A morte traz um assombro excepcional, um assombro que nos arranca as esperanças de que um dia as coisas voltarão ao normal. A morte dele aumentava ainda mais essa desesperança, parecia para mim um alumbramento, mas um alumbramento ruim, o pior dos piores.
Depois de três dias internada, pisar naquela praia me parecia a coisa mais estranha do mundo. A areia não fazia cócegas nos pés, mas incomodava; a leve brisa tinha deixado de ser leve e ameaçava levar meus cabelos embora; o mar já não parecia mais tão azul e reconfortante; o rosto das pessoas já não era uma coisa nova a se observar; o Sol já nem parecia brilhar tanto. Ou seja, tudo parecia como o resto do ano, e o pior era saber que ainda era verão.
Ver tudo tão diferente, mas tão igual me fez perder o resto das esperanças que tinha de tudo aquilo não ser verdade. O céu não parecia mais tão azul.
Meu ser se sentiu incomodado diante de toda aquela estranheza e eu fui forçada a entrar em casa pelo meu próprio cérebro, mamãe disse que ficaria no aeroporto para buscar alguém, então eu precisaria entrar em casa sozinha, coisa que não era difícil.
Empurrei o batente, achando estranho não encontrar a luminosidade característica de minha casa. Era fim de tarde e o Sol se punha, só que eu fiquei tão absorta vivendo a morte dele que não percebi, então era por isso que parecia não brilhar...
A cada passo que eu dava a escuridão me abraçava, como se fosse uma consequência por eu ter tido preguiça de ligar as luzes. Era uma escuridão que castigava ao invés de me confortar por não ter como enxergar meu estado horrível no espelho da sala, era uma sombra que mais parecia um monstro três vezes o meu tamanho.
Fácil mesmo era sentir a presença dele naquela casa, não uma presença radiante, entretanto uma presença que me condenava, como se estivesse ali o fantasma dele me condenando por não correr para abraçá-lo pela última vez e nem por o ter beijado de verdade quando se machucou, o problema foi que me importei demais com Vovó Fátima. Se eu soubesse que seria a última vez, teria corrido com ou sem forças para o beijar com paixão, mas acho que ninguém sequer o deixaria ir se soubesse que nesse processo ele morreria. Inclusive eu, eu o ia segurar e até dar uma pancada em sua cabeça se necessário.
Infelizmente a vida nunca avisa quando vai ser a última vez. Ao parar no batente do meu quarto, virei para o sofá, enxergando ali a memória vívida de quando quase nos beijamos, e com um sorriso amargurado empurrei a porta. A pulseira continuava intacta, assim como meus cadernos e livros, tudo estava exatamente como deixei.
Chan não voltaria para buscar a pulseira, o que queria dizer que ela ia para dentro da caixa das promessas-não-cumpridas, junto com a carta que ele deixou. A empurrei para deslizar em minha mão, deixando-a cair em minha mão, a mão oposta à que segurava a carta manchada por lágrimas.
Me sentei na cama, lendo a carta uma última vez. Algo me fazia estranhar: a data da carta. Vinte e sete de Agosto foi há 3 dias, quando ele foi embora, o que talvez queria dizer que ele sabia ou sentia que iria morrer, isso fazia tudo parecer muito mais assustador.
Suspirei antes de puxar a caixa embaixo da cama e colocar tudo lá dentro. Não sei se me sentia chateada por acreditar na promessa dele ou se xingava o universo pelo ocorrido. A carta ao menos me serviu de motivação para ir domingo fazer o vestibular.
Então resolvi tomar um banho enquanto aguardava mamãe voltar para casa, a sensação fantasmagórica começava a me assustar, portanto liguei as luzes e fui finalmente tomar um banho para tirar o cheiro de hospital.
Sem fome ou ideia do que fazer naquele puro tédio noturno, coloquei um pijama curto e me pus a tentar dormir. Não tinha muito o que fazer sem Bang, não adiantaria caminhar na praia esperando que ele fosse aparecer para mim com uma rosa branca, ou seria um fantasma ou alucinação.
A cada batida débil, o coração gritava o seu nome e o peito apertava na tentativa de reprimir os gritos sofridos do coração. Pobre coração iludido ao pensar que ele voltaria como toda semana, o que mais me doía era ter que forçá-lo a se calar.
