Entre quatro paredes não enxergamos o inimigo

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Tamber não ficava longe de Maarheeve, a cidade onde Vonü estava morando, mas fazer esse cruzamento através de cavalos era antiquado demais, até mesmo para ela. Sua única justificativa era que não queria atrair atenção, e que por isso se passaria por pessoa comum. Quanta estupidez. Vonü atraía atenção mesmo na forma humana, mas não arrisquei pontuar o fato. Foi um dia inteiro de viagem, tendo que seguir a sombra de Vonü pela estrada no mato aparado no verão, que dividia o cavalo com a amante. Não falei nada durante toda a viagem, e me mantive longe do alcance de suas conversas, porque não suportava a presença de Hiver, cada vez mais presente.

Ainda tentava me acostumar que iria ao encontro de vários amaldiçoados, e que ninguém me escutasse chamá-los dessa forma, já que se intitulavam descendentes de Graah, a deusa que cultuavam. Eu ainda não entendia sua religião, mas também não me importava. Eu me perguntava quais eram as verdadeiras intenções de Vonü em me levar junto, uma vez que eu não teria qualquer utilidade nesse encontro além de acompanhar suas decisões. Mas eu não tinha como descobrir isso até que chegássemos.

Tamber era um pequeno vilarejo movimentado, com casas modestas e rebanhos contidos atrás de cercas. Era um local relativamente novo, as pinturas das paredes ainda não estavam desgastadas pelo tempo. O povo de Vonü estava hospedado nessas casas, aglomerados nessas construções ou acampando em estábulos, o que explicava a movimentação nas ruas. Vonü foi seguida conforme avançava pela rua principal até se formar uma multidão que me separou dela. Eles seguiram até um campo aberto no fim do vilarejo, onde elas desceram do cavalo e pareceram se anunciar, na distância que estava, era impossível escutar.

Prendi meu cavalo de frente a um restaurante, aproveitando a distração dos demônios para comer algo decente depois do dia de viagem, além de conseguir um quarto para dormir, porque estava exausta. Tive que esclarecer que acompanhava Vonü ou eles não me deixariam passar a noite sem antes me extorquir uma fortuna. Quem diria que alegar ser discípula de Vonü Del Thronttier me daria algum bônus. Eu tinha acabado de tomar banho quando ouvi batidas na porta, e mesmo a contragosto atendi, encontrando Vonü ali, para a minha surpresa, ao menos estava sozinha.

—Você sumiu. — Ela disse, erguendo a sobrancelha. — Mas vejo que achou um lugar.

—E você me achou. — Digo num sorriso de lado, então abro mais a porta para oferecer passagem. — Bastou dizer seu nome e eles me deram livre acesso, então nada mais justo que compartilhe a estadia com você.

—Coloque roupas, quero que assista a algo.

—O que? De noite? Viajamos o dia inteiro de cavalo.

—Não se preocupe. Vai servir para o seu treinamento.

—Então tenho que colocar roupas de treino?

—Não há necessidade. Você vai apenas assistir.

Fui obrigada a concordar, ela me deu privacidade para colocar as roupas, então me guiou pela rua principal até o campo aberto onde as dezenas de amaldiçoados estavam reunidos. As crianças estavam num canto, contidos pelos velhos, todos em sua forma natural, tantos num só lugar como nunca vi antes, até mesmo mais maduros que Vonü.

—Escolha um lugar para ficar, mas não fique muito perto. — Vonü me falou, parando a minha frente enquanto seus chifres e suas asas apareciam. — Aproveite o espetáculo e faça suas anotações.

—Você vai lutar? Contra sua própria espécie?

—Vocês humanos vivem lutando entre si. — Ela riu. — Não vou matar ninguém. É somente um teste.

—Se você os testar da mesma forma que me testa, então eles estão prestes a tomar uma surra.

—É o que veremos.

O Destino de VönuOnde histórias criam vida. Descubra agora