26. Epílogo

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Goyang parecia mais frio.

Não do tipo gostoso que me fazia rolar para o outro lado da cama, me aninhando ainda mais aos lençóis enquanto sentia o nariz dar sinais da sua insatisfação pelo tempo gélido. Não era reconfortante como colocar o meu moletom favorito e ir para a escola, escolhendo estrategicamente a carteira perto da janela, com o único intuito de observar a chuva caindo do lado de fora — isso enquanto procurava dividir minha atenção entre o conteúdo lecionado e tentar adivinhar o cheiro da grama banhada pela água do céu, mesmo que fosse o meu cheiro favorito.

Também não era inspirador, me fazendo gastar horas deitado de bruços no meu colchão, pensando em palavras bonitas para escrever uma música ou em um rosto simétrico para gastar a ponta do grafite contra o papel. Tampouco era sinônimo de preguiça e uma postura manhosa.

Porque quando chovia, o cheiro da grama de Goyang era mais forte do que o de Mokpo — era mais desafiador.

Quando chovia, o asfalto da rua que me abrigava conhecia primeiro as gotas oriundas das nuvens carregadas no céu, para depois familiarizar-se com os raios certeiros de Sol. Às cinco da manhã, Goyang ainda era coberta por uma camada densa e escura de noite, tão fria quanto o pico da madrugada. Por isso, meu guarda roupa comportava mais sobretudos e mais moletons, e não tinha um dia na semana em que eu não estivesse vestindo-os.

O sinal da avenida ganhou uma coloração avermelhada, então deslizei meus tênis pela enorme faixa branca interrompida por pedaços do cinza do asfalto, caminhando em direção a calçada com pelo menos meia dúzia de pessoas ao meu redor, todas com o mesmo destino que o meu. Do outro lado da rua, o ponto de ônibus estava como sempre esteve desde o momento em que ele passou a se tornar frequente na minha rotina: abarrotado de pessoas.

Me espremi entre as que estavam ali apenas passando, ficando mais a extremidade da nuvem de gente, longe o suficiente para não me sentir sufocado, mas perto o bastante para que minhas chances de voltar para casa sentado naquele fim de tarde fossem pelo menos consideráveis.

O tempo também parecia passar extremamente devagar em Goyang, especialmente em momentos como aquele: uma quinta-feira de inverno, véspera de um feriado, às dezoito horas, logo após um exaustivo dia de trabalho — cujo tempo de duração, todavia, era até que confortável.

Eu não possuía muitas ambições para quando terminasse a escola, então um emprego de meio período em uma lanchonete parecia... perfeito.

O dono era carismático na medida do possível, educado sempre e acanhado às vezes, mas nós tínhamos uma relação tranquila. O bairro não era perigoso e nem tão longe de casa, o que me inibiria de uma rotina extremamente cansativa. Os clientes fiéis gostavam de mim e os que encontravam o lugar por acaso pareciam ficar encantados pelo meu sorriso, então eu passei a sorrir mais desde que comecei a trabalhar. Era desesperador estar em contato com tantas pessoas ao mesmo tempo, mas minhas inseguranças se esvaíam pela necessidade. O estabelecimento possuía grandes janelas de vidro na entrada; quando chovia, eu observava o tempo frio por elas, ainda tentando adivinhar o cheiro da grama — dessa vez da grama de Goyang. Mas quando meu turno chegava ao fim e eu passava pelas portas, o cheiro nunca era do jeito que imaginava.

Entretanto, eu nunca desistia.

No caminho para o ponto de ônibus, os cheiros eram misturados com os que os carros que passavam por mim deixavam, e conforme as semanas passavam, eles ficavam mais comuns ao meu nariz.

A movimentação recente ao meu lado me fez atentar-me para o ônibus ao final da avenida, se aproximando de mim lentamente, após sair de um semáforo. Quando ele parou finalmente, me esforcei para me espremer entre os outros, pisando em alguns pés enquanto levava algumas cotoveladas na costela, mas nada que realmente incomodasse — o aroma característico que a grama molhada carregava, o frio congelante, as noites barulhentas e um cansaço regular haviam parado de incomodar há um tempo, na realidade, e apenas tornado-se parte da rotina.

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