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Capítulo 1: Um Encontro de Mundos

Mirella estava sentada à mesa da cozinha, o olhar fixo em um copo d'água intocado. A tensão no ar era quase palpável. Sua mãe, Clara, estava encostada na pia, os braços cruzados e o semblante fechado.

— Mirella, você não vai continuar com essa ideia ridícula de mudar de curso, vai? — Clara disparou, a voz cortante.

— Não é uma ideia ridícula, mãe. Eu não quero ser advogada, nunca quis. Eu já disse que vou tentar artes visuais. — Mirella respondeu, mantendo o tom firme, mas com o coração acelerado.

— Artes visuais? — Clara bufou, rindo de maneira sarcástica. — Vai viver de quê? Vendendo quadros na calçada? Você não entende que isso é um capricho?

Mirella apertou o copo com mais força do que deveria. Já tinha tido essa discussão dezenas de vezes, mas nunca ficava mais fácil.

— Eu entendo que isso é o que eu quero, o que me faz feliz. Você não percebe que eu estou infeliz nesse curso?

— Felicidade não paga as contas, Mirella! — Clara rebateu. — Você tem sorte de ter pais que podem te dar tudo, e mesmo assim decide jogar tudo fora!

Antes que Mirella pudesse responder, seu pai entrou na cozinha, ajustando a gravata. Ele olhou para ambas com uma expressão cansada.

— Chega, Clara. Você já disse o que pensa. Deixe Mirella terminar de se arrumar para a faculdade. — Ele falou, mais como uma ordem do que como um pedido.

Mirella não esperou que a discussão continuasse. Pegou sua mochila e saiu apressada, sentindo as lágrimas ameaçarem escapar.

A manhã na faculdade foi um borrão. Mirella assistiu às aulas sem prestar atenção, apenas fingindo que estava presente. O peso da discussão em casa parecia se intensificar a cada minuto.

No intervalo, seu celular vibrou com uma mensagem. Era de Laura, sua melhor amiga.

Laura: "Miga, qd sair da facul, vem pra cá. Tenho uma surpresa pra vc. 😉"

Mirella sorriu pela primeira vez naquele dia. Laura sempre sabia como distraí-la, como oferecer um alívio para o caos.

Depois da aula, Mirella pegou um ônibus em direção ao bairro de Laura, que ficava do outro lado da cidade. Laura morava em um apartamento simples, mas aconchegante, onde as portas estavam sempre abertas para Mirella.

Assim que chegou, foi recebida com o abraço caloroso de Laura.

— Miga, sua cara não tá boa. O que aconteceu? — Laura perguntou, conduzindo-a para o sofá.

— Discussão em casa, como sempre. Minha mãe ainda não aceita que eu quero mudar de curso. — Mirella suspirou, jogando a mochila no chão.

Laura revirou os olhos.

— Essa mulher precisa relaxar. Mas, ó, vamos esquecer isso por hoje, porque eu tenho um plano pra gente!

Mirella arqueou a sobrancelha, desconfiada.

— Que tipo de plano?

— Festa na favela, bebê! — Laura anunciou com entusiasmo. — Confia em mim, vai ser incrível! Música, gente legal, comida boa. Você precisa sair desse humor péssimo.

Mirella hesitou. Ela nunca tinha ido a uma festa na favela antes. Na verdade, raramente saía do círculo de eventos sofisticados e encontros da faculdade.

— Não sei, Laura. Será que eu vou me sentir deslocada?

— Claro que não! Você tá comigo, vai ser tranquilo. Além disso, é uma oportunidade de sair dessa bolha em que você vive. — Laura sorriu, pegando a mão da amiga. — Vamos, Mirella. Você precisa disso.

Após alguns minutos de relutância, Mirella acabou cedendo.

Chegaram à festa pouco depois das dez da noite. A favela estava vibrante, iluminada por luzes improvisadas e repleta de música alta que ecoava pelas vielas. Mirella sentiu uma mistura de ansiedade e curiosidade enquanto seguia Laura, que cumprimentava algumas pessoas como se fosse de casa.

— Tá vendo? É tranquilo. Só curte. — Laura disse, entregando a Mirella uma bebida.

Mirella olhou ao redor, fascinada pelo ambiente. As pessoas dançavam, conversavam e riam. A energia era contagiante.

— Laura! — Um rapaz chamou, acenando. Ele estava com um grupo de amigos próximo a uma das caixas de som. Laura puxou Mirella na direção dele.

— Esse é o Pedro. A gente se conheceu da última vez que vim aqui. Pedro, essa é a Mirella. — Laura apresentou.

Pedro sorriu e estendeu a mão para Mirella.

— Prazer, Mirella. Aproveita a festa.

Mirella retribuiu o sorriso e o cumprimento, mas sua atenção logo foi desviada. Poucos metros dali, um rapaz entrou na festa, e a presença dele parecia dominar o espaço. Alto, com uma postura confiante e um olhar penetrante, ele cumprimentava as pessoas ao passar, mas havia algo nele que deixava claro que não era apenas mais um.

— Quem é aquele? — Mirella perguntou a Laura, tentando não parecer muito interessada.

Laura seguiu o olhar da amiga e sorriu.

— Aquele é o Gabriel. Todo mundo aqui conhece ele.

— Por quê?

— Ele é... digamos... importante por aqui. — Laura respondeu, escolhendo as palavras cuidadosamente. — Mas relaxa, ele não morde.

Antes que Mirella pudesse responder, Gabriel pareceu notar o olhar dela e veio em sua direção.

— Boa noite, Laura. — Ele cumprimentou, com um leve sorriso. — Quem é sua amiga?

— Essa é Mirella. Minha melhor amiga. Tá estreando hoje por aqui. — Laura disse, dando um leve empurrão na amiga.

— Mirella. Nome bonito. — Gabriel disse, estendendo a mão.

Mirella sentiu o coração acelerar, mas tentou parecer natural.

— Obrigada. — Ela respondeu, apertando a mão dele.

O toque foi breve, mas ela sentiu algo inexplicável.

— Espero que esteja gostando da festa. — Gabriel disse, com um sorriso que parecia ao mesmo tempo gentil e enigmático.

— É diferente do que estou acostumada, mas... estou gostando. — Mirella admitiu, com um pequeno sorriso.

— Diferente pode ser bom. — Gabriel respondeu, ainda olhando para ela.

Laura, percebendo o clima, deu um passo para trás.

— Vou buscar mais uma bebida. Já volto. — Ela disse, deixando os dois a sós.

Mirella e Gabriel continuaram conversando. Ele tinha uma maneira de falar que era direta, mas cheia de charme, e logo ela se sentiu mais à vontade.

Ao longo da noite, Mirella percebeu que Gabriel era muito mais do que a primeira impressão sugeria. Havia algo nele — uma dualidade entre força e sensibilidade — que a intrigava. E enquanto as luzes da festa brilhavam ao redor deles, Mirella sentiu que sua vida estava prestes a mudar de uma forma que ela nunca imaginou.

 O Dono Da Porra TodaOnde histórias criam vida. Descubra agora