Acordei excepcionalmente mal-humorada naquela manhã, tanto que tomei o café no sofá, não suportando olhar para a face de ninguém. Sem contar no enjoo que eu estava sentindo.
ㅡ Bom dia!ㅡ com uma voz irritantemente animada, Chan me cumprimentava, e olhe que eu mal tinha pisado na areia.
Era como se houvesse uma nuvem carregada sobre minha cabeça naquele dia, ainda que o dia estivesse bonito e sem nenhuma nuvem no céu. Não sei se isso por culpa do remédio ou das palavras que eu ouvira na noite anterior.
ㅡ Agora tente surfar.ㅡ disse em tom obsoleto, notando que uma onda vinha ao fundo e que Bang provavelmente conseguiria surfá-la.
E só soube que ele caiu porque resmungou.
Eu olhava para aquela água toda, pensando como seria se eu chegasse a desistir. A morte tem o poder de desconstruir e desorganizar tudo aquilo que já parecia urdido como esmero, com a morte a gente aprende que aqueles que partiram levaram um pedaço de nós, e que às vezes uma parte de nós morre junto também.
E então agora me perguntava se a minha morte, se ela causaria algum desses efeitos. Tentei imaginar a reação de minha mãe ao ver meu corpo na água, mas só a consegui imaginar dizendo: "Essa vadia é tão fraca que se matou".
Mas e que sentido faria isso? Eu não estaria mais ali para ouvir a sua reação e chorar por ela.
Estava eu, com o peito escancarado, com o medo o tomando e consumindo-o assim como uma louva-a-deus fêmea devora o louva-a-deus macho. Ouvindo por detrás da porta os absurdos que minha mãe fofocava acerca de mim.
"Oxalá seu maior problema fosse bordar uma toalha, Fátima, a menina não sabe nem fazer um kimchi" que eu não sabia bordar uma toalha e nem fazer kimchi era verdade, que acrescentariam, contudo, saber essas coisas? Sabendo fazer kimchi ou não, homem nenhum se interessaria por minha pessoa.
"Eun Ji, fiquei sabendo que a nossa menina foi diagnosticada com ansiedade, é verdade isso?"
"A mais pura e lamentável verdade. Essa geração de hoje não sabe lidar com um crítica ou uma perda. São como açúcar se derretem com qualquer garoa."
Eu não consegui nem ouvir minha avó paterna me defender, encolhi-me no cantinho do quarto da bagunça, abraçando as pernas contra o peito e balançando sobre o próprio cóccix. Ali eu desabei, desabou o teto, as vigas e os tijolos. Eu tinha perdido a minha melhor casa, eu havia me perdido.
Estava tão desolada que ao tentar juntar e unir os pedaços quebrados, dormi com a cabeça encostada na sapateira da vovó Sun Ji.
ㅡ Bellatrix? Menina, você está pálida, apática.
De fato, as pontas dos dedos tremiam, as pernas já não conseguiam sustentar meu corpo acima da superfície, eu nem sabia dizer o que eu estava pensando.
Quando voltei a estar em mim, a estar na minha casa desmoronada, estava sentada na areia, com uma toalha sobre os ombros, ainda tremia muito. Alya me esticava o braço com um copo d'água gelada, enquanto Bang Chan segurava meu braço, com olhar preocupado.
Dei um gole na água e disse que não queria mais.
O Sol brilhava forte, mas eu tinha frio; as pessoas sorriam, enquanto eu me segurava para não derramar lágrimas; estava na areia, mas era como se estivesse me afogando.
ㅡ Pode deixar que converso com ela.ㅡ falou a Romonov e ela saiu ㅡ O que está acontecendo?
ㅡ A minha casa... ela desmoronou.ㅡ enterrei o rosto nas mãos, sentindo os cabelos molhados recaírem ali e arrepiar minha pele superficialmente.ㅡ Me ajuda a reconstrui-la...
Meus olhos não aguentaram, as pálpebras despencaram e eu deslanchei a chorar. O peito já não me trazia ar suficiente, o coração tamborilava a caixa torácica. Eu estava morrendo, tinha certeza de que estava morrendo.
O acastanhado estendeu a mão para mim, esta que agarrei sem hesitar, deixando meu corpo ser puxado para cima.
Ele me guiava pela praia com as mãos sobre meus ombros:
ㅡ Está vendo? O céu ainda é azul... O mar ainda não secou... A areia ainda faz cócegas no seu pé... O vento ainda te arrepia quando toca sua pele... Não está tudo perdido.
Tentei resignificar o que eu estava sentindo: a areia realmente incomodava meus pés, o mar ainda tinha muita água, o azul do céu brilhava, e minha pele estava muito arrepiada. Foi quando senti meu coração se acalmar, a respiração se normalizar e estômago gritar por comida.
Não sei ao certo quanto tempo fiquei fora de órbita, mas quando olhei no relógio no quiosque de minha amiga, já era uma da tarde. Perguntei se podia dormir em sua casa naquela noite, ela me deu a condição de voltar para casa no dia seguinte.
ㅡ Você tem certeza de que quer continuar a aula de surfe? E se você tiver uma crise daquelas de novo?
Dei uma garfada no macarrão ao molho branco que havia em meu prato.
ㅡ Não vai acontecer, e se acontecer, você mostrou que sabe o que fazer em tais circunstâncias.
O fato de o rapaz me ter ajudado durante uma das piores crises que já tive, significava muita coisa para mim. Não só que ele era inteligente por saber exatamente o que fazer, mas por se mostrar disposto a me ajudar quando eu precisasse e por parecer conviver com alguém que tem o mesmo transtorno que eu.
Só aquele fato me fez odiá-lo 32% a menos, mas os outros 68% ainda tinham um ressentimento pela maneira com que falou comigo no primeiro dia em que nos vimos.
Durante o almoço no "Blue Sea", perguntei-me várias vezes se deveria dizer que consegui meu remédio. Todavia o fato de eu fornecer informações não requeridas, só ia me tornar igual a ele, e isto era o que eu jamais queria de maneira nenhuma.
Então pela tarde continuamos nossa aula de surfe, embora ele estivesse um pouco inseguro e atento aos meus sinais que poderiam indicar uma crise com potencial para me deixar fora de órbita.
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O mar que habita em mim- Bang Chan
FanfictionPara Chan, pessoas eram como mares: umas mais rasas e tranquilas, outras mais profundas e intensas. Mas será que ele realmente teria coragem de encarar a profundidade de Bellatrix? Afinal, em profundas ou rasas águas, podemos nos afogar.