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  Depois de uma semana as águas-vivas voltaram para o mar do Japão e agora eu podia surfar à vontade para exibir minhas manobras bem em frente ao quiosque da russa

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  Depois de uma semana as águas-vivas voltaram para o mar do Japão e agora eu podia surfar à vontade para exibir minhas manobras bem em frente ao quiosque da russa. Bem, isto se assim que eu botei o pé para fora de casa não tivesse começado uma gritaria dentro dela.

  Almocei mais cedo do que todo mundo apenas para ter o prazer de pisar na praia um pouco mais cedo do que o habitual. Naquela manhã eu nem fui dar aulas a Bang Chan porque acabei dormindo mais do que realmente queria.

  Com os berros da minha mãe, tornei a empurrar o batente da porta. E então lá estava minha avó Fátima: vermelha como um tomate tossindo sem parar e mal tinha fôlego.

  ㅡ O que aconteceu?

  Mamãe, que batia continuamente nas costas da elegante senhora, virou-se abruptamente para mim, com olhos de quem clamava por ajuda:

  ㅡ Se engasgou com um pedaço de alga do kimbap.

  Tentei lembrar do que minha falecida tia faria numa situação daquelas, então rapidamente peguei uma cadeira estofada vaga próxima à mesa. Num dos pilares da casa tinha um porta-chaves, então peguei a ponta de uma faca e girei no parafuso até que saltasse para fora:

  ㅡ Garanta que ela encoste as costas aqui.

  ㅡ O que vai fazer?

  Não respondi, apenas avisei a vovó que aquilo poderia doer um pouco.

 Então empurrei o encosto da cadeira contra seu estômago, então a mulher projetou a cerviz para frente e tossiu o pedaço de alga no ombro de Eun Ji, esta que se afastou com medo do procedimento que eu faria com minha avó.

  A expressão de nojo e o nojo propriamente dito nem permitiam que ela olhasse para seu próprio ombro, e então já estava fazendo ânsia no meio da cozinha. Com a ponta dos dedos, tirei o pedaço de alga dali e joguei fora:

  ㅡ Queria mesmo ser médica? Com nojo de um simples pedaço de alga?

  Estalei a língua e lavei as mãos, saindo dali novamente.

  Quando cheguei à areia, olhei em volta, no lugar onde o garoto sempre costumava me esperar para ter as aulas de surfe e o lugar em que nos trombamos pela primeira vez.

  Percebi que já não me importava muito com a vida quando me peguei sentindo falta do garoto que apenas faltara uma só vez. O medo de que ele pudesse faltar alguma aula nunca atravessara meu espírito, mas a sua ausência me fez temer a quebra da promessa.

  Promessa esta feita sob a débil luz da Lua encoberta por nuvens e uma tempestade; promessa esta feita dentro de uma caverna e à beira de uma fogueira; promessa esta que deu esperança ao meu coração.

  Ele não quebraria uma promessa feita com tanta obstinação, quebraria?

  Promessas quebradas. Eu tinha muitas destas guardadas numa caixinha empoeirada que escondia debaixo da cama: "Eu pago sua faculdade de medicina", a pessoa que disse isso faleceu ano passado, deixando comigo apenas um brinco de um par perdido. "Eu te pago um sorvete", a pessoa que disse isso faleceu quando eu ainda era pequena, deixando comigo o projétil encontrado dentro de seu duodeno e uma nota de dois reais para o sorvete. "Voltarei, espere por mim", o avião do garoto que disse isto caiu no Vale da Sicília e o que ele me deixou foi um desenho feito por nós no sexto ano e um colar de conchas.

  Provavelmente agora teria também para guardar, palavras ditas na chuva: "Eu... não vou embora. Sou mais resistente do que a maré" contudo dele eu não teria nada para guardar naquela caixinha. Não que ele tivesse morrido, mas ele foi embora, porque não suportou minhas maneiras déspotas.

  Cansada de buscar por cabelos castanhos e certamente bagunçados em meio à multidão, prendi o leash ao calcanhar e finalmente pude entrar no lugar onde mais gostava de surfar. Na primeira onda, fiz uma rasgada incrível.

  E então vinha a segunda, não a achei muito propensa, então de repente ela formou um túnel. Não pensei duas vezes antes de adentrar, porém meus pés se desequilibraram e eu acabei sendo engolida pela onda.

  Tentava nadar, porém minha perna estava mais do que enroscada ao leash então estava presa e não conseguia voltar para a superfície. Como não estava muito longe da margem, tentei buscar por Flash, ele tentaria me ajudar com seus amigos peixes.

  Gritava seu nome embaixo d'água e esse foi certamente o meu maior erro, engolia agora uma quantidade exorbitante de água salgada e mal conseguia respirar. E de tão forte que eu estava agarrada à minha prancha sob a água, ela não conseguiria subir e certamente ninguém me encontraria ali.

  Fui perdendo as forças dos braços e consequentemente das pernas também, meu cérebro não tinha o oxigênio necessário para tentar sobreviver. Mas eu iria tentar, até o último minuto.

  O último minuto. Ele estava chegando e eu já parava de lutar contra o leash enroscado em minha perna, não tinha mais como lutar.

  Meu pulmão chegava a pesar e eu podia sentir o coração bater de forma tênue. A boca fechada e as bochechas inchadas tentavam resgatar um pouco do oxigênio perdido, tentava chamar Flash com os gestos que fazia sempre que o encontrava.

  Só então me recordei de ter visto o pobre peixinho na garrafa d'água sobre a mesinha de centro no quarto de Felix. Magda havia levado o meu peixe para casa, e então agora como eu iria conseguir voltar à superfície ou chamar ajuda?

  Alya sabia do meu pacto com os peixinhos e caso houvesse uma movimentação estranha no cardume ou uma prancha azul-bebê com estrelas prateadas boiando, ela saberia o que fazer. O problema é que nenhuma das circunstâncias contribuíam de forma nenhuma para o que devia ser feito.

  E então também meus olhos não aguentaram mais a situação, fechando-se com morosidade. Sentia meu corpo afundar cada vez mais, até que em determinado momento a prancha subiu, sem poder também me trazer para a superfície.

  Boa noite outra vez. Veria agora meu melhor amigo, meu pai e minha tia.


O mar que habita em mim- Bang ChanOnde histórias criam vida. Descubra agora