O Dono Da Porra Toda

•4•

Capítulo 4: Encontros e Desencontros

Os dias que se seguiram à chantagem de Heitor foram um pesadelo para Mirella. Ela se sentia encurralada, obrigada a encenar um papel que não queria, enquanto Gabriel começava a perceber que algo estava errado. As mensagens entre eles, antes animadas e constantes, tornaram-se curtas e cheias de silêncios. Mirella evitava falar demais, temendo que Gabriel pudesse perceber a verdade, e isso só aumentava a tensão entre eles.

Gabriel, por sua vez, não conseguia ignorar a sensação de que Mirella estava se afastando. Ele conhecia os sinais: respostas evasivas, desculpas para não se encontrarem, e a ausência daquele brilho que ele via nos olhos dela. Ainda assim, algo dentro dele dizia que havia mais por trás disso.

Quando o dia do encontro forçado com Heitor chegou, Mirella se sentiu enjoada desde o momento em que acordou. Cada parte de seu corpo protestava contra a ideia de passar horas ao lado dele, mas ela sabia que não tinha escolha. Ele já havia mandado uma mensagem detalhando o plano: um jantar em um restaurante caro e, depois, uma ida a uma casa de shows no centro da cidade.

— Vista algo elegante, você sabe como as pessoas desse meio são. — Heitor disse na mensagem, o tom arrogante quase saltando da tela.

Mirella escolheu um vestido preto simples, sem muito entusiasmo. O reflexo no espelho mostrava alguém que ela mal reconhecia: uma garota cansada, forçada a sorrir para esconder a dor. Quando Heitor chegou para buscá-la, pontual como sempre, ela desceu as escadas com um aperto no coração.

— Está linda. — Ele comentou, sem disfarçar o tom possessivo na voz.

— Vamos logo. — Mirella respondeu, secamente.

Heitor ignorou a frieza dela e abriu a porta do carro, ostentando um falso cavalheirismo.

Enquanto isso, Gabriel não conseguia tirar Mirella da cabeça. Ele tentava se convencer de que precisava dar espaço, mas a inquietação não o deixava em paz. Algo estava errado, ele sabia disso.

— Você vai atrás dela? — Perguntou Cadu, um amigo próximo, enquanto eles estavam na oficina onde Gabriel trabalhava.

Gabriel largou a chave de fenda e olhou para o amigo, os olhos sérios.

— Não sei, mano. Parece que ela tá escondendo algo, mas também não quero parecer um louco desconfiado.

Cadu deu de ombros.

— Às vezes, a gente precisa arriscar. Se ela significa tanto pra você, não dá pra deixar isso assim.

As palavras de Cadu ecoaram na mente de Gabriel enquanto ele terminava o turno. Quando finalmente saiu da oficina, a decisão estava tomada: ele precisava ver Mirella, precisava saber o que estava acontecendo.

No restaurante, Mirella se sentia sufocada. Heitor falava incessantemente sobre si mesmo: sobre os negócios do pai, seus planos para o futuro e, principalmente, sobre como eles formariam o "casal perfeito".

— Nossos pais já esperam isso há anos. — Ele disse, segurando a taça de vinho. — Você sabe que não faz sentido lutar contra.

Mirella manteve o sorriso forçado, mas não conseguiu evitar uma resposta afiada:

— Talvez faça sentido pra você, mas pra mim é um pesadelo.

Heitor riu, como se ela estivesse brincando, e continuou com sua conversa egoísta. Mirella olhou ao redor, desejando desaparecer dali.

Gabriel, depois de perguntar a Laura sobre o paradeiro de Mirella, conseguiu descobrir onde ela estaria naquela noite. Não foi difícil chegar ao restaurante de luxo. O lugar era um contraste gritante com a simplicidade que ele conhecia, mas ele não se intimidou.

Ao chegar, viu Mirella e Heitor sentados em uma mesa no canto, iluminados pela luz quente do ambiente. Gabriel sentiu o estômago revirar ao vê-los juntos. Mirella estava linda, mas o sorriso no rosto dela parecia deslocado, falso. Já Heitor parecia à vontade, inclinando-se para perto dela, falando algo que a fez recuar levemente.

Por um momento, Gabriel quis entrar e confrontá-los, mas o orgulho falou mais alto. Quem era ele para questionar as escolhas de Mirella? Talvez ele tivesse se enganado sobre ela, sobre o que sentiam um pelo outro.

Sem pensar duas vezes, Gabriel virou as costas e saiu, o peito apertado de mágoa.

Após o jantar, Heitor levou Mirella até a casa de shows. Ela continuava desconfortável, mas fazia o possível para esconder isso. O ambiente barulhento e cheio de gente a distraiu um pouco, mas Heitor não a deixava em paz, insistindo em mantê-la ao seu lado.

— Está se divertindo? — Ele perguntou, aproximando-se mais do que ela gostaria.

— Sim, está ótimo. — Mirella respondeu, com uma neutralidade que ele escolheu ignorar.

Enquanto dançavam, Mirella sentiu o celular vibrar na bolsa. Aproveitando um momento de distração de Heitor, ela viu que era uma mensagem de Gabriel:

Gabriel: "Espero que esteja tudo bem com você. Parece que tem algo que você não quer me dizer. Vou dar meu espaço, mas queria que soubesse que gosto muito de você."

O coração de Mirella apertou. Queria responder, explicar tudo, mas sabia que não podia. Heitor estava sempre por perto, vigiando-a como um falcão.

Guardou o celular, lutando contra as lágrimas.

No dia seguinte, Gabriel tomou uma decisão drástica: cortar Mirella de sua vida. Ele apagou o número dela, arquivou as conversas e jogou fora o papel onde havia escrito o endereço dela. Não podia continuar alimentando algo que parecia estar fadado ao fracasso.

Mirella, por outro lado, sentiu o vazio aumentar. Os dias passaram, e Gabriel não respondeu mais às suas mensagens. Ela tentou se convencer de que era melhor assim, mas o coração não queria aceitar.

Apesar disso, ela continuava presa na teia de Heitor, que não perdia a oportunidade de lembrá-la de sua chantagem. Mirella estava dividida entre a saudade de Gabriel e o peso de manter o segredo que a mantinha longe dele.

E, no fundo, sabia que, cedo ou tarde, algo teria que mudar.