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Capítulo 2: Entre Verdades e Mentiras.

O relógio marcava quase quatro da manhã quando Mirella chegou em casa. O coração ainda estava acelerado, mas agora pela mistura de adrenalina e ansiedade. Ela sabia que voltar para casa àquela hora era pedir para ter problemas. Entrou pela porta dos fundos, tentando fazer o mínimo de barulho possível, mas o som do trinco parecia ensurdecedor no silêncio da madrugada.

— Mirella. — A voz de Clara ecoou no escuro, fria como gelo.

Mirella quase deu um salto de susto. Virando-se devagar, encontrou a mãe na sala, de braços cruzados, vestindo um robe de seda e com uma expressão que misturava raiva e decepção.

— Onde você estava? — Clara perguntou, cada palavra carregada de suspeita.

— Na casa da Laura. — Mirella respondeu rapidamente, tentando soar natural. — A gente ficou assistindo filme, perdi a noção do tempo.

Clara arqueou uma sobrancelha, claramente não comprando a desculpa.

— Perdendo a noção do tempo até essa hora? Achei que vocês tivessem aula cedo amanhã.

— Mãe, eu sou adulta. Não preciso de interrogatório toda vez que fico até mais tarde na casa de uma amiga. — Mirella rebateu, mas sua voz vacilava.

— Adulta? — Clara deu uma risada seca. — Ser adulta não é só escolher quando sair, mas também ser responsável. Você acha que essa atitude vai te levar a algum lugar? Chegar tarde, escondida, mentindo sobre onde estava?

Mirella sentiu o estômago apertar. Ela sabia que Clara tinha razão em desconfiar, mas a última coisa que queria era contar a verdade sobre a festa.

— Eu não estou mentindo! — Mirella insistiu, cruzando os braços. — Você sempre acha o pior de mim.

Clara deu um passo à frente, os olhos estreitos.

— E eu estou errada? O que aconteceu para você chegar assim, com esse cheiro de cigarro e bebida? Esse é o comportamento de alguém que quer ser levada a sério?

Mirella sentiu o rosto esquentar. Ela abriu a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu. Depois de um momento tenso, Clara suspirou, frustrada.

— Vá dormir, Mirella. Eu não vou discutir com você agora. Mas saiba que eu não sou idiota, e essa conversa ainda não acabou.

Sem dizer mais nada, Clara virou-se e subiu as escadas, deixando Mirella sozinha na sala, com a mente fervilhando.

No dia seguinte, Mirella acordou tarde, ainda cansada, mas com a lembrança da noite anterior trazendo um sorriso involuntário ao rosto. O tempo que passou conversando com Gabriel foi diferente de tudo que já havia vivido. Ele era enigmático, mas havia algo no jeito como a ouvia que a fazia sentir-se especial, vista de uma maneira que ninguém mais parecia enxergá-la.

Enquanto se arrumava para sair, seus pensamentos flutuavam até ele. Será que ele também estava pensando nela? Será que aquele encontro tinha sido tão marcante para ele quanto para ela?

A caminho da faculdade, Mirella mal percebeu o mundo ao seu redor. A noite passada ainda ocupava sua mente, até que uma voz familiar a tirou do devaneio.

— Mirella!

Ela virou-se e viu Heitor, o filho do sócio do seu pai, caminhando em sua direção com um sorriso largo. Ele era tudo o que seus pais consideravam "adequado": bem-educado, de boa família, cursando administração e com o futuro já garantido. Para Mirella, no entanto, ele era insuportavelmente previsível e grudento.

— Oi, Heitor. — Ela disse, forçando um sorriso.

— Que coincidência te encontrar! Tá indo pra aula?

— Sim, estou com um pouco de pressa, na verdade. — Mirella respondeu, torcendo para que ele entendesse a dica.

Mas Heitor ignorou completamente.

— Eu estava pensando... A gente podia sair pra jantar hoje à noite. Faz tempo que não conversamos.

— Heitor, eu tenho muita coisa pra fazer. Acho que não vai dar. — Mirella respondeu, tentando soar educada.

— Ah, vai, Mirella. Só um jantar. Eu sei que você também tem sentido falta de mim. — Ele piscou, como se tivesse certeza de que ela aceitaria.

A paciência de Mirella estava se esgotando.

— Heitor, eu realmente não posso. Agora preciso ir. — Ela disse, virando-se para continuar andando.

Antes que pudesse se afastar, ele segurou seu braço.

— Mirella, espera. Por que você sempre foge de mim? Você sabe que a gente daria certo. Nossos pais adoram a ideia.

— Exatamente por isso, Heitor. — Ela respondeu, soltando-se. — Porque você não entende que eu não quero fazer o que nossos pais querem.

Sem esperar por uma resposta, Mirella acelerou o passo, deixando Heitor para trás, confuso e frustrado.

Na aula, Mirella tentou se concentrar, mas era impossível. As palavras de Heitor a irritavam, enquanto o sorriso de Gabriel invadia seus pensamentos como uma melodia persistente. Quando o intervalo chegou, ela foi até um banco no pátio e pegou o celular.

Hesitou por um momento, mas acabou enviando uma mensagem para Laura:

Mirella: "Miga, vc tem o número do Gabriel?"

Laura respondeu quase instantaneamente:

Laura: "Achei q ñ ia demorar pra perguntar. Vou mandar aqui. ;)"

Pouco depois, Mirella tinha o número dele salvo no celular. Ficou encarando a tela por um tempo, tentando decidir o que dizer. Por fim, tomou coragem e digitou:

Mirella: "Oi, é a Mirella, amiga da Laura. Gostei muito de conversar com você ontem. Espero que esteja bem."

Enviar a mensagem foi um alívio, mas a espera pela resposta parecia eterna. Quando finalmente o celular vibrou, seu coração deu um salto.

Gabriel: "Oi, Mirella. Fico feliz de saber isso. Também gostei de falar com você. Como você tá?"

Ela sorriu, sentindo-se inexplicavelmente leve.

Mirella: "Tô bem, só tentando sobreviver à faculdade e aos dramas de casa. E você?"

Gabriel: "Sobrevivendo também. Mas com boas lembranças da noite de ontem."

As palavras dele fizeram o coração de Mirella disparar. Eles continuaram trocando mensagens por horas, o tempo voando enquanto conversavam sobre música, sonhos e até as diferenças em suas vidas. Gabriel tinha um jeito de falar que fazia Mirella se sentir compreendida, como se ele realmente a ouvisse.

No entanto, no fundo da mente dela, havia uma inquietação. Ela sabia que Gabriel era parte de um mundo que seus pais nunca aprovariam. Mas naquele momento, nada disso parecia importar.

Quando Mirella chegou em casa naquela noite, sua mãe a observou com atenção.

— Você parece... diferente. — Clara comentou, estreitando os olhos.

— Diferente como? — Mirella perguntou, tentando soar casual.

— Não sei. Talvez um pouco... distraída. — Clara respondeu, cruzando os braços. — Você e Laura devem estar tramando algo de novo.

— Mãe, eu só estou cansada. Não precisa ficar me analisando. — Mirella disse, subindo as escadas rapidamente antes que a conversa pudesse se prolongar.

Fechada em seu quarto, ela se jogou na cama, segurando o celular. As mensagens de Gabriel eram como um refúgio, uma fuga da pressão constante em sua vida. Pela primeira vez em muito tempo, Mirella sentiu que estava no controle do que queria — mesmo que isso significasse mergulhar em algo incerto e perigoso.

 O Dono Da Porra TodaOnde histórias criam vida. Descubra agora