Eu ria tanto que fiquei sem ar. Não estava acreditando em tudo aquilo. Culpa do nervosismo, era demais para minha cabeça.
— Ele me chamou de Milady!? – falei.
— Sim, Milady Madeline Clark foi a primeira inscrita a chegar a Ilka. – debochou meu tio.
Continuei acenando para todas aquelas pessoas, mantendo um rosto risonho e descrente. As crianças gritavam e pediam para os pais que as colocassem nos ombros. Nunca em minha curta e disforme vida poderia imaginar que algo como aquilo aconteceria. A verdade é que ali eu tinha inúmeros motivos para rir e inúmeros para chorar, mas a única coisa que conseguia era rir. Eu ria dos apolíneos, ria de mim mesma, ria da situação, ria do rei, ria de Ira. Transformei tudo em riso e pareceu dar certo.
— Que linda! Que bela! – diziam alguns turistas que vieram acompanhar a competição de perto.
Olhando para todo aquele mar de rostos, encontrei um conhecido. Theo. Ele sorriu. Bom que falei Madeline quando ele me perguntou meu nome, pensei. Caso tivesse dito Edeline, teria sérios problemas agora.
Continuamos rumo ao Palácio, que parecia crescer mais e mais. As construções também cresciam, quanto mais perto do palácio, mais vistosas e grandiosas. Mais ouro, mais suor, mais trabalho disforme. Já apareciam algumas pedras preciosas além do mármore branco e dourado e todo o ouro. Numa aula com professora Dorothy, ela mostrou todos os tipos de pedras que tínhamos no país e nas aulas de etiqueta, professora Felícia mostrou como costumávamos usá-las. Não cheguei a decorar toda a lista, mas identifiquei algumas nas sacadas e varandas adornadas. Âmbar, Axinite, Citrino, Granada e Jaspe. Eram pedras com tons de cor variando do amarelo ao vermelho terroso. Não encontrei nenhuma outra cor ali senão pedras que lembrassem a grande bola de fogo que tanto inspirava a arquitetura e construção da cidade.
As ruas e esquinas se enchiam conforme a notícia de minha chegada se espalhava. Rostos e mais rostos. Muitos disformes, mas esses nem se comparavam aos da vila, ou mesmo aos usuais. Estavam bem vestidos e limpos. Apolíneos estavam lá de viagem, não trabalhariam ali, por isso foi acrescentado um pouco de gotas de chocolate e açúcar aquela fornada de trabalhadores.
Estava cada vez mais perto do palácio, meu tio voltaria para Dalisea e teria muitos problemas para resolver. Eu ficaria num lugar estranho, rodeada por estranhos. Meu sorriso vacilou. Desejei que ninguém tivesse notado.
Cumprimentei o povo que ali estava para me prestigiar até meu tio pedir para que eu colocasse as mãos dentro da carruagem.
— Desculpe. Mas que problema há nisso? – perguntei.
— Nenhum. Mas talvez seja melhor assim. Já estamos perto e o povo já te viu. Acho que gostaram de você.
— Sim, mas no momento a opinião deles é a que menos importa. Se o rei ou a rainha não gostarem estarei fora.
— E é por isso que ouvirá os conselhos de Teresca. – disse ele, mais como uma pergunta do que como uma afirmação.
Assenti e pedi que ele colocasse a gravação novamente, só para me certificar que as informações estariam frescas em minha memória pelo menos naquele dia.
Logo a frente do palácio, havia um grande espaço aberto. Algumas moças o enfeitavam com arranjos de flores e plantas ornamentais. Era como uma enorme rotatória que recebia todos no palácio e os devolvia logo em seguida para a avenida. Observei com os olhos atentos a imensidão do palácio que se erguia logo ali. Uma sensação estranha percorreu minhas entranhas. Não demoraria muito até que eu estivesse ali dentro, perdida pelos corredores, prestes a trombar com o rei.
— Estou com medo. – sussurrei para meu tio.
