nós, ricos, não somos tão cruéis assim.
   — Eu posso dar uma resposta amanhã? Preciso pensar sobre isso. — Ela olhou para o céu.
  Jantar na primeira classe ia implicar ela usar roupas propícias para o ambiente, além de ter de aturar muita conversa chata, comer algo que desconhecia, ouvir música sem graça e conhecer seus pais e seus amigos. Era um pouco assustador.
   Linda não queria ser humilhada, muito menos deixar Matthew triste. Ele parecia ser boa pessoa. Seria uma decisão difícil de tomar, mas iria dormir sobre o assunto.
   Além disso, o que diria para o seu pai? Ele provavelmente não permitiria que ela fosse jantar com um completo desconhecido, principalmente um desconhecido da primeira classe, que é a classe que mais os humilhou.
   Mas Matthew não era um completo desconhecido. Linda não o considerava como um amigo, mas já estavam a criar laços afetivos. Para ela, era fácil confiar em Matthew porque ele era uma boa pessoa. Ela sabia que ele jamais a humilharia.
   Infelizmente, seu pai não pensava do mesmo jeito. Ele não iria confiar em Matthew, mesmo que ela pedisse.
   — Certamente. — Matthew assentiu.
   — E eu ainda não sei dançar muito bem. — Ela encarou-o, mordendo o lábio inferior distraidamente.
   Matthew levantou imediatamente e foi ao seu lado. — Posso ensinar mais alguns passos. — Estendeu a mão.
   — Não quero roubar o seu tempo. Tenho a certeza que alguém importante como você deve ter muita coisa para fazer. — Disse ela.
   — Na verdade, senhorita, não tenho nada para fazer. Eu praticamente estou de férias nesse navio. Estou aqui para me divertir, não para trabalhar.
   — Eu esqueci disso!
   — E então? Quer dançar comigo, Linda?
   — Devagar?
   — Devagar! — Ele sorriu.
   — Eu adoraria! — Ela agarrou a sua mão e levantou.
   Linda olhou para as outras pessoas um pouco envergonhada. Apercebendo-se, Matthew virou o seu rosto para ele.
   — Não tenha vergonha! Finja que não tem ninguém aqui. Tal como da última vez. Está bem?
   Ela sorriu, não apenas por causa do que ele disse, mas por causa do seu sotaque encantador também. Era uma coisa linda de ouvir. Poderia passar o dia todo ouvindo aquela voz grave e sedutora.
   — Claro, Matthew! — Respondeu.
   Matthew levou-a para longe da mesa, para uma área mais aberta para que não houvesse dificuldade. Não parava de olhar para ela. Linda tinha um sorriso hipnotizante, uma voz doce e uma atitude adorável. Ela era o tipo de mulher que Matthew achava raro encontrar. Uma mulher de outro mundo.
    — Cuidado, Matthew! — Linda segurou as mãos de Matthew com força quando ele a puxou para perto, apanhando-a desprevenida. Estava um pouco distraída.
   — Não seria louco para deixá-la cair ao chão, senhorita Hilton.
   — Vou confiar em si, senhor Whitmore! — Ela sorriu mais uma vez.
   — Eu sei que sim.
  Matthew sabia que não haveria dança no seu aniversário, já que era um jantar reservado, porém não podia perder a oportunidade de ficar mais próximo de Linda. Segurar suas mãos pequenas, tocar sua cintura, sentir seu cheiro e sentir a proximidade de seus corpos.
  Ambos começaram com alguns passos de dança. Linda parecia melhor que no dia anterior, deixando Matthew orgulhoso. Eles divertiam-se bastante, tanto que nunca tinham a noção do tempo.
   — Matthew!
   Matthew ficou paralisado quando ouviu aquela voz familiar. Linda olhou para trás e viu uma bela mulher com um vestido de alta costura, luvas e cabelos sedosos e brilhantes.
   Dora aproximou-se deles, não conseguindo que Matthew soltasse a jovem irlandesa que, praticamente, estava em seus braços.
   — O que faz aqui com essa mulher, Matt? — Perguntou Dora. — Eu e sua mãe estávamos atrás de você.
   — Eu disse que queria estar sozinho. — Matthew respondeu e afastou-se de Linda, mas não soltou a sua mão.
   — Não vai me apresentar... — Olhou para Linda como se fosse porcaria. — ... essa mulher?
   — Matthew! — Linda queria soltar sua mão, mas Matthew não deixava. Ela estava desesperada para ir embora, mas ele não queria que fosse embora. — Por favor!
   — Não lhe devo explicações! — Matthew respondeu o que Dora tinha perguntado.
   — Está bem, mas não devia tocar nela. Você sabe se tem algum tipo de doença? — Apontou para Linda. — Com essas roupas...
   — Não fala assim! — Matthew olhou para Linda, que parecia envergonhada e pronta para chorar.
   — Eu quero ir embora, Matthew! — Ela pediu. Matthew segurava sua mão firmemente.
   — Deixa ela ir, Matt! — Dora olhou para Linda com repulsa.
   — Não! E não vou deixar que fale assim com ela. Ela é um ser humano assim como você. Porquê se foca nas diferenças?
   — Gostaria de saber se os seus pais vão gostar de saber. Não devia sequer olhar para as pessoas da terceira classe, Matthew. Essa gente não presta! Você não acha que está interessada nas riquezas da sua família?
   — Dora, a minha vida não lhe diz respeito!
   — Matthew! — Linda sussurrou dessa vez.
   — Eu só quero o que é melhor para todos. Assim como os seus pais, deveria saber disso. Você não pode sujar a imagem da família Whitmore com uma aberração!
   — Já chega! Vai embora, Dora! — Matthew estava furioso.
   Ela não sabia nada sobre ele, não sabia nada sobre os seus pais e muito menos sobre Linda. Normalmente, era um pouco difícil identificar as mulheres preconceituosas que ele não queria casar, mas com Dora aquilo foi um recorde mundial!
   — É melhor irmos juntos. Sua mãe quer falar com você. — Dora disse, endireitando as luvas.
   — Não quero ir com você. Vai!
   — Matthew... não...
   — Vai embora! — Matthew quase que a empurrava ao chão.
   Dora não disse mais nada e foi embora. Matthew não libertou Linda, apenas deu um forte abraço nela. Foi algo impulsivo, por isso afastou-se quando percebeu que não devia ter feito aquilo.
   — Enquanto estiver comigo, ninguém fará nada a você. — Disse ele.
   — Matthew, não quero que tenha problemas com sua família.
   — Não terei porque nada do que ela disse é verdade. Só preciso que confie em mim e não se afaste! — Segurou sua mão novamente.
   — Eu vou tentar!

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