O guarda de fato não notou a discreta mudança que Ona havia feito, mas eu sim. Com mais essa dúvida em minha mente abarrotada de incertezas, minha noite seria bastante longa. Desejei não ter ouvido. Porque se meus ouvidos não tivessem sido tão minuciosos, com certeza teria mais paz essa noite.
Mi Eady. O que ele quis dizer com isso? Como ele sabia disso? As únicas pessoas que me chamavam assim eram Brooke e Teresca. De repente uma ideia me surgiu e não gostei nada dela. E se ele soubesse algo sobre o que aconteceu com os Klein? E se ele trabalhasse com os homens que mataram Maia? E se ele fosse um sequestrador? Eram muitas possibilidades, mas não necessariamente eram as respostas para minhas dúvidas. Precisava encontrar Ona novamente. Ele poderia me dar algumas respostas.
Estava perdida em um turbilhão de pensamentos, mas permanecia atenta ao guarda. Notei quando ele pegou um rádio para se comunicar com o motorista e pedir que nos encontrasse em algum lugar perto de onde sairíamos dos corredores escondidos destinados a locomoção de empregados. O elevador deu um tranco e parou no andar do estacionamento, como indicava um painel que emitia luzes sonolentas.
Saímos num corredor que dava para uma parte deserta dos estacionamento. Algumas poucas vagas e faixas dizendo que era exclusivo para funcionários. O engraçado era que não havia carros ali, provavelmente porque as pessoas que trabalhavam ali não tinham carros. Não foi difícil encontrar o motorista, ele estava parado perto de uma coluna de sustentação. Ele pareceu surpreso ao ver somente eu e o guarda.
- Se me permite, Milady, mas a senhorita faz compras muito rápido! Estou surpreso. – falou o motorista.
- Não fiz as compras. Tivemos um... – pensei em alguma palavra para descrever o que havia acontecido. – Imprevisto. Preciso que me leve ao palácio e depois volte para buscar minhas criadas e o outro guarda que as está acompanhando. Consegue fazer isso?
- Claro, Milady. – falou, sem fazer qualquer tipo de questionamento.
Felizmente ninguém que passou por nós no estacionamento me reconheceu. Entramos rapidamente no carro e saímos de lá. As ruas continuavam movimentadas e as avenidas lotadas. Muitos participantes estavam chegando na parte da tarde e isso mantinha as multidões nas ruas. Porém, diferentemente da manhã, câmeras e helicópteros sobrevoavam a cidade toda, percorrendo o caminho desde a entrada até o palácio. Os jornais acompanhavam cada passo e cada segundo do grande evento. A audiência deveria estar ótima.
Chegamos ao grande cruzamento das avenidas, mas não seguimos o caminho que todos os participantes estavam fazendo. O guarda, assim como o motorista, achou melhor entrarmos no palácio pela entrada leste. Dessa vez, o motorista usou algum tipo de comando de voz para acessar o tele-comunicador do veículo. Um homem atendeu a uma chamada e eles tiveram uma conversa de poucas palavras. O motorista deu a ordem para que ficassem atentos a nossa chegada no portão e finalizou dizendo: 112.
Dobramos a esquina em direção ao braço leste da avenida que dividia a cidade em parte norte e parte sul. Ali a movimentação de pessoas era outra. Apolíneos completamente despreocupados com o que ocorria há alguns metros dali olhando as vitrines e com seus serviçais carregando suas compras. Eram turistas e familiares dos inscritos. As lojas e os prédios estavam reluzentes e alguns deles pareciam escorrer ouro. As calçadas tinham lajotas de brilhantes, que mesmo debaixo de chuva poderiam brilhar.
Pelo resto da avenida me senti mais normal. Ninguém estava dando a mínima para nada além do próprio umbigo. Velhos apolíneos tomavam vinho e fumavam sossegados em mesas de adegas e tabacarias. Senhoras riam das mais banais futilidades aqui e ali. Outros liam os jornais, mas pareciam desinteressados. Meninas olhavam das varandas dos grandes arranha céus e acenavam como se fossem princesas. Essa era a vida despreocupada que apolíneos levavam e eu não conhecia. A noite estariam em festas bebendo e se entupindo de comida até altas horas, acordariam de ressaca, tomariam alguns chás e voltariam para a rotina medíocre.
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A Disforme - Filhos do Sol e das Estrelas
Teen Fiction(LIVRO II) Logo após uma série de eventos mais do que inesperados e em meio a um turbilhão de dúvidas e sentimentos, Edeline se vê circulando entre os átrios da sociedade apolínea. A cidade de Ilka recebe calorosamente o tão aguardado evento que d...