Rapidamente ele me ofereceu sua mão calejada para que eu a segurasse. No momento em que o toquei percebi que estava sua palma estava suada. Eu não era a única com medo ali.
Dimitri iniciou a curva na rotatória e eu soltei sua mão para que tivesse melhor controle da carruagem. Nisso ouvi as últimas palavras da gravação de Teresca e houve um silêncio.
Pouco antes da metade da rotatória havia uma saída que levava até os portões do palácio. Meu tio seguiu por ela e pouco tempo depois a carruagem estava estacionada bem em frente aos grandes portões dourados. Os dois respiramos fundo e nos entreolhamos.
— Você ficará bem. – garantiu ele. – Se algo der errado, eu mesmo venho te buscar.
— Então farei com que isso aconteça. – respondi.
— Ora! Não seja assim. Não desista antes de tentar. Só você teve essa chance, não pode deixar escapar assim tão fácil. Prometa que vai dar o seu melhor. – pediu ele, segurando minhas mãos.
Concentrei o olhar em meu vestido. Não fazia questão de olhar para ele. Era até melhor não olhar. Pensei em desistir. Seria muita pressão. Minha mente tentava arranjar um jeito de me fazer sumir dali.
Senti a mão de meu tio em meu queixo.
— Olhe para mim. – disse ele, erguendo meu rosto. – Prometa.
Encarei seus olhos castanhos por longos segundos.
— Eu prometo.
Não demorou muito até que os portões se abrissem e alguns criados viessem me recepcionar. Dimitri desceu da carruagem e lhes entregou minha bagagem. Observei tudo de dentro da carruagem, chegando à conclusão de que deveria esperar até que alguém abrisse a porta para mim. Um senhor e duas moças passaram apressado pelos portões. O muro eram enorme e os três pareciam miniaturas perto dele.
O homem era grisalho e muito bem ajeitado. Se parecia muito com Sr. Jacques, o mordomo que conheci na floresta. As moças aparentavam ser muito jovens. A menor parecia ter quinze primaveras.
— Milady Madeline! – cumprimentou ele, fazendo uma reverência. As moças o acompanharam no gesto. – Ficamos felizes em recebê-la. Por favor, nos acompanhe.
Antes que aquele senhor e as duas moças pudessem começar a me fuzilar com um monte de informações sobre minha rotina no palácio ou até mesmo instruções para a seleção surpresa do rei, pedi que me deixassem me despedir de meu chofer.
— Como quiser, senhorita Clark. – disse o homem, franzindo levemente o cenho, com meu pedido inesperado.
Com a ajuda do senhor, desci da carruagem. Depois disso fui até meu tio e tomei suas mãos. Agradeci em bom e alto som por ele ter me trazido até o palácio e ter feito um ótimo trabalho. Desejei uma boa viagem de volta. Por fim, dei um abraço rápido e me despedi de meu tio.
Deixei-o para trás, acompanhando os criados que vieram me receber. Atravessei os portões e arrisquei uma última olhada para trás, vendo meu tio ali parado, sorrindo. Guardaria essa imagem comigo.
Quando voltei meu rosto para frente perdi o ar ao notar as reais proporções do palácio. As paredes eram brancas e brilhavam por conta das pedras usadas em sua construção. As janelas eram altas e com alguns mosaicos. Atravessamos o belo jardim que decorava a entrada e a imensa porta dupla se abriu lentamente. O senhor tomou a frente e nos guiou para dentro.
Pisei no degrau que levava ao piso do hall. As criadas que circulavam apressadas a fim de terminar a arrumação do lugar pararam imediatamente, voltaram sua atenção para mim e se curvaram. Aquilo era tão errado. Continuei caminhando, levando comigo uma pontada de culpa. Tentei não olhar.
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A Disforme - Filhos do Sol e das Estrelas
Novela Juvenil(LIVRO II) Logo após uma série de eventos mais do que inesperados e em meio a um turbilhão de dúvidas e sentimentos, Edeline se vê circulando entre os átrios da sociedade apolínea. A cidade de Ilka recebe calorosamente o tão aguardado evento que d...