Capítulo três

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         11 de abril de 1912

   Depois da hora do jantar, o maior navio transatlântico já atravessava as águas calmas do oceano. Alguns passageiros festejavam simplesmente por estarem à bordo no Titanic, outros, mas especificamente as primeira e segunda classes, estavam apenas conversando ou preparando-se para dormir.
   Capitão Smith foi substituído por Capitão Richards naquele momento. Para Richards também era uma honra manejar aquele navio, mesmo que por pouco tempo.
   O Titanic era dividido por dez conveses: O mais alto era chamado de "convés superior" ou "convés dos botes", que era o lugar onde ficava a ponte de comando, assim como alojamento dos oficiais e os botes salva-vidas. Abaixo deste, estavam os conveses de A a G, a maioria destinados aos passageiros e apenas um para os compartimentos de carga. Mais abaixo havia a casa das máquinas, caldeiras, mais compartimentos de carga, alojamentos da tripulação e as reservas de suprimentos.
   Era movido por uma combinação de dois sistemas de propulsão. O navio possuia vinte e nove caldeiras a vapor agrupadas em seis salas, e as mesmas alimentavam dois motores de tripla expansão com quatro cilindros que moviam as duas hélices laterais. As caldeiras excediam vapor e o mesmo era reutilizado por uma turbina de baixa pressão que movia a hélice central e consumia entre 638 a 737 toneladas de carvão por dia. O fumo do carvão era descarregado nas três primeiras chaminés.
   O navio era tão grande que era necessário 400 quilowatts para que houvesse iluminação gerada por energia elétrica em todo o navio.
  Os projetistas do Titanic acreditavam que se dois compartimentos contíguos fossem inundados, o navio continuaria flutuando normalmente. O limite era de quatro se os compartimentos inundados estivessem na proa.  O Titanic tinha também um fundo duplo e oito bombas de água capazes de extrair, por hora, quatrocentas toneladas de água. Eram medidas de segurança que os engenheiros adotaram para que o navio não afundasse. Acreditava-se também que navios como o Titanic demoravam a afundar, possibilitando facilmente o uso dos botes para os náufragos.
   A noite ainda era uma criança para os passageiros da terceira classe. Enquanto algumas pessoas festejavam, Linda estava no seu quarto prestes a sair, porém não conseguia. Não parava de olhar para o espelho.
   Suas companheiras de quarto olhavam para ela como se fosse uma tresloucada, andando de um lado para o outro. Eram os nervos por ver Matthew novamente. Ela sabia que ele ia aparecer.
   Linda, finalmente, decidiu-se e saiu do quarto. Dava para ouvir a música que vinha da sala de jantar e os alaridos dos passageiros. Era uma verdadeira animação.
   A terceira classe também fornecia acomodações e instalações muito boas, com cabines que tinham beliches para quatro ou oito pessoas e também pequenos dormitórios para homens solteiros. Diferente da primeira e segunda classe que dividiam a mesma cozinha, a terceira classe tinha sua própria cozinha, havendo também uma sala de fumar no convés da popa e também duas disposições de áreas comuns.
   Linda foi para o convés sem mais demoras. Era noite de lua cheia e o reflexo da lua sobre o mar era algo apolinário. Sublime, até. O mar era bonito tanto à noite como durante o dia.
   A bela irlandesa ouviu passos atrás de si aos poucos minutos da sua chegada e viu Matthew aproximando-se. Lá estava ele novamente, com um sorriso no rosto e com os olhos brilhantes. Ele ficou do seu lado.
   — Eu sabia que o senhor viria. — Disse Linda, não notando que tinha exteriorizado o seu pensamento.
   — Claro que sim. Não poderia perder essa vista tão linda. — Respondeu Matthew. — E não me chame de senhor, por favor! Apenas Matthew ou Matt, se quiser.
   — Está bem. A vista é realmente linda.
    — Assim como a senhorita! — Ele olhou para ela.
    — Acha que sou bonita? — A jovem sorriu.
    — Muito bonita.
    — Obrigada. — Ela ruborizou. — Ainda lembra do meu nome?
    — Linda Hilton. O nome mais interessante que ouvi nesse navio.
    — Tenho a certeza que é mentira.
    — Não, não é. — Matthew virou-se para ela e estendeu a sua mão.
   — O quê? — Perguntou Linda completamente confusa.
    — Dança comigo?
    — O quê? Eu... eu não sei dançar. — Disse ela, envergonhada.
    — Nunca dançou? — Matthew ficou admirado.
   — Não. Eu nunca dancei. Parece ser tão fácil, mas não é.
    — Não é difícil. Eu posso ensiná-la. — Ele mostrou, mais uma vez, seus dentes brancos em um sorriso brilhante.
   — Mas não há música. Como vamos dançar sem música, Matthew?
   Matthew segurou as mãos de Linda nas suas. — É só você imaginar que há música... — Ele colocou a mão esquerda de Linda por cima do seu ombro. — ...e os passos vão surgir com facilidade. — Pôs a sua mão direita na cintura dela. — Assim!
