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Eu adoraria saber que ideia estupida foi essa e porque eu aceitei, mas lá vamos nós, compramos um bolo e biscoitos, Luke pegou chocolate pro chocolate quente, porque eu me recuso a passar frio sem uma bebida quente, também pegou outro pote de sorvete pra mim, por mais que eu saiba que ele vai acabar com o pote sozinho, como sempre faz, porque na realidade eu só compro porque sei que ele gosta.

Quando voltamos pra casa eu pedi pra Luke preparar o chocolate quente enquanto eu preparava as coisas, posicionei a escada e abri a portinhola passando uma coisa depois da outra, três cobertores, dois travesseiro, as sacolas com o que compramos no mercado e...

- O que é isso? - Luke perguntou me vendo enroscado nos fios.

- Pisca pisca de natal.

- Michael ainda estamos em maio.

- Uma das luzes de lá de cima tá queimada, não quero ficar no escuro. - Eu disse subindo as escadas e agora passando indo até o terraço.

Iluminei o caminho até a casinha um tanto abandonada com a luz do celular, liguei o pisca pisca na tomada e tentei pendurar da melhor forma o possível a enroscando na porta, não gosto do escuro. Está ventando e eu estou congelando, cobri o chão com um dos cobertores e me enrolei em um. Eu estava no meio do caminho pra buscar o restante das coisas e então vi Luke se aproximar carregando as sacolas que deixei pra trás e uma garrafa térmica.

- Você é maluco, está congelando aqui fora. - Disse o ajudando a arrumar as coisas em cima do cobertor.

- Coloca isso. - Luke tirou a touca que estava em sua cabeça, colocando na minha.

Eu sentei no chão encostado em um dos travesseiros, Luke sentou logo ao meu lado, dividi meu cobertor com ele pra poder usar o outro para cobrir nossas pernas, o trouxe pra mais perto, calor humano não é?

- Como tem sido suas aulas? - Luke perguntou encostando a cabeça no meu ombro.

- Eu estou com alguns alunos novos, na realidade eu estava pensando em começar a dar aula particular, meu horário seria mais flexível, mas ao mesmo tempo não gosto de pessoas entrando no meu apartamento e também não me sinto à vontade de ir até a casa de alguém que tecnicamente não conheço. - Pra mim é no mínimo constrangedor estar na casa de um "desconhecido" sozinho com ele.

- Não gosta do seu horário? - Luke perguntou bebericando da garrafa e cortando o bolo pra nós dois.

- O meu problema não é horário, é ter que montar várias aulas pra várias turmas diferentes durante toda a semana, eu me sinto exausto. Eu acho que aulas particulares são mais... livres, você entende as limitações do aluno individualmente e trabalha ela da forma que ele se adapte melhor.

- Não entendo muito sobre, mas se isso está te levando até o seu limite realmente precisa analisar se está no lugar certo.

- Você também Luke, eu sei que já falei um milhão de vezes, mas nem se alimentando direito você está.

- Maus hábitos.

- Luke...

- É nocivo Mike, nenhuma companhia, nenhuma escola, nenhum lugar nunca me mandou diretamente ao meu limite, mas nesse meio nós mesmos sempre exigimos muito, quer dizer, esse foi um dos motivo de eu não querer... sair daqui, porque se aqui a cobrança já é grande imagina em grandes apresentações, em grandes teatros, com grandes artistas, nunca foi meu sonho, eu só quero fazer arte, mas... é difícil. As vezes acho que tomei a decisão errada e que estou estagnado.

- Qual o seu sonho? - Perguntei levando minhas mãos até seu cabelo.

- Minha escola, eu quero ensinar pessoas, porque a arte dói, o ballet dói, eu já dancei até não sentir meus pés, até machucar eles, já me lesionei diversas vezes, tenho dores musculares sempre, agora está melhor porque me afastei um pouco das apresentações, mas é uma rotina rigorosa, mas não deve ser só dor, e se doer deve sempre existir escolhas, de continuar ou não, porque quando eu era mais novo, quando comecei a me apresentar, eu me culpava por me machucar, eu me obrigava a dançar mesmo mal me aguentando em pé, não é um bom lugar pra se viver, ainda mais quando se é jovem, e eu quero que novos bailarinos, ao menos na minha escola, encontrem um lar e não uma prisão.

- E é isso que vejo você fazer, se esse é o seu sonho, você tomou a decisão certa.

