Capítulo 28 - Gangorra de emoções

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A rainha praguejou e saiu da cozinha seguindo o caminho por onde tinha vindo. Depois de alguns segundos em absoluto silêncio, Hayden e eu nos olhamos. Estávamos pasmos com o que havíamos acabado de presenciar. Uma discussão com os ânimos exaltados entre rei e rainha! Nunca poderia imaginar passar por uma situação dessas. E ainda havia o fator cômico por trás: estávamos no lugar errado e na hora errado por um simples pedaço de bolo. Hayden saiu de debaixo da bancada primeiro, checou se ainda havia alguém por perto e então me ajudou a sair também.

Hayden estava pálido. Talvez pelo medo de sermos pegos pelos monarcas ou talvez pela discussão acalorada totalmente imprevista nos nossos planos. Ele pediu que eu guardasse a travessa de bolo na geladeira pois tinha perdido a vontade de comer. Quis protestar, mas era melhor assim. Não poderíamos arriscar ficar mais tempo na cozinha. Se os monarcas descobrissem que tínhamos ouvido tudo, o que fariam? Era muito melhor manter nossas cabeças grudadas ao pescoço bem caladinhas.

Voltamos apressada e cautelosamente para nossos aposentos. Não conversamos sobre a discussão que ouvimos. Não era hora para isso. Cheguei ao meu quarto e tranquei a porta, como já estava fazendo desde o último baile. Dormir era pedir demais. Eu estava muito agitada e alarmada. Só conseguia relembrar as coisas que haviam sido ditas. Ali na cozinha no meio da madrugada eles não eram rei e rainha, eram apenas Edwig e Cassandra. Já sabia que algo na relação deles não estava bem, mas depois daquela discussão soube que não era apenas uma coisa, mas várias.

Após passar algum tempo pensando sobre o que ouvi, cheguei a alguns pontos importantes que foram levantados durante a discussão. Primeiro: a rainha ama o poder de acordo com o rei, o que faz bastante sentido com o que já observei em minha estadia no palácio. Segundo: o rei ama outra mulher. Terceiro: isso enfurece a rainha de algum modo. Não acho que a rainha ame o rei, acho que ela só odeia o fato de não poder tê-lo.

Encarei o anel que usava em meu dedo anelar desde a inauguração desta edição. O que ele realmente representava? Dizia que eu era parte da nobiliarquia? Reforçava o contrato entre a monarquia e eu? Atava cada um de nós a algum tipo de rédea? Se até o rei se sentia preso... Para onde caminhávamos? Esperava que quanto mais tempo ficasse no palácio, mais claras se tornariam as coisas, mal sabia eu que o que aconteceria era exatamente o contrário...

No dia seguinte o clima estava extremamente tenso entre o rei e a rainha, o que eu já esperava. Se houvesse uma fagulha sequer entre eles, o palácio podia ir pelos ares numa grandiosa explosão. Nem um dos dois deu uma palavra durante todo o café da manhã, entregando o papel de prosear ao príncipe Íven e à princesa Ocília. Senti que eles não sabiam qual era o atrito da vez, mas provavelmente já estavam acostumados a situações parecidas. Devia ser terrível ter que se acostumar a viver numa guerra de farpas entre Edwig e Cassandra. Nem ao menos cabia ao príncipe e a princesa interferir, eles só podiam assistir calados. Desgastante.

Os dias se passaram. A tensão entre os monarcas não se apaziguou, ao contrário, só crescia mais e mais. O rei não fazia questão alguma de dirigir a palavra a rainha, ainda que ela o fizesse. Edwig lançava olhares escassos e cirúrgicos a ela, que comunicavam apenas uma coisa: não se atreva a falar comigo. Isso só enfurecia mais e mais Cassandra, que arrastava seu ego ferido por todo o palácio. Não deixei de observar os movimentos da rainha depois de ouvi-la conversando com Tove no jardim, e a cada dia que se passava só conseguia confirmar a fala do rei sobre ela. Sobre sua sede interminável por poder. Sobre Cassandra ser como um saco sem fundo e nunca se satisfazer. Ela era pura ganância provida de dissimulação.

Tivemos mais uma semana cheia de atividades, mas dessa vez não podíamos escolher em quais participar. Foram entregues os horários das atividades e o local, apenas. Participei de três atividades: no segundo dia, tive uma oficina de arranjos de flores, na qual pude montar um lindo bouquet com o que me foi ensinado sobre combinações com flores e folhagens. Calina e Genevieve infelizmente não foram escolhidas para aquela oficina. Adoraria ter visto os bouquets que ela teriam feito. No terceiro dia da quina, tivemos uma grande gincana em quartetos. Os monarcas foram quem separam-nos em quartetos. Eu fiquei no grupo com Iker, Leo Corde, Selena e Vicit. Um quarteto um tanto quanto peculiar. Nos saímos bem na proposta da gincana, que era fazer um percurso de obstáculos no menor tempo possível, mas era impossível fazê-lo sem trabalhar em equipe. Cada um fazia uma parte do percurso e liberava a passagem de alguma parte do percurso de outro integrante do grupo. Eu, por exemplo, liberei a passagem para Leo ao puxar uma corda que estava ligada a uma barreira. Ao final do quarto dia tive uma aula de musicalização. Eu não sabia quase nada sobre música, então para mim foi bastante interressante.

A Disforme - Filhos do Sol e das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora