Capítulo 27 - Por um pedaço de bolo

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Níquel e eu observamos a rainha durante o resto da estadia dos Hughes no palácio. Era bastante perceptível a mudança de sua postura e atitude quando estava perto da família do rei e quando estava longe deles. Em companhia dos Hughes, Cassandra era amigável e até gentil, um doce de pessoa. Os meninos Roanan e Kiar amavam sua tia Cassandra. Não podia culpar nenhum deles por amá-la, ela era tão acolhedora quanto um cobertor numa noite fria quando brincava com eles. Observar essa mudança de comportamento era assustador para mim. Notei vários pequenos deslizes que passavam despercebidos aos olhos desatentos e despreocupados de Tove e das crianças, mas que Syro foi sagaz o bastante para também notar.

Numa noite, depois de ser servida a sobremesa que havia sido preparada usando as frutas que haviam sido colhidas mais cedo, Cassandra fez um breve comentário em meio a conversa da família Hughes.

— As vezes acho que o rei ama mais essas frutinhas do que a mim. — ela falou, em um tom de brincadeira, que disfarçava seu desgosto depois de torcer o nariz ao provar o bolo de lorries.

O rei ficou em silêncio e não negou a fala de Cassandra, o que dizia muito. Syro alternou seu olhar entre Cassandra e Edwig, mas continuou comendo, ignorando o comentário da rainha. Tove, por sua vez, negou veementemente que o rei amava mais as frutinhas do que a rainha. Edwig ergueu os cantos da boca, num sorriso forçado. Seu irmão, com um olhar sério, apenas observou as reações do rei e da rainha. Como diria minha mãe, Syro estava com uma pulga atrás da orelha.

Enquanto ponderava sobre o comportamento da rainha na presença dos Hughes, experimentei o bolo de lorries. Deixei escapar um pouco da minha satisfação quanto ao sabor daquele bolo, soltando um "Hum..." prolongado. O rei, ao notar, sorriu para mim. A rainha me fuzilou com os olhos. Baixei os olhos e me concentrei na comida. Só o que me faltava era ser eliminada por gostar de um bolo...

A família Hughes foi embora no fim da tarde antes da quarta noite de eliminação. Dessa vez, Nick, Calina e eu não pudemos observar do jardim, porque chovia. Fiquei observando o veículo dos Hughes se afastar na avenida principal de Ilka e desaparecer ao longe em meio ao trânsito. No jantar antes da eliminação era notável que a rainha havia voltado a seu estado de espírito costumeiro depois que os Hughes deixaram o palácio de Ilka. O sorriso que ela havia mantido por três dias havia desaparecido e dado lugar a típica cara antipática de Cassandra. As falas doces e amigáveis deram lugar às reclamações e discursos ácidos. Aquela era a rainha da Nova Eurásia.

Enquanto me arrumava para mais uma noite de eliminação e tentava decidir qual vestido usar, vi o meu vestido vinho pendurado na arara junto com os outros. Já não conseguia mais gostar daquela peça, apesar de já ter sido minha favorita. Olhar para ela era um gatilho para lembrar aquela noite terrível. Não conseguia mais olhar para meu vestido favorito. Odiava Vince por ter estragado isso também.

— Verena, por favor, guarde o vestido que usei no último baile em minha mala. Não pretendo usá-lo novamente. — pedi.

— Oh, por que, senhorita? Gosta tanto dele... — ela questionou.

— Apenas faça o que pedi, por favor. — respondi, tentando ser firme.

Verena tirou o vestido da arara, o dobrou e guardou em minha mala. Ela voltou e então escolhemos um vestido para eu usar naquela noite. Era de um tecido azul cheio de pequenos pontos de luz que brilhavam encantadoramente sob a luz. Emese deixou meu cabelo meio preso, com alguns adornos de brilhantes.

O estúdio estava cheio de luz, como sempre. Ao entrar lá recebi vários elogios, principalmente pelo belo vestido. Retribui e agradeci os elogios que recebi, sentindo-me realmente agradecida e não terrivelmente constrangida como costumava ser quando era elogiada no início. Segui meu caminho até a arquibancada e sentei-me junto de Marrala, que já aguardava o início da transmissão. Assisti a imagem da câmera que nos filmava pelo telão. Ainda faltavam alguns poucos participantes, mas me dei conta de que doze dos lugares da arquibancada não seriam mais preenchidos e que mais quatro se despediam de seus competidores ainda hoje. Caminhávamos já para a metade do concurso. Ao final da próxima noite de eliminação seríamos apenas 10 casais.

A Disforme - Filhos do Sol e das EstrelasOnde histórias criam vida. Descubra agora