A vida é nada menos do que pedaços que vamos deixando em momentos, lugares e pessoas. E certamente um pedaço de mim havia ficado naquela sala, naquele momento e naquele rapaz que eu supunha ser meu meio-irmão, era estranho pensar que durante longos vinte anos, ninguém, nem mesmo meus irmãos mais velhos, tocaram no assunto. E por isso costumava pensar que desde a chegada de Bellatrix minha vida virou de cabeça para baixo.
Acabei por aceitar um jantar naquela casa, afinal era o meu irmão que me oferecia. Adicionar tal título a alguém que antes era só uma amizade de verão, implicava em carregar muitos sentimentos, implicava em o chamar por um nome que eu não estava acostumado e certamente despenderia de bastante tempo para me acostumar.
Com os olhos inchados, me despedi de todos, ficando refém da amabilidade de Magdalina Romonov:
ㅡ Pode voltar sempre que quiser, a casa estará sempre aberta.ㅡ convidou, segurando meus braços.
Funguei antes de responder.
ㅡ Me sinto mal em comparecer aqui, sendo que não temos laços sanguíneos e curtíssimo tempo de conhecimento.
Ela escorregou as mãos pelos meus braços, tomando as minhas mãos entre as suas.
ㅡ Eu e Felix também não temos laços sanguíneos, e mesmo assim eu virei sua tutora legal. Você não tem mais mãe e Bellatrix não tem paciência para cuidar de você, eu já sou chamada de mãe por três crianças e mais uma não vai fazer muita diferença.
Comecei a pensar no que ela tinha dito acerca de Park, no começo ela realmente aparentava não ter lá muita paciência, agora contudo parecia ser uma pessoa mais calma.
ㅡ Eu virei quando der.ㅡ sorri, me desvencilhando de suas mãos. ㅡ Temo que agora é hora de ir, passei o dia tomando vosso tempo. Obrigado pelo almoço e jantar.
ㅡ Dirija com cuidado.
ㅡ Tchau, irmão.ㅡ ouvir aquilo fez meu coração palpitar, e despertou em minha uma vontade de continuar ali, mesmo com uma longa conversa que durou quase o dia todo, era como se tudo e ao mesmo tempo nada estivesse esclarecido.
Lee me acompanhou até a porta, dando-me um último abraço.
E agora eu estava novamente por conta própria, vagando pela areia sem saber muito o que fazer. As coisas contadas pela tarde me fizeram chorar muito, eu era realmente sensível a qualquer coisa acerca de relacionamentos e odiava este pequeno defeito em mim.
Esperava que Park estivesse na praia também, ela amava ver o mar ser banhado pela Lua, queria que ela estivesse ali para me dar um pouco de carinho e passar gelo nos meus olhos para desinchar um pouco. Céus! Eu mal podia enxergar.
Queria pedir água gelada no quiosque de Alya, mas este já estava fechado. Mesmo sem querer, eu acabei fazendo amizade com os amigos de Bella, se tornou algo tão natural para mim.
De maneira despretensiosa, passei na frente da casa de Park, tentei ver pelas janelas se ela estava ali, não havia nem sinal da mesma. Talvez tivesse um compromisso em algum outro lugar da cidade, e embora as luzes estivessem ligadas, não via alma viva sequer circular pela casa.
Então caminhei mais um pouco, quando me deparei com uma lojinha de produtos praianos, me pareceu estranho porque eu nunca tinha visto aquela loja ali. Ou surgira nos últimos dias ou eu nunca dei atenção, porque na maioria das vezes em que passei por aquela parte da praia, estava com ela.
Resolvi entrar no lugar, me deparando com um senhor muito simpático e simplório, coluna envergada por provavelmente algum problema clínico e a barba por fazer:
ㅡ Boa noite, jovem! Procura por algo específico?
Me despertara a atenção a saudação do homem, visto que eu estava encantado observando os produtos únicos feitos à mão.
ㅡ Não vim em busca de algo, passei para dar uma olhada e gostei de algumas coisas.
Maioria dos produtos eram temáticos: um colar delicado com uma estrela do mar na ponta, uma prancha com peixes pintados, uma caneca com ondas em alto relevo. Mas o que realmente me chamou a atenção foi uma pulseira de conchas.
ㅡ Teria como embalar duas dessas para presente?ㅡ apontei para a pulseira.
ㅡ É para a sua namorada?
ㅡ Sim. Ela gosta muito do mar e de colecionar conchas.
ㅡ Não seria melhor uma aliança? Temos várias temáticas.
Soltei uma risada.
ㅡ Ela não segue roteiros.ㅡ disse olhando para o chão, lembrando-me de todas as coisas fora do normal que ela fizera até hoje. ㅡ E detesta anéis, quero ser original e lhe dar uma pulseira com as coisas que ela mais gosta.
O senhor riu.
ㅡ Você a deve amar muito. E ela deve ser uma mulher excêntrica. Vou embrulhar para você.
Paguei pelas pulseiras e peguei o embrulho, saindo dali, visto que o senhor deu-me muitos sinais indiretos de que era hora de fechar a loja.
Passava agora novamente pela casa de Bellatrix, desta vez porém, vi alguém passar por entre as cortinas brancas da janela da cozinha. Dei meia-volta e refiz o meu caminho, na esperança de que ela fosse abrir a porta e me ver passar de maneira despretensiosa.
Desta vez ouvi, dentro da casa, uma conversa onde o que as pessoas falavam era indistinguível. Respirei fundo e dei meia volta novamente, caminhando com os olhos fincados no chão, fingindo não me importar com o que se passava ali.
Foi então que ouvi a porta se abrir e alguém descer os três degraus ruidosamente. Não aguentei minha curiosidade e levantei a cabeça abruptamente, tendo a visão das duas avós e ainda da mãe de Bellatrix. Ela vinha logo atrás, limpando no nariz na manga do casaco e secando as lágrimas com os polegares.
A tal "Vovó Fátima", como dizia, empunhava malas e parecia triste. Quis ir até lá, mas não me pareceu o momento certo, visto que tudo conspirava para uma despedida.
Como o rapaz resignado que era, me limitei a ficar observando, de qualquer forma ela não olharia para mim. Assim que entrou em casa, suspirei e subi a escadaria, indo assim para casa descansar, amanhã teria provavelmente a chance de vê-la novamente.
VOCÊ ESTÁ LENDO
O mar que habita em mim- Bang Chan
FanficPara Chan, pessoas eram como mares: umas mais rasas e tranquilas, outras mais profundas e intensas. Mas será que ele realmente teria coragem de encarar a profundidade de Bellatrix? Afinal, em profundas ou rasas águas, podemos nos afogar.