39 | Oráculo dos Sonhos

773 120 64
                                    

Olá, leitores, tudo bem com vocês? Já faz um tempo desde que coloquei notas iniciais pela última vez, quase nunca tenho algum aviso, mas dessa vez este considero importante: em primeiro lugar, obrigada por ter lido até aqui, de verdade, muito muito obrigada. Em segundo lugar, esse é o penúltimo capítulo de Poeira Cósmica e é mais curto mesmo. Gostaria de contar isso aqui para que não cheguem ao final e se assustem com o ''FIM!'' no último capítulo hahaha. Sem delongas, espero que tenham uma boa leitura e que aproveitem cada palavrinha, okay?

↬ ❁ ↫

Um abraço sempre marca um início ou um término.

Em meados do início de dezembro, o verão aquecia o coração dos moradores do Rio de Janeiro, mas enlaçava Mina e Chaeyoung com ainda mais paixão. O calor envolvia a japonesa assim como os braços de sua parceira em sua cintura, enquanto suas mãos afagavam as costas dela em um ato tão caloroso quanto a estação.

Se um abraço pode também marcar a saudade além de inícios e términos, então Chaeyoung já a sentia antes mesmo de partir. Sua mala estava aos pés, esquecida até que o enlaço de Mina fosse suficiente – nunca era – e o sol queimava em suas costas enquanto o vento fraco balançava seu vestido azul claro. Sentia a respiração da parceira bater em sua nuca e seus pelos se arrepiarem finalmente pela última vez em uma semana, já que novembro havia deslizado pelo calendário e em um piscar de olhos estavam ali, se despedindo porque Chaeyoung iria até a editora em São Paulo, longe da cidade maravilhosa que era dona dos mais belos horizontes e, se abrigava Mina, então dona também das mais belas mulheres.

– Eu prometo que volto logo, meu amor... – sussurrou para a japonesa, com o queixo encostado em seu ombro e de olhos abertos, observando a fachada de sua casa.

Mina tinha o mesmo aroma de café de sempre. Chaeyoung queria suspirar, agarrá-la e beijá-la como um adolescente em seu último toque com seu primeiro amor, mas a charrete a esperava logo a rua para que seguissem caminho à estação, a impossibilitando de realizar tal desejo.

– Eu estarei bem aqui quando retornar, contando cada segundo para lhe ter de volta, não tenha pressa, Chaeyoung, vá e mostre seu talento.

A coreana sorriu, inspirando fundo para que seu coração se acalmasse. As duas logo precisaram se separar e, após tantos meses de convivência, seus corpos já pareciam sentir falta de outro tão próximo. Em um suspiro, Mina flexionou os joelhos para que alcançasse a mala de Chaeyoung e a pegou pela alça, em seguida encaixando nos dedos dela e mantendo um sorriso no próprio rosto. Seu coração apertava, era a primeira vez que ficariam tão distantes depois de suas almas se conhecerem, mas não poderia explicitar que desejava Chaeyoung assim, sem pausas.

– Obrigada, meu bem, pisque os olhos e eu estarei de volta.

– Espero que tudo ocorra bem, boa sorte e me escreva caso precisar de algo.

Chaeyoung pensou em pedir que, como em uma poesia, Mina lhe deixasse seu coração para que não precisasse mais de nada, mas não ousou ganhar um sorriso apaixonado em frente ao leiteiro que a esperava na charrete, portanto, se virou de costas, apertando os olhos devido a claridade e começando a caminhar. Saiu da calçada e logo estava próxima ao transporte enquanto Mina respirava fundo e apertava as mãos vendo a mulher que amava indo buscar seus sonhos, sem qualquer outra opção senão realizá-los.

Para subir, Chaeyoung pousou a mala no chão da charrete e segurou a mão do homem, puxando seu vestido para que não tropeçasse e sendo auxiliada pela força do outro. Uma vez com os pés no assoalho, soltou a barra da roupa e se sentou, puxando seus pertences para o colo e se segurando enquanto intercalava seu olhar entre os acenos de Mina e entre o cavalo começando a trotar. Seu corpo se movimentava junto com os passos do animal, bem como as garrafas de leite balançavam e se tocavam no compartimento traseiro, causando um som incômodo.

Mina odiava a ideia, mas precisava deixar Chaeyoung partir. Seu olhar acompanhou a ida do transporte pela rua, desviando das mercadorias que chegavam dos navios ao mesmo tempo que a velocidade aumentava, fazendo os cabelos médios da coreana insistirem em ir com o vento.

