21 | Falhas no que Restou de sua Mente

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Esse capítulo é dedicado a uma leitora maravilhosa que fez essa capa linda para ''Poeira Cósmica''. Obrigada a ela, todo meu amor e agradecimento, e obrigada a vocês por continuarem lendo, todos me fazem muito feliz. Boa leitura!

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O relógio provavelmente já marcava uma hora e poucos minutos de uma madrugada de sexta-feira enquanto Chaeyoung caminhava sobre a rua de terra do centro da cidade. O município que sempre estava agitado com mercadorias chegando, pessoas, poucos carros e charretes, no momento estava em absoluto silêncio, exceto pelos pequenos saltos da mulher batendo contra o chão e vez ou outra a respiração se alterando, tanto pelo frio que levemente começava a se fazer presente quanto pela inquietação. Além das aparentes marcas roxas embaixo dos olhos – o que denunciava que não dormia bem há dias –, suas mãos trêmulas seguravam o jornal aberto enquanto o vento frio batia contra seu corpo coberto. Enquanto lia as notícias, ela tentava encolher seu corpo no vestido bem fechado que havia optado por usar aquela noite. O frio ainda não incomodava, mas estava começando, o que lhe fez escolher um vestido marrom e branco, sendo de mangas compridas longas e possuindo alguns babados abaixo do pescoço, e então, da cintura para baixo, uma saia marrom também de babados até os pés. Notavelmente não estava usando espartilho por baixo ou por cima do pano e sua cintura de forma natural não era bem definida, mas ainda assim se achava bonita aquela noite. Além disso, em uma das mãos, enquanto segurava o papel áspero, também segurava encaixado entre os dedos uma pequena bolsa de couro com algum dinheiro.

Era bom poder estar pelas ruas depois de uma semana toda em casa sem mal se movimentar, já que havia menstruado e sua vida nesses momentos precisava parar complemente. Ao menos pegava algumas folhas, sua caneta tinteiro na escrivaninha ao lado e se perdia em rabiscos ou livros quando estava nesse período, mas nada como poder estar livre nas ruas, sem dores ou panos em sua região íntima.

– Desgraçado... – Chaeyoung exteriorizou seus pensamentos sem intenção enquanto lia e caminhava. – Não acredito!

Sua indignação se referia ao fato de o presidente Rodrigues Alves, apenas um ano depois de sua eleição, já estava expulsando a população mais pobre de seus casebres e cortiços para realizar a construção de estradas e outras obras públicas, o que fazia com que o povo se aglomerasse a beira da sociedade e começassem a formar as chamadas ''favelas''. Ao menos em outras partes ele estava cuidando bem da cidade, principalmente para que a epidemia de gripe amarela não voltasse à tona depois de cinquenta anos.

Chaeyoung suspirou imaginando o quão difícil deveria ter sido aquela época e então colocou sua bolsa e o jornal embaixo do braço para continuar caminhando. O quão desumano alguém precisa ser para expulsar uma população de algum lugar por transportes? É óbvio que a cidade estava precisando de novas obras e também de uma limpeza, já que o lixo as vezes podia ser visto em todo lugar, mas eram seres humanos e desumanidade era o que menos precisava em momentos complicados como aquele.

Foram muitos passos, um pouco de apreensão sobre as ruas escuras e algumas lufadas de ar para tentar se aquecer até que chegasse ao seu destino. Quando avistou a porta estreita de madeira com dois degraus baixos na frente, logo olhou para cima da fachada, vendo o letreiro de madeira escrito ''Taverna Martini''. Chaeyoung se certificou de que não estava sendo observada e subiu com cuidado os dois degraus, em seguida pousando a mão na porta velha de madeira e apenas a empurrando para que se abrisse sem força. O aroma de metal enferrujado, urina e gim de má qualidade instantaneamente invadiu suas narinas, o que não foi um empecilho para que ficasse do lado de dentro. Não sabia exato há quantos anos lugares como aqueles estavam ultrapassados – ou não – mas tinha curiosidade e precisava daquilo.

Poeira Cósmica | MiChaengOnde histórias criam vida. Descubra agora