Um dia de trabalho

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Afrodite

Me encostei na porta assim que o homem saiu, dei um longo suspiro. As lembranças da noite passada ainda vivas em minha mente, eu já queria sentir aqueles braços fortes em volta de mim novamente. Quase me bati mentalmente por ter feito aquele acordo estúpido.

Eu não tinha ido para aquela boate para arranjar alguém, como sempre fazia, na verdade era bem o contrário. Ontem eu tive uma briga séria com Hefesto, sobre Ares, que para variar não se importou com os meus sentimentos quando fui até ele para conversarmos.

Eu planejava fazer o que os mortais chamam de "afogar as mágoas", por isso eu estava na minha verdadeira forma e sem estar arrumada. Mesmo assim tive que dispensar uns sete caras que vinheram dar em cima de mim, a maioria bêbados e quase fiz o mesmo com aquele moreno, mas algo me impediu.

Talvez o jeito idiota com que ele chegou em mim, ou talvez aquele sorriso fofo, talvez seus belos e misteriosos olhos verdes. Ele era muito bonito e tinha um cheiro de mar, não se importava que o achassem bobo e era bem engraçado.

Balancei a cabeça voltando a realidade, talvez nos encontrassemos novamente, mas não seria agora. Olhei para a pia e estalei o dedo, instantaneamente os pratos já estavam limpos e guardados.

Me teletransportei para o meu palácio no Olimpo, peguei meu celular verificando as mensagens ou se tinha algo agendado, enquanto passava pelas conversas uma noticia apareceu. Normalmente eu não olharia, mas agora eu sentia que deveria ler.

Vi um breve resumo, aparentemente um ladrão havia invadido um banco e matinha alguns reféns em Los Angeles. Fiquei tentada a desligar o aparelho e esquecer isso, mas algo me impediu. Numa atitude que surpreendeu a mim mesma, eu me teletransportei para dentro do banco mantendo minha forma oculta.

Apareci no hall de entrada atrás de alguns guichês, ao meu lado direito vinte e três reféns estavam sentados com as mãos na cabeça, entre eles uma cena que partiu meu coração. Um homem de aproximadamente trinta e cinco anos, abraçava com proteção uma criança que parecia ser a sua filha, já que tinha o mesmo tom de pele chocolate e os mesmos traços faciais.

O assaltante parecia bastante nervoso, podia ler pela sua postura que era iniciante nesse ramo. Ele mal sabia como segurar a pistola G18 preta, além disso ele se mexia impassiente discursando sobre como não queria machucar ninguém e que se todos obedececem sairiam dali ilesos.

Enquanto isso podia ouvir a policia do lado de fora cercando o local e um homem berrando ordens. Aquilo parecia deixar o cara ainda mais nervoso, o clima era como se ali tivesse um barril de povora prestes a explodir.

- Está tudo aqui, Sr. - Um senhor gordinho, de paletó e com bochechas rosadas veio apressado na direção do assaltante, ele trazia consigo uma grande bolsa de transporte de valores.

- Deixe ai. - O assaltante apontou para um lugar um pouco a sua frente no chão.

- Aqui, Sr. - O senhor soltou a bolsa e depois se ajoelhou. - Agora por favor nos deixe sair.

- Para trás. - O assaltante ignorou o homem, que seguiu sua ordem sem resistência. Após uma breve olhada dentro da bolsa, o assaltante parecia estar mais satisfeito. Ele levantou o olhar encarando os reféns.

- Ai, cara. Por favor nos deixe sair. - Pediu o pai protetor. - Minha filha está doente, ela não pode passar por coisas muito estressantes. - O coração do assaltante estava congelado, então resolvi entrar em ação. Comecei a fazê-lo lembrar de sua infância com seus pais, que agora já eram falecidos.

Ele tinha sido uma criança muito amada, tinha um futuro grande pela frente se não tivesse feito escolhas ruins que o trouxeram até aqui.

- Por favor, cara eu não quero encrenca, só quero que minha filha fique bem. - Aquela proteção que o homem estava demonstrando, ele já tinha sentindo aquilo. Só tive que trazer tudo a tona para que ele amolecesse o coração.

- Tudo bem, você podem ir. - Ele deu espaço para que o homem pudesse passar, ele pegou a filha no colo e seguiu o caminho para a saída. Porém com sua mão tocou na porta ele parou, em poucos segundos tomou uma importante decisão.

