Ayumi

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Otsuya (1)

Eu estava vivendo meu pior pesadelo de novo. Há quatro anos eu havia perdido meus pais, em questão de meses, devido a doenças e agora... bem agora eu estava no velório de minha irmã mais velha e seu marido, mortos num acidente de carro. Em meu colo, minha única parente próxima ainda com vida: minha pequena sobrinha Ayumi, de três anos.

Se eu achava que a vida poderia ficar pior, sim, claro que sim. Mas perder sua família inteira e se tornar "pai" aos 24 anos não era exatamente o que eu tinha em mente. Até porque, eu sou gay. Não que isso seja empecilho para ter uma família... é só que... eu nunca me vi com filhos.

- "Otousan(2), okaasan (3)..." Choraminga Ayumi em meu colo.

- "Está tudo bem, Ayumi. Estou aqui."

Mas eu não estava. Minha cabeça girava vertiginosamente. Eu tinha um emprego como engenheiro elétrico em uma das empresas de eletroeletrônica mais bem conceituadas do país, a Zhao Technology, só que como eu era recém formado, o salário não é lá essas coisas. Por sorte, moro em uma pequena casa, que era de meus pais e não preciso pagar aluguel. Como eu iria sustentar a mim e a Ayumi? Ela era tão pequena e precisava de tanta coisa.

Tomoyo, minha prima, se aproxima de nós.

- "Tatsuo, eu só queria dizer que como a gente mora perto, eu posso cuidar da Ayumi quando você precisar. De verdade. Eu sei que você trabalha muito e vai precisar de ajuda."

Tomoyo tinha a mesma idade da minha irmã, Saori. Elas sempre foram muito próximas, então imagino o quanto ela também não deva estar sofrendo.

- "Obrigado Tomoyo. Vou precisar mesmo. Eu não sei o que seria de mim sem você."

Bem, está na hora de ir para casa. Amanhã é dia de ososhiki (4). Ayumi está dormindo, e eu a carrego com cuidado.

Ao chegarmos em casa, eu coloco Ayumi na cama e vou preparar a comida. Por sorte, aprendi a cozinhar com minha mãe, e minha comida é bastante saborosa. Penso que vou precisar providenciar muitas coisas. Minha casa vai precisar ser reorganizada. Tenho muita coisa espalhada que não pode ficar à vista de uma menininha tão pequena.

A comida está pronta e Ayumi ainda está dormindo. Aproveito para começar a recolher objetos potencialmente perigosos da sala e da cozinha.

A casa não é muito grande, mas tem três quartos. O quarto que era de meus pais ainda está intacto e fechado. O quarto que era de minha irmã, será de Ayumi. Ainda há muitas lembranças dela ali e meu coração dói. Claro que tínhamos picuinhas de irmãos, mas éramos os melhores amigos. Perdê-la é muito doloroso. Me deixo cair ali na cama dela, e as lágrimas vêm, abundantes. Não consigo controlar meus soluços. Dor e desespero tomam conta de mim. Como isso foi acontecer? E agora, Ayumi só tem a mim. Como que pressentindo, ela acorda e chama.

- "Ojisan (5) Tati..."

E eu corro para ela na mesma hora. Ela está chorando. Eu a pego no colo e dou beijinhos em seus cabelos. Desde que começou a falar, Ayumi não consegue dizer meu nome: Tatsuo, então ela me chama de Tati. Eu a levo para comer e ela fica mais contente. Fiz para ela seu prato favorito: oyakodon, que consiste em frango e ovo. E vê-la comer com gosto, alivia um pouco minha dor.

Ososhiki

O dia seguinte é igual ao anterior, cheio de dor e sofrimento. Ao recolhermos as cinzas de Saori e Hiroshi, não deixo de pensar no que o futuro me reserva e o que será da minha pequena Ayumi.

Eu tinha ainda mais alguns dias para poder deixar as coisas em ordem, antes de ter que voltar ao trabalho. Eu estava desmontando o apartamento onde minha irmã e sua família moravam e traria as coisas de Ayumi para casa, para que ela tivesse pelo menos suas coisas consigo e tornar o ambiente mais familiar para ela.

Persuasão (Livro 2 da Série Akai ito)Onde histórias criam vida. Descubra agora