   Ele deu um passo para frente e parou. Deu um passo para trás e Linda seguiu-o, porém de forma desleixada. Em seguida, deu um passo para o lado esquerdo e outro para o direito. Ela sempre o acompanhava.
    — Percebe? — Ele perguntou.
    — Percebi.
   Mais uma vez, ele deu dois passos para frente, depois dois para trás, mas sempre lentamente para que Linda não se perdesse. Deram mais dois passos, depois regressaram.
   — Agora para o lado. — Disse ele.
   Foram para direita. Linda olhava para os pés de Matthew para não pisá-los. Era a sua primeira aula de dança, não queria cometer aquele erro, apesar de ser um erro normal de principiantes.
    — Olha para mim! — Ordenou ele. — Deve sempre olhar para frente, não para baixo. Entendido?
    — Entendido!
   Linda encarou os olhos azuis-turquesa e sorriu, mas com essa distração pisou os pés de Matthew.
   — Desculpa! — Olhou para baixo.
    — Não faz mal. É um erro compreensível. — Mais uma vez, ele sorriu.
    Matthew fez ela girar duas vezes e depois deram mais dois passos para trás. Linda tentava manter o foco e seguir os passos sem ter de olhar para baixo. Não era difícil já que não estavam realmente dançando.
   Mais dois passos para a esquerda e Matthew voltou a girar o corpo de Linda. Quando voltaram a posição inicial, ficaram mais próximos um do outro e Matthew inclinou seu corpo para baixo, fazendo os cabelos compridos varrerem o chão do convés.
   — Dançar é muito fácil! — Sussurrou ele, olhando para baixo para Linda, que olhava para cima para ele.
    — Eu ainda não posso dizer. Isso não é propriamente uma dança. — Respondeu a jovem sorrindo.
   Matthew levantou o corpo de Linda lentamente. — Depois você diz.
   Começaram, então, com os passos um e dois. Um...dois...um...dois. Ainda o faziam lentamente e repetidamente.
   Ela riu. — As pessoas vão pensar que somos loucos!
   — Podem pensar o que quiserem. Eu não me importo.
   Ele girou-a mais uma vez. — Há quanto tempo você dança? — Ela olhou por cima do ombro.
   — Desde os doze anos. — Respondeu ele.
   Voltaram aos passos. Deram um passo para frente e pararam, depois deram um para a esquerda. Um para trás e um para a direita. E repetiram o processo.
    — É muito bom nisso!
    — Praticar ajuda bastante.
    — Já foi há muitos bailes? — Perguntou Linda.
    — Muitos. Minha família gosta de ir a esses lugares. É por isso que meus pais queriam que eu aprendesse a dançar. — Respondeu e ajudou Linda a dar uma volta.
   — Eu nunca fui a um baile. Como é?
   — É... — Ele inclinou o seu corpo mais uma vez. — ...bastante divertido. As pessoas dançam. Há muita música, muita comida e muita gente. É uma verdadeira alegria.
   — Deve ser interessante. — Voltaram a posição inicial, mas não faziam mais movimentos. Encaravam-se apenas.
   — É. — Matthew afastou-se um pouco.
   — Tinha razão. Dançar não é difícil. — Ela cruzou os braços e lambeu os lábios distraidamente.
   — Então, está pronta para dançar comigo um dia destes?
   — Acho que estarei.
   Ambos ficaram em silêncio por um minuto.
   — Vamos sentar-nos. — Matthew segurou a sua mão e foram sentar-se numa mesa.
   Algumas pessoas iam embora, deixando o convés cada vez mais vazio. Linda brincava com o seu cabelo distraidamente enquanto olhava para Matthew.
   — Então, o que fará amanhã? — Perguntou ela.
   — Talvez treinar, conversar com os meus pais ou ler.
   — Gosta de ler?
   — É uma das minhas paixões. Ler um livro é como viajar para uma outra dimensão sem sair do lugar. Ler é imaginar o cenário, os personagens, tudo. É a melhor aventura. — O sorriso do inglês alargou-se.
   — Deve ser. Você diz de um jeito... — Ela procurava a palavra certa.
   — Apaixonante?
   — Sim.
   — Você não gosta de ler?
   A jovem desviou o olhar rapidamente. — E-Eu não... não sei ler.
   Matthew segurou a sua mão. — Eu posso ensiná-la nisso também. Sou um ótimo professor.
   — Não precisa fazer isso. Não quero que tenha tanto trabalho por minha causa.
   — Eu não me importo. Podemos começar amanhã se quiser.
   — Muito obrigada! — Sussurrou. — E o que mais gosta de fazer?
   — Eu gosto de passear. Gosto de animais. Também gosto de trabalhar.
   — O que você faz?
   — Eu sou empresário. — Disse ele. — E você? O que gosta de fazer?
   — Bem, eu gosto de ver o mar.
   — Apenas isso?
   — A minha vida não é tão interessante como a sua. Eu e o meu pai somos alfaiates. Ele gosta do que faz. Eu só o faço para ajudá-lo.
   — O que você gostaria de fazer?
   — Eu não sei. Qualquer coisa que tenha a ver com o mar.
   Matthew olhou para seus olhos castanhos. — A leitura é para mim, o que o mar é para você, Linda.
   — Então, deve ser uma coisa maravilhosa.
   — Um dia, você vai gostar de ler. E quando isso acontecer, quero que lembre de mim.
    — Assim o farei, Matthew.

