Capítulo 17: O Rei da Favela
A favela, aos olhos de quem não a conhece, pode parecer um lugar desprovido de ordem, onde o caos reina absoluto. Mas para quem vive lá, é uma comunidade pulsante, cheia de vida, onde a solidariedade sobrevive, mesmo nas condições mais adversas.
Gabriel, ou Gabo, como era conhecido pelas ruas estreitas e vielas sinuosas, era mais do que o chefe do tráfico. Ele era o alicerce de muitas vidas que dependiam diretamente ou indiretamente da estrutura que ele mantinha.
Os negócios de Gabo.
As operações de Gabo eram complexas e bem organizadas. Ele controlava o tráfico de drogas na região, mas nunca permitia que menores fossem usados como "aviõezinhos". Para ele, o futuro da comunidade era sagrado, e as crianças deveriam estar na escola, não nas ruas.
Parte do dinheiro que Gabriel arrecadava era investido diretamente na favela. Ele financiava melhorias nas casas, comprava remédios para quem não tinha condições e mantinha um fundo de emergência para ajudar famílias em momentos de crise.
— Chefe, a dona Maria tá precisando de uma cadeira de rodas nova. — Disse Juca, um dos subordinados de confiança de Gabriel.
— Compra a melhor que tiver. E passa lá pra deixar uns mantimentos pra ela. — Gabo respondeu, sem hesitar.
Era assim que ele funcionava. Apesar de comandar negócios ilícitos, sua presença era vista como um ponto de equilíbrio na comunidade. Ele era o juiz, o protetor e, muitas vezes, a única esperança de quem vivia ali.
A rotina na favela.
Enquanto Gabriel discutia os próximos passos de sua operação com Juca e outros membros de seu grupo, a favela seguia seu curso. Na pracinha central, crianças jogavam futebol descalças, usando mochilas velhas como traves. As mulheres se reuniam para conversar, trocar receitas e fofocas enquanto lavavam roupas em bacias comunitárias.
Dona Marta, a responsável pela cozinha comunitária, estava ocupada preparando o almoço. Gabriel sempre financiava o gás e os mantimentos para que ninguém passasse fome.
— O Gabo tem seus erros, mas ninguém pode negar que ele cuida de nós. — Disse Marta a uma das voluntárias.
— É verdade. E quando aquele esgoto estourou, ele foi o único que fez alguma coisa. Se dependesse do governo, a gente tava até hoje nadando na lama.
Esses pequenos gestos faziam de Gabriel um líder, mesmo que a sua liderança fosse controversa.
Os subordinados de Gabo.
Os homens que trabalhavam diretamente com Gabriel tinham diferentes histórias. Juca, por exemplo, havia crescido na favela e entrado para o tráfico aos 16 anos, após a morte do pai, um pedreiro honesto, que havia sido assassinado por engano durante uma operação policial.
— O chefe me deu uma chance quando eu não tinha mais nada. Ele é mais do que um patrão, é um irmão. — Juca costumava dizer.
Outros, como Renan e Zeca, eram menos emotivos, mas ainda assim leais. Eles sabiam que trabalhar para Gabo era perigoso, mas a recompensa era alta, e a sensação de pertencer a algo maior do que eles mesmos era irresistível.
— Aqui ninguém é só um número. O Gabo cuida de cada um de nós. — Comentou Renan, enquanto fazia a contagem de um carregamento.
Gabriel não tolerava traições nem abusos. Uma das regras mais rígidas que ele impôs era a de não explorar ou machucar os moradores da favela.
— Se eu souber que alguém tá fazendo merda com o nosso povo, vai pagar. — Ele advertiu certa vez, em uma reunião.
Isso fazia com que seus subordinados não apenas o respeitassem, mas também o temessem.
A face humana de Gabriel.
Apesar de sua posição de poder, Gabriel nunca esqueceu de onde veio. Ele tinha um carinho especial por dona Lurdes, uma idosa que o acolheu quando ele ainda era um adolescente sem rumo, fugindo de um lar abusivo.
— Gabriel, menino, você não tem comido direito, né? — Dona Lurdes disse, enquanto servia um prato de feijão com arroz para ele na varanda de sua pequena casa.
— A senhora tá sempre cuidando de mim, né? — Ele respondeu com um sorriso.
— Alguém precisa, meu filho. Você cuida de tanta gente, mas quem cuida de você?
Gabriel sabia que era verdade. Por mais que tivesse Juca e outros ao seu lado, a solidão do poder era uma constante em sua vida.
O impacto na favela.
A influência de Gabriel na favela era visível em todos os cantos. Ele havia financiado a construção de uma quadra esportiva e garantido que as ruas tivessem iluminação, algo que a prefeitura nunca se preocupou em fazer.
No entanto, sua presença também tinha um preço. As operações policiais eram frequentes, e o clima de tensão era constante. As mães viviam com medo de perder seus filhos, e o barulho de tiros era uma trilha sonora recorrente.
— A gente vive no meio do fogo cruzado. Mas pelo menos, com o Gabo, sabemos que tem alguém do nosso lado. — Disse um morador, enquanto observava um grupo de crianças brincando na rua.
Um lado em conflito.
Gabriel sabia que sua vida era um paradoxo. Ele se dedicava a proteger e melhorar a favela, mas fazia isso com dinheiro sujo, vindo de atividades que, por sua natureza, destruíam outras vidas.
À noite, enquanto caminhava pelas ruas silenciosas, ele refletia sobre as escolhas que o levaram até ali.
— Será que um dia isso vai acabar? — Ele se perguntou em voz alta, olhando para as luzes da cidade ao longe.
Mas, por enquanto, ele sabia que não podia se dar ao luxo de mudar. Ele tinha responsabilidades, pessoas que dependiam dele, e inimigos que nunca descansariam enquanto ele estivesse no comando.
A vontade de fazer o bem.
Apesar de seus conflitos internos, Gabriel continuava fazendo o que podia para ajudar sua comunidade. Ele financiava aulas de reforço escolar, incentivava o esporte e até organizava eventos culturais para manter as crianças longe do crime.
— Se eu puder dar uma chance pra elas que eu nunca tive, já valeu a pena. — Ele disse a Juca, enquanto observavam um grupo de jovens treinando futebol na quadra recém-reformada.
Naquele momento, Gabriel não era apenas o chefe da biqueira. Ele era o herói silencioso de uma comunidade que, apesar de todas as dificuldades, encontrava nele uma razão para acreditar em dias melhores.
E, no fundo, ele sabia que, enquanto pudesse proteger a favela, estaria cumprindo sua missão. Mesmo que isso significasse carregar o peso do mundo nos ombros.
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O Dono Da Porra Toda
RomansaRepostando. Início: 18/07/2021 versão anterior Término: 21/11/2024 nova versão Mundos opostos mas um sentimento mútuo, será que isso basta para romper as barreiras da sociedade que os separam?