Aquele lugar tinha cheiro de hospital. Abri os olhos doloridos e a primeira coisa que vi foi uma lâmpada, também parecia de hospital. Quando olhei para o meu braço repousando sobre uma manta azul-bebê e vi um jelco, tive certeza de que estava num hospital.
Tentei me sentar, mas alguém impediu-me, colocando a mão em meu braço e fazendo com que eu recostasse a cabeça no travesseiro novamente. Era Chan, ele não tinha ido embora.
Não pude impedir que uma lágrima escorresse do olho direito, estava feliz por não ter mais uma promessa quebrada para a minha coleção embaixo da cama:
ㅡ Quem me trouxe para cá?
Sentando-se na cadeira ao lado da maca, apoiou as mãos nos joelhos e respirou fundo antes de responder.
ㅡ Eu cheguei de tarde para surfar, porque estava em Seul com meus irmãos, então tinha um menino de cabelos loiros e sardas, dizendo que você tinha sido levada para o hospital por aquele salva-vidas.
Balancei a cabeça. Felix. Me lembrei que Chan havia dito que seu meio-irmão tinha o sobrenome Lee e a mãe era australiana, ou eles eram irmãos ou isso era uma paranoia da cabeça de uma pessoa que há pouco se afogou.
ㅡ E que horas são?
Bang olhou o relógio de pulso:
ㅡ 23h.
ㅡ Então ainda estamos no mesmo dia, isso é bom. E minha mãe?
ㅡ Ela sabe que você foi internada, mas não quis vir, então uma mulher negra que eu suponho ser sua vó está aqui, ela foi buscar um café eu acho.
Minha mãe provavelmente brigaria muito comigo quando voltasse para casa, iria fazer um escarcéu e garantir que eu nunca mais surfasse um túnel. Ela era assim, ela sempre era assim. Não para prevenir machucados, mas como um castigo por ter falhado ou a ter desobedecido.
ㅡ Eu já posso ir embora?
ㅡ Céus!ㅡ uma das mulheres da maca ao lado puxou a cortina atrás de Chan ㅡ Pare de fazer perguntas, minha filha está tentando dormir.
Observei um pouco aquela mulher: tinha ar esnobe e se vestia como tal. Mas pela maneira com que falava e pelo fato de estar na emergência, não parecia ser rica, apenas queria fingir.
Tornou a fechar a cortina e eu a debochei sussurrando com uma careta, assim como fazia com as broncas de minha mãe. Tal ato arrancou risadas discretas de Chan, quando finalmente vovó Fátima apareceu com um copinho de café em mãos:
ㅡ Querida! Que bom que acordou. Vou chamar um médico para te dar alta.
ㅡ Vovó.
A mulher, que estava pronta para sair novamente, se virou para mim, pedindo para que prosseguisse:
ㅡ Posso demorar para entrar em casa? Diga para a mamãe que eu voltarei de madrugada e que ela não precisa me esperar.
ㅡ Quer evitar a bronca?
Assenti com a cabeça e ela disse que o faria por mim. O médico que tirou meu acesso e me examinou disse que pelos próximos dois dias eu deveria ter mais cuidado ao surfar. Agradeci pelo esforço dos médicos e enfermeiros, coisa que costumava ser feita na Coreia do Sul.
Não sabia que Chan tinha carro até entrar no dele, grande gentileza de sua parte nos levar até a escadaria que dava para a praia. Não precisei perguntar se ele podia ficar comigo até ter coragem para entrar em casa, ele já me ajudou a descer as escadas e pediu-me para sentar ao seu lado na areia, longe da visão que minha mãe pudesse ter.
ㅡ Como foi que você se afogou?
Abracei as pernas.
ㅡ Fui engolida por um túnel, não sei porque não consegui subir. Ainda bem que Jeon me salvou...
Omiti os detalhes, até porque em vários momentos eu cogitei parar de nadar. Quantas vezes eu tentei parar de nadar? Quantas vezes eu já me afoguei? E por que em todas eu sobrevivi?
Pensar nisso me fazia querer chorar. Porque significava que eu tinha um objetivo para ainda não ter sido engolida pelo mar, e quem sabe esse objetivo fosse unir Chan e seu meio-irmão. De repente o braço do garoto, coberto pelo moletom, apareceu em minha frente.
Olhei-o, questionando o motivo de seu braço estar ali:
ㅡ Pode chorar...
Me perguntei se estava tão óbvio assim que eu queria chorar. Eu era transparente ao ponto de, mesmo no escuro, ele perceber que meus olhos estavam mais molhados do que o mar à nossa frente?
Olhou para mim, abrindo um sorriso como se me encorajasse a chorar e deixar meu nariz escorrer bem na sua frente. A verdade é que eu nunca choraria na frente de um menino bonito.
Minhas defesas estavam tão seguras que a única coisa que consegui enxergar foi seu sorriso dizendo-me que uma história linda poderia acontecer. Christopher tinha adentrado meu mar profundo e eu senti vontade de amar, amá-lo e lutar para mostrar que eu não era só ansiedade e pensamentos ruins.
E então sem aviso prévio, passou a mão por detrás de minha cerviz e puxou minha cabeça para seu ombro, afagando meus cabelos. E eu chorei, na frente de um menino bonito, na frente de um menino muito bonito que me tinha visitado no hospital.
Tive que parar de chorar quando vovó veio chamar dizendo que mamãe tinha dormido. A peguei no flagra enfiando alguma coisa no bolso de Chan, mas nem fiz questão de saber o que era.
Havia voltado do hospital só de biquíni, então precisei mesmo limpar o nariz e os olhos na manga do moletom do garoto, algo que foi o cúmulo do constrangimento. Amanhã eu não iria chorar, amanhã ele iria aprender a surfar, e amanhã eu iria mostrar que eu não sou uma menina feita de lágrimas.
Quando vovó tinha entrado já em casa, e eu estava em pé, procurando palavras para me despedir, Bang segurou meu pé:
ㅡ Te deram banho no hospital. Mas você ainda tem cheiro de mar. Acho que é seu perfume favorito.
Esbocei um sorriso, ainda que escamoteado, e me abaixei para cheirar seu cabelo:
ㅡ Você toma banho todos os dias. Mas tem cheiro de estrela. Acho que é um presente que me caiu do céu.
Pude ouvi-lo sorrir e sem mais tempo e nem energia para ficar ali, entrei em casa. Coloquei meu pijama e escovei os dentes, deitando-me no quartinho da bagunça feliz por saber que eu tinha cheiro de mar.
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o que estão achando da minha escrita? Eles têm química?
vou colocar a playlist do livro aqui, depois organizo direitinho:
Hello my beach- Rolling Stars
Parent Song- Chelsea Cutler & Jeremy Zucker
Cecília- Ana Vitória
Lost Stars- Jungkook cover
Here I am again- Baek Ye Rim
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O mar que habita em mim- Bang Chan
FanfictionPara Chan, pessoas eram como mares: umas mais rasas e tranquilas, outras mais profundas e intensas. Mas será que ele realmente teria coragem de encarar a profundidade de Bellatrix? Afinal, em profundas ou rasas águas, podemos nos afogar.