Havia ficado para trás, acompanhada da solidão e do silêncio que a casa se tornaria sem Chaeyoung, mas, por sorte, percebeu a movimentação e os sussurros fortes que começavam a preencher a rua. A passagem sempre havia sido considerada um atalho até a avenida principal não tão distante, mas existia algo diferente naquele momento. Primeiramente, nenhum homem fazia parte dos grupos de pessoas que seguiam o mesmo caminho, todas pareciam sussurrar entre si como se tivessem fugido de suas autoridades masculinas. Segundamente, levavam cartazes, imagens e a coragem de usarem vestidos de comprimento médio, um pouco abaixo dos joelhos para que seus tornozelos proibidos fossem explícitos. Eram cenas que brilhavam contra os olhos de Mina e que foram suficientes para que se lembrasse do cartaz entregue pelo carteiro no mesmo dia que a carta de Chaeyoung havia chegado. Ela não fazia ideia de quem havia pedido para que entregasse justo naquela casa e não estava convidada, mas já que a coreana não poderia comparecer, não hesitou em preencher seu lugar. Mina voltou logo para dentro, correndo enquanto segurava a barra de seu vestido e trazendo para si a atenção de algumas curiosas. Para alheias, não havia motivo plausível para que uma grávida de provavelmente sete ou oito meses estivesse correndo. Era perigoso.

O vidro da porta vibrou com a força com que foi fechada e a japonesa se dirigiu até o quarto que dividia com a parceira, sem pensar duas vezes antes de retirar seu vestido para colocar o espartilho que segurasse melhor sua barriga. Seus planos consistiam em ficar em pé por algum tempo, então aquela seria uma ajuda necessária. Após vestir seu traje novamente, desviou do berço ao canto do espaço e chegou até o guarda-roupa, procurando entre os materiais de Chaeyoung uma folha que fosse grande o suficiente. Algumas canetas tinteiros e outros papéis caíram ao chão até que encontrasse algo que lhe agradasse. Mina pousou o papel em cima da escrivaninha de Chaeyoung e tratou de se concentrar, colocando a língua entre os dentes antes de abrir seu coração e transformá-lo em revolução.

Após segundos de certo desespero, correu até a porta novamente e saiu de casa, deixando para trás o silêncio que tanto temia para se juntar aos ruídos que começavam a tomar conta do centro do Rio de Janeiro. Dentre a multidão, seus pés caminhavam confusos sob uma nova experiência e uma única direção, seguindo as outras mulheres em uma mistura de orgulho e paixão.

Chaeyoung já estava ao longe, provavelmente perto da estação de trem e preparada para seguir viagem, mas Mina estava ali, liberta de qualquer pessoa ou algo que lhe impedisse de estar em uma manifestação feminista, a mesma indicada no cartaz que chegara junto com a carta de Chaeyoung e que tinha remetente anônimo. Além disso, o barulho alto chegava aos seus ouvidos pela primeira vez sem reclamações. Vozes, buzinas, colheres batendo contra panelas e gritos – os ainda mais altos vinham de seu interior – preenchiam grande parte do que acontecia em toda cidade. Em certo momento, fechou os olhos e se imaginou rodando por um palco como fizera pelo chão da sala de Ballet em sua última aula, mas, dessa vez, uma plateia parecida com que a que Chaeyoung tivera e seu filho ou filha acompanhando com o olhar. Os olhos pequenos da parceira e os tão claros do filho brilhavam na escuridão de um teatro lotado.

Um sorriso escapou para que, ao longe na multidão, uma estudante de filosofia veja um cartaz que se destaca tanto quanto aquele sorriso: ''Não desejo que as mulheres tenham poder sobre os homens, mas sobre si mesmas.'' Segundo sua memória, a frase era de Mary Wollstonecraft e provavelmente havia marcado outra vida tanto quanto a dela. Não hesitou em se aproximar, vez ou outra batendo o ombro em ombros alheios e se desculpando pelos tropeços, mas finalmente chegando à mulher. Os olhos pequenos denunciavam que ela passou a pertencer àquele país em algum momento de sua vida e a gravidez debaixo do vestido mostrava que algo a mais lhe segurava naquele continente, bastava descobrir se seria o marido que lhe tornara mãe ou, naquele momento, o ideal pelo qual lutava. Os dois aspectos não pareciam coincidir. A estudante ajeitou a prancheta nas mãos, empurrou os óculos redondos para trás em seu nariz e pigarreou antes de começar:

– Com licença, senhora... – chamou a atenção dela. – A senhora se importa em responder apenas uma pergunta? Eu gostaria de concluir um trabalho na faculdade...

A asiática balançou a cabeça, pedindo indiretamente para que a desconhecida continuasse:

– Como você se sente estando aqui?

O sorriso foi ainda mais amplo. Ela respondeu sem refletir muito:

– Livre.

Poeira Cósmica | MiChaengOnde histórias criam vida. Descubra agora