Deixou sua filha sair com a promessa que a veria denovo, então se voltou para o assaltante que estava de costas para ele. Em pequenos passos conseguiu atacar o bandido, eles começaram uma pequena briga. Agora eu dei forças para homem, que era movido pelo seu amor por sua filha. Ele sentia que não poderia deixar outros possiveis pais ali.

A briga não durou mais que um minuto e terminou com o ladrão demaiado e o homem com um tiro no braço, porém vivo. Com o barulho do tiro a policia entrou no lugar e então eu senti que tudo estava bem, com um sentimento de dever cumprido voltei para o meu palácio no Olimpo.

Passei o resto da manhã evitando guerras, reunindo casais e abençoando uniões recém formadas, almocei sozinha enquanto ainda me concentrava em meu trabalho. Quando terminei já eram mais de três horas, decide me sentar no sofá e logo pensamentos tomaram a minha mente.

Refletia sobre como estava a minha vida, depois que vencemos essas duas guerras e eu perdi muitos filhos que nunca teriam a chance de viver um amor. Passei a me perguntar se eu estava vivendo um, quer dizer eu tinha Hefesto, ele era um bom marido no geral. Carinhoso, cuidadoso e parceiro, mas todos sabemos que ele preferia máquinas a contato pessoal.

Também tinha Ares, ele era impulsivo, muito sexy e as vezes era divertido. Mas nem tudo era perfeito, discutiamos direto pois ele não demonstrava nenhum sentimento, as vezes eu me perguntava se ele os tinha. Isso só acontecia é claro quando não estávamos fodendo, o que só me dava duas opções quando estávamos juntos, discutir ou fazer sexo.

E claro tinha os meus romances com mortais periodicamente, a maioria não passava de casos de uma noite e envolvia apenas a atração sexual, os que passava disso eram por causa de uma paixão repetina. Eu sabia muito bem a diferença de paixão e amor, acho que só queria me sentir amada.

- Olá, Afrodite. - Ouvi a voz grave de Hefesto, eu tinha acabado de me sentar no sofá da sala, que diferente do que os mortais pensavam não era rosa.

- Hefesto, não estou afim de discussões hoje, por favor. - Praticamente o implorei, fazia semanas que estávamos nesse impasse.

- Eu não vim discutir. - Ele se sentou e me olhou, parecia triste e abatido. Havia um mito de que ele era feio, mas eu discordava daquilo.

Ele era negro e robusto, seu rosto tinha traços fortes e másculos, era bem musculoso, porém andava um pouco desajeitado. Sua barba vivia chamuscada e quase sempre estava sujo de graxa.

- Então qual o motivo da visita? - Me voltei para ele, que dessa vez estava limpo, com uma calça simples e uma regata.

- Eu queria resolver isso tudo, não pense que me alegro de estarmos discutindo todos os dias. - Ele me olhava quase desesperado, o que fez meu coração se apertar.

- Eu sei que não. - Tentei sorrir, peguei a sua mão e fiz carinho eu seu rosto. - Eu só não quero decidir nada agora, acho que ambos precisamos de um tempo para refletir sobre o que queremos.

- De quanto tempo você precisa? - Ele mordeu o lábio inferior nervoso.

- Eu poderia te perguntar a mesma coisa. - Sorrimos, mesmo que meus olhos tivessem um pouco marejados.

- Eu concordo com esse tempo, desde que você não fique se agarrando com Ares por ai. - Ele pediu tomando um ar severo.

- Não se preocupe com isso. - Suspirei, ele me olhou confuso. Decidi que ele precisava de uma explicação. - Ares e eu não estamos em boas graças.

- Não posso dizer que estou triste com isso. - Ele deu um sorriso pequeno, eu ri baixo.

- Entendo perfeitamente. - Balancei a cabeça, dei um beijo em sua bochecha e nos levantamos. Para que eu o acompanhasse até a porta.

- Então, até qualquer dia. - Ele sugeriu um tanto incerto.

- Até, Hefesto. - Sorri gentil, eu realmente me sentia culpada por o ter feito sofrer. - E cuide-se.

- Você também, Afrodite. - Então ele sumiu em um flash vermelho. Passei o resto da tarde fazendo minhas tarefas, não que eu seja responsável só não queria ficar pensando em coisas desagradáveis.

Entre Luz E TrevasOnde histórias criam vida. Descubra agora