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Capítulo 10: Verdades Reveladas

Cinco dias haviam se passado desde o resgate de Mirella. A tensão entre ela e sua mãe, Clara, havia dado lugar a um desconforto controlado. O que antes parecia uma muralha intransponível agora era um muro com algumas rachaduras, permitindo que sentimentos mais brandos surgissem.

Mirella, ainda acomodada na mansão dos Moreira, se dividia entre o alívio por estar segura e a saudade da liberdade que experimentara na favela. Apesar das circunstâncias, Clara demonstrava estar genuinamente disposta a tentar melhorar o relacionamento entre elas.

Naquela manhã, Mirella estava no jardim, cuidando de algumas plantas que sua mãe costumava ignorar. Clara se aproximou, com uma xícara de café na mão, e sentou-se em um banco próximo.

— Você gostava de jardinagem quando era pequena. — Clara comentou, a voz calma.

Mirella ergueu os olhos, surpresa com a tentativa de diálogo.

— É. Acho que nunca deixei de gostar. Só não tinha tempo para isso.

Clara sorriu levemente.

— Sabe, Mirella, eu nunca fui boa em demonstrar sentimentos. Cresci acreditando que precisava ser forte o tempo todo, mesmo quando isso significava esconder o que eu realmente sentia.

— Eu sei, mãe. Mas isso não torna mais fácil para quem está do outro lado.

Clara suspirou, olhando para o chão.

— Eu percebo isso agora. E quero pedir desculpas por muitas coisas. Sei que errei com você, mas quero tentar fazer as coisas de um jeito diferente, se você me der a chance.

Mirella ficou em silêncio por alguns segundos, absorvendo aquelas palavras que jamais imaginou ouvir de sua mãe.

— Eu também quero tentar, mãe. — Ela disse, finalmente, com um pequeno sorriso.

Clara parecia aliviada, como se um peso tivesse sido tirado de seus ombros.

Naquela mesma tarde, Mirella decidiu sair para dar uma volta. Precisava espairecer e pensar em tudo o que havia acontecido nos últimos dias. Apesar da trégua com sua mãe, sua mente ainda estava cheia de pensamentos sobre Gabriel.

Desde o resgate, ele havia se mantido à distância, respeitando seu espaço, mas sempre disponível caso ela precisasse. Era algo que ela admirava nele: mesmo sendo intenso, sabia quando recuar.

No entanto, enquanto caminhava pelas ruas, uma conversa que tivera com Laura antes do sequestro voltou à sua mente. Algo que ela não havia processado totalmente na época.

— Mirella, você sabia que o Gabriel é o "Gabo"? O chefe da biqueira?

Na hora, Mirella havia rido, achando que Laura estava brincando. Mas agora, com tudo o que tinha acontecido, a ideia parecia cada vez mais plausível. Gabriel sempre tinha aquele ar misterioso, como se carregasse um fardo maior do que deixava transparecer.

De repente, ela parou no meio da calçada, o coração acelerado. Era verdade?

Mirella decidiu confrontar Gabriel. Foi até a favela naquela mesma noite, sem avisar ninguém. Quando chegou à casa dele, encontrou-o sentado na varanda, como se estivesse esperando por ela.

— Mirella. — Ele disse, levantando-se ao vê-la.

— Eu preciso falar com você. — Ela foi direta, cruzando os braços.

— Claro. O que foi?

— É verdade que você é o "Gabo"?

Gabriel ficou em silêncio por um momento, o olhar fixo no dela. Ele sabia que esse dia chegaria, mas não esperava que fosse tão cedo.

— Quem te contou isso? — Ele perguntou, a voz baixa.

— Isso importa? — Ela respondeu. — Eu só quero saber a verdade.

Gabriel suspirou, passando a mão pelos cabelos.

— Sim, Mirella. Eu sou o Gabo.

A confirmação caiu sobre ela como uma tonelada de tijolos. Apesar de já suspeitar, ouvir isso de Gabriel era diferente. Era real.

— Então todo esse tempo... você era o chefe do tráfico aqui? — Ela perguntou, a voz trêmula.

— Sim. Mas nunca menti para você sobre quem eu sou. Você só nunca perguntou.

— Eu não perguntei porque nunca imaginei algo assim! — Mirella exclamou, dando um passo para trás.

Gabriel a olhou com um misto de frustração e tristeza.

— Eu entendo que isso é um choque para você, mas não vou pedir desculpas por quem eu sou.

— Não é só sobre quem você é, Gabriel. É sobre o que isso significa. Você lidera um mundo perigoso, e eu já passei por coisas suficientes para saber o quanto isso pode destruir uma pessoa.

— E mesmo assim você estava aqui, vivendo nesse mundo. — Ele rebateu.

Mirella ficou sem palavras por um momento. Ele estava certo; ela havia escolhido aquela vida, ainda que por motivos diferentes.

— Eu preciso de um tempo para pensar. — Ela disse, finalmente, virando-se para ir embora.

— Mirella. — Gabriel chamou, mas não a impediu de sair. Ele sabia que ela precisava de espaço.

Enquanto isso, Heitor estava longe dali, lidando com as consequências de suas ações. Gabriel havia cumprido sua promessa de garantir que ele nunca mais tocasse em Mirella. Após o resgate, Gabriel fez questão de aplicar uma punição severa, deixando claro que qualquer tentativa de retaliação resultaria em algo ainda pior.

Apesar disso, Heitor continuava obcecado. Seu orgulho ferido e sua inveja de Gabriel alimentavam seu desejo de vingança, mesmo que ele não tivesse mais meios para agir.

— Isso não acabou. — Ele murmurava para si mesmo, enquanto planejava em silêncio, aguardando uma oportunidade.

Naquela noite, Mirella voltou para casa com o coração pesado. Sua mãe estava no salão principal, folheando algumas revistas, mas ao ver a expressão da filha, colocou tudo de lado.

— Mirella, aconteceu alguma coisa?

— Não é nada, mãe. Só estou cansada.

Clara percebeu que havia algo mais, mas decidiu não pressionar.

— Se quiser conversar, estou aqui.

Mirella apenas assentiu e subiu para seu quarto. Lá, sentou-se na cama, abraçando os joelhos.

Tudo parecia tão confuso. Ela queria acreditar em Gabriel, queria aceitar quem ele era, mas o peso de sua realidade a assustava. Por outro lado, também sabia que não conseguia imaginá-lo fora de sua vida.

Enquanto as lágrimas deslizavam por seu rosto, ela percebeu que estava em uma encruzilhada. E, pela primeira vez, não sabia que caminho seguir.

 O Dono Da Porra TodaOnde histórias criam vida. Descubra agora