                        ***

   Linda regressou para os compartimentos da terceira classe um pouco tarde. Depois de tanto conversar com Matthew, aprendeu mais alguns passos de dança e despediram-se.
   Seu pai e Carl estavam sozinhos na sala de jantar. Faltavam poucos minutos para a meia noite, por isso Linda achava que já deviam estar em seus aposentos.
   — Onde você estava? — Carl levantou-se assim que a viu.
   — No convés. — Ela olhou para seu pai. — Porquê não estão na cama?
   — Procuramos por você! — Respondeu Lucius.
   — O senhor sabe que eu gosto de olhar para o mar. Porquê tanta preocupação?
   — Porquê não quis festejar com todos nós? — Carl aproximou-se dela.
   — Eu não quis. Eu queria ficar num sitio calmo. Queria relaxar. — Disse ela, caminhando até o seu quarto. — Agora eu preciso dormir. Tenham uma boa noite!
   — Boa noite, filha!
   Linda entrou no quarto e fechou a porta. Lucius levantou-se também para ir para seu quarto, mas Carl o impediu, ficando na sua frente.
   — Senhor Hilton, precisamos conversar.
   — A essa hora?
   — É importante! Muito importante!
   — Pode dizer.
   Carl suspirou. — Senhor, eu sei que acabamos de nos conhecer, mas queria dizer que eu estou interessado na sua filha.
   — O quê?
   — Ela é uma jovem encantadora e linda. Eu acho que também gosta de mim.
   — Porquê acha que gosta de si? — Perguntou Lucius, completamente confuso. "Como poderia Linda gostar de Carl?" Pensou ele.
   — A forma como ela olha para mim. Quando eu contei a minha história para ela...
   Lucius cortou-o. — Carl, não quero ser cruel, mas Linda gosta de ouvir histórias, principalmente marítimas. Ela não está apaixonada por você.
   — Mas eu quero sua permissão para ficar com ela.
   — Estou muito cansado. Vamos dormir! — Ele mudava de assunto, Carl percebeu.
   — Mas...
   — Boa noite, Carl! — Lucius despediu-se, batendo no seu ombro.
   Carl olhou para trás, para o quarto em que Linda estava. Ele estava cativado por aquela mulher. Era uma questão de tempo para que fosse sua. Amaria a ele, do mesmo jeito que amava os mares.

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