Rolava na cama, eu obviamente não tinha sono.
Logo ouvi mamãe chegar, fazendo ruído:
ㅡ Ela deve estar dormindo, é só o que tem feito. Nem comer ela consegue direito, tem comido menos até do que eu e já deve ter perdido uns cinco quilos nesses três dias, sabemos que ela ama passear por Seul mas nem o quis fazer enquanto doente.ㅡ mamãe dizia para alguém, alguém que eu torcia veementemente para que não fosse alguém que iria rezar em mim para me "sarar" do luto.
ㅡ Ah, querida!ㅡ apesar da voz abafada, logo reconheci Vovó Fátima ㅡ Fiquei em choque quando descobri que o pobre Chan faleceu, apoiava muito aquele relacionamento e gostava bastante daquele rapaz.
ㅡ Me desculpe por lhe chamar aqui em tão curto intervalo de tempo.
ㅡ Eu que me desculpo por não poder vir no dia em que me chamou. Entendo que Bellatrix ame a mim e ao meu apoio, farei o possível e o impossível para que ela supere o quanto antes, embora eu entenda a dor de perder uma pessoa por quem seu coração bate mais forte...ㅡ o tom era de pesar, mas por incrível que pareça eu não me incomodava com vovó sentindo dó de mim.ㅡ Desta vez quem dormirá no quartinho de bagunça serei eu, minha coluna está em boas condições. Se me permite tomarei um banho rápido e já me ponho a pilotar o fogão, torço para que hoje ela coma como sempre.
Me senti comovida por mamãe ter a chamado e ela ter vindo com tanta pressa apesar dos contratempos e o trabalho que nunca abandonava. Suspirei e me sentei na cama, de tão rápido o movimento senti a cabeça girar e apertei um pouco o edredom.
Logo me levantei da cama e comecei a guardar as coisas espalhadas no dia mais triste de toda a minha existência. Mesmo de pijama, de maneira silenciosa saí pela janela do quarto, precisava ver Alya.
Caminhei até a casa dos Romonov ensaiando como iria dar a tão triste notícia:
ㅡ Tia!ㅡ batia à porta desesperadamente.
ㅡ Boa noite, querida! O que faz aqui de pijama?
Não respondi, a abracei com força, quase chorando em seus seios avantajados.
ㅡ Chan morreu titia, Chan morreu.ㅡ comecei a dizer aos soluços.
Ouvi então alguma coisa se quebrar, me afastei e vi atrás de Magdalina, Felix com um pano de prato em mãos, cacos de um copo no chão e um semblante chocado.
ㅡ Não posso mais ficar aqui, se vir o choro de Lee não conseguirei me controlar. Fátima voltou e a preciso cumprimentar, perdão pela grosseria.
A russa não teve tempo de me convidar para entrar, saí correndo pois os braços de vovó eram mais confortáveis. Além do quê, sequer encontrei Alya, não tinha o que fazer naquela casa senão chorar incontrolavelmente junto a Felix.
Entrei novamente pela janela, por sorte não tinha sujado os pés com o tênis que coloquei apenas para correr até lá e entregar a notícia. Minha avó pelo jeito já tinha saído do banho.
Abri morosamente a porta do quarto, caminhando até a cozinha sem qualquer ruído, ouvia o barulho do chuveiro ligado, coisa que indicava que quem estava no banho agora era mamãe. Pela primeira vez em toda a vida, vi vovó com os deslumbrantes cabelos crespos soltos, batiam no ombro e compensando a falta de movimento, tinha um grande volume.
ㅡ Vovó!ㅡ exclamei indo ao seu encontro na bancada da cozinha.
Desta vez ela tinha largado a pompa e usava uma roupa simples acompanhada de um avental.
ㅡ Querida...ㅡ me abraçou de lado, sem largar as panelas.
O jantar foi servido e devido ao fato de ser minha comida favorita, comi com gosto até ficar satisfeita. Ao invés de dormirmos separadas, vovó dormiu em minha cama de casal, tentando me reconfortar.
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O mar que habita em mim- Bang Chan
FanfictionPara Chan, pessoas eram como mares: umas mais rasas e tranquilas, outras mais profundas e intensas. Mas será que ele realmente teria coragem de encarar a profundidade de Bellatrix? Afinal, em profundas ou rasas águas, podemos nos afogar.