- E se um dia eu não conseguir manter minha escola, o que mais eu poderia fazer da minha vida? Eu ainda sou novo, mas daqui alguns anos já não vou ser mais, abandonei uma grande oportunidade com 17 anos por um sonho. Se esse sonho der errado o que eu posso fazer?

- Eu não sei, mas damos um jeito. - Luke me olhou sorrindo.

- Tipo nós dois? - Só dei de ombros voltando minha atenção pro bolo, estou morrendo de fome e não consigo raciocinar de barriga vazia. - E qual o seu sonho?

- Não tenho um. - Realmente não tenho, talvez já tenha tido em algum  momento da minha vida, na infância talvez mas não agora.

- Nadinha?

- Não, não sou do tipo que planeja muita coisa, esse tipo de coisa me deixaria ansioso, acho que me dou melhor seguindo um dia de cada vez.

- O que deveríamos fazer? Sabe, daqui pra frente.

- Eu não sei, só... ir vivendo, você vindo aqui, eu comprando sorvete pra você, e nos...

- Calma, você compra sorvete pra mim? - Luke me interrompeu me encarando surpreso.

- Vai me dizer que o cara mais atento do mundo não notou que eu nunca como sorvete e você sempre termina com eles sozinho? - Perguntei rindo.

- Pensei que eu só era inconveniente e acabava com a sua comida. - Luke segurou minha mão e eu deixei que ele entrelaçasse nossos dedos. - Quando vai me mostrar aquela música?

- Antes da gente ir dormir, eu prometo.

Luke passou a fazer o que faz de melhor, tagarelar sem parar, sobre as mais diversas coisas, sobre o lugar onde mora e a companhia da qual faz parte, as escolas que já estudou, as apresentações que já fez, nunca sobre sua vida antes do ballet, imagino que tenha um motivo, e quando ele quiser me dizer esse motivo eu sei que ele vai, então isso não me preocupa. Eu gosto de ouvir ele falar sem parar, eu nunca gostei do silêncio ou da escuridão, mas com ele tudo é confortável, é natural, e por mais que algumas situações - como ele segurando minha mão e tão próximo do meu corpo - eu não esteja habituado e no começo pareça desconfortável pra mim, pra ele é tão natural que me faz entender que não é nada demais e então isso passa a ser um lugar seguro.

Em certo ponto da madrugada eu já estava congelando e praticamente implorei pra que voltássemos pro apartamento, Luke me ajudou a recolher as coisas e voltar pra dentro, eu o obriguei a fazer mais chocolate quente pra mim porque eu estou tremendo de frio e isso foi por ele. Eu sentei encostado na bancada ainda enrolado em um cobertor esperando que ele terminasse a bebida.

- Vem aqui. - Eu disse abrindo o cobertor pra que ele dividisse comigo, Luke parou entre minhas pernas e deixou a caneca com a bebida em cima da bancada. - Se eu ficar doente a culpa é sua. - Acusei segurando o cobertor com uma mão e a caneca com a outra.

- Se ficar doente eu te faço um chá, vou até a farmácia, o que precisar.

- Acho que é sua obrigação porque a culpa vai ter sido sua. - Luke segurou meu rosto com as duas mãos me fazendo olhar pra ele.

- Eu posso? - Passei o braço pela sua cintura, ele me beijou devagar, delicado e com calma.

Isso é bom, e repentino, as coisas aconteceram de forma tão natural que não sei dizer em que momento eu passei a gostar dele dessa forma, e agora ele está aqui, dividindo um cobertor comigo e me beijando, e não é estranho, e também não é desconfortável, é doce e eu sinto que quero mais, eu posso conviver com isso, definitivamente, porque quando Luke não está em seu personagem debochado ele é doce, e se destaca em qualquer lugar, ele é incrível e talentoso e apaixonado, não tem como não se apaixonar também, não tem como não ficar encantado.

Luke continuou encostado contra meu corpo enquanto eu terminava meu chocolate quente, depois de algum tempo ele deitou comigo na minha cama, eu cantarolei baixinho a música pra ele, ainda não tenho um nome pra ela, mas no fim das contas Halsey estava certa, essa música é dele, ao menos parte dela, como várias outras que fiz, eu só não queria admitir porque de certa forma isso me torna mais vulnerável e isso è assustador, me tira da minha zona de conforto.

Ele dormiu encostado em mim enquanto eu mexia no seu cabelo, eu demorei um pouco mais, só tentando processar o que tinha acontecido, mas não que isso seja ruim, só é diferente.

Beautiful Stranger ** MUKEOnde histórias criam vida. Descubra agora