24. Sentidos dormentes

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O silêncio da sala me incomodava, mas só porque dentro da minha cabeça o barulho era insuportável demais para que eu simplesmente me acalmasse com a impossibilidade de externá-lo.

Eu nunca entendi o motivo pelo qual momentos como aquele não comportavam um relógio preso à parede, mesmo que timidamente. Sua ausência fazia com que todos os que compartilhavam do ambiente comigo levantassem suas cabeças já pesadas, desviando o olhar do papel cheio de significado abaixo de nossas mãos para analisar os pedaços de plásticos colados na lousa. A tipografia simples arrancava minutos preciosos do nosso tempo, mas ainda nos obrigar a calculá-lo sob um silêncio ensurdecedor que nos fazia esquecer até nosso nome parecia desonesto.

Faltavam duas horas do meu tempo, eu imaginei, pela distância entre o agora e a última vez que a mulher havia levantado-se da carteira onde estava. Eu havia treinado aquele momento vezes o suficiente para saber que estava dentro dos limites, mas meu estômago parecia abrigar um monstro faminto por estabilidade, o que eu não tinha no momento. Os rabiscos ao redor da folha denunciavam o quão rápido eu precisava calcular fórmulas que impregnaram no meu cérebro feito números de telefones de conhecidos.

A professora que mediava a prova arrancou mais uma fita da lousa. O barulho do plástico sendo amassado e em seguida arremessado na lixeira atraiu minha atenção subitamente. Suspirei, retornando meus olhos cansados para a folha. De vez em quando eu precisava fechá-los com força, me acostumando com a escuridão que as pálpebras me proporcionavam e sentindo o momento como um alívio para a minha vista fadigada. Mesmo assim, os segundos em que passava com os olhos fechados me lembravam do tempo que eu perdia daquele jeito.

Ignorei o limpar de garganta da pessoa sentada em minhas costas, segurando a caneta com mais firmeza. Durante os minutos seguintes, consegui ganhar significativos segundos ao meu favor, descartando alternativas que nunca poderiam ser consideradas e rolando minhas orbes com maestria pelos textos, absorvendo somente o necessário.

Menos um papel, menos uma hora.

Folheei a prova, como se de alguma maneira conseguisse enxergar minhas prováveis falhas. Sabia que não, mas a força do hábito me obrigou a sussurrar baixinho a ordem das alternativas conforme chegava até a metade.

Ergui o olhar. A professora levantava-se com mais frequência agora, retirando de mim não mais sessenta minutos completos, mas um quarto disso.

Não fui capaz de sussurrá-las até o final. Minha garganta dava indícios de que qualquer movimento não calculado a faria fechar lentamente, então deixei a caneta cair sobre a prova silenciosamente, voltando a fechar os olhos. Me sentia enjoado e gelado. Em contrapartida, não sentia a ponta dos meus dedos. Era um misto de sensações apuradas e sentidos dormentes.

Os quinze minutos que dediquei para que meu coração batesse de maneira regrada foram me arrancados mais uma vez, então eu voltei a abrir meus olhos e segurar a caneta entre os dedos. Transferi minhas respostas para o gabarito com cuidado, tentando não me prejudicar pela urgência que possuía em tirar aquele papel de uma vez por todas de minha posse.

Quando o tempo chegou ao fim e meu nome foi chamado, eu caminhei devagar até a mesa, me acostumando novamente com a sensação de movimentar as pernas. Foi me dada a permissão para ir embora, então eu agarrei minha garrafa de água completamente cheia e caminhei pelos corredores em direção à saída da escola. Não havia sido selecionado para realizar o vestibular na Chapae, mas a escola onde estava localizava-se na mesma avenida.

Assim que os portões entraram no meu campo de visão, assim como as luzes tímidas da cidade prestes a anoitecer, direcionei a água para meus lábios e esvaziei a garrafa tão rápido que tossi algumas vezes durante o processo, sentindo meu corpo me punir pela falta do líquido ao mesmo tempo que agradecia.

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