Capt 23 - O irmão

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Eu não conseguia dormir direito, o clima estava até agradável, mas minha cabeça não conseguia desligar de maneira alguma, desde que cheguei aqui a 5 dias atrás tem sido assim, durmo umas duas horas acordo, não consigo dormir novamente por umas duas horas e aí durmo de novo e acordo novamente, sono pingado, cochilos pingados que no total faziam com que eu dormisse no máximo 5 horas por noite.

Fazia 5 dias que estava no novo acampamento de refugiados sob uma nova identidade e até agora todos pareciam acreditar no disfarce e não desconfiaram de absolutamente nada. Ryan e Javi se adaptaram as suas funções e a atuação deles era digna de Oscar, eles eram treinados para isso e executavam com perfeição seu papel de Mexicano e Russo voluntários da ONU.

Dos muitos lugares que visitei com meu voluntariado a situação aqui na Somália era crítica, a situação do acampamento atual que estava era de fazer pena, o lugar ficava num povoado no meio do nada, os recursos eram escassos e as condições de trabalho extremas, pobreza por todos os lados e isso tb tirava um pouco do meu sono a noite, mas a principal razão pela qual eu não conseguia dormir era o Josh. A imagem dele no dia que nos despedimos na base, me assombrava desde que chegamos aqui. As 48 que pedi afastadas de todos só eu e ele, não foram suficientes para acalmar a mente e o coração dele. Eu não podia culpa-lo, eu tinha noção do quão absurdo e louco era tudo que eu estava fazendo, e tudo isso por uma estranha e suas filhas, mas eu queria acreditar do fundo do meu coração que se fosse eu fugindo de uma vida de maus tratos e opressão que quando eu finalmente tivesse coragem, de me libertar alguém me estenderia a mão, e eu não tinha coragem de não estender a mão a ela e suas filhas, eu precisava fazer algo para ajuda-las.

Muitas coisas me preocupavam, minha segurança obviamente, mas principalmente o Josh o relacionamento dele com a equipe estava completamente desgastado e eu sabia que era a responsável, ele e Matt não estavam se falando praticamente e isso definitivamente era heavy afinal eles eram cunhados, e até toda essa situação acontecer tinham um laço fortíssimo como irmãos e eu não queria ser responsável por dividir a família ao meio.

Josh estava tão decepcionado pelo fato de terem me deixado fazer essa loucura que estava cogitando largar a profissão que ele amava, largar o esquadrão, e isso fazia eu me sentir um lixo e esse era parte dos motivos das minhas insônias desde que cheguei aqui, dois dias em um resort de luxo no meio do deserto só eu e ele, foi ótimo, foi incrível, mas não alcançou o que eu queria, que era trazer um pouco de paz de espirito para ele esquecer toda essa loucura.

Sem conseguir pegar novamente no sono resolvi que era hora de me levantar, fui até o banheiro comunitário dos médicos e escovei os dentes e joguei uma agua no rosto em seguida fui até a cozinha improvisada do pessoal da saúde, algumas pessoas já estavam de pé, peguei um café preto e um pão e sai em direção a área do hospital improvisado, onde trabalhava diariamente.

Javi e Ryan já estavam no local, disse um breve Oie e passei para área onde tínhamos as crianças desnutridas, para checar como as chegadas de ontem estavam. Duas crianças chegaram só osso e pele e com queimaduras terríveis na pele, ambos eram albinos e a mãe e o pai de um deles fugiram da aldeia onde viviam por medo que matassem seu filho, já o outro foi largado aqui na porta do acampamento e nem sabemos quem são seus pais. O tráfico de órgão e partes de corpos de albinos é um negócio real na África. Como grande maioria da população não tem acesso à educação isso gera desinformação e abre espaço, para crendices absurdas e a caça aos albinos na África, sim caça a uma pessoa, gente, um ser humano é isso mesmo, a caça é real e crendices ridículas só agravam a situação, feiticeiros usam ossos de albinos em rituais, cabelos e unhas em medicamentos, as pessoas acreditam, que partes dos albinos, braços, pernas, órgãos e ossos, trazem sorte, riqueza e saúde e pagam muito por isso, gerando um mercado negro de caçadores que matam albinos, para venderem suas partes. É surreal e desumano. Pessoas sem educação acreditam em tudo, já que não entendem o porquê cientifico da existência de albinos e aceitam essas práticas surreais.

AMOR SEM FRONTEIRAS (REVISANDO...)Onde histórias criam vida. Descubra agora