30 | Mentes à Deriva

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O aspecto mais triste de ser julgado é entender que todos os olhares também carregam pecados, mas que são ignorados quando o maior deles é ser novo demais e já saber amar.

Son Chaeyoung andava de cabeça baixa pelas estradas de terra do Rio de Janeiro. A barra de seu vestido vez ou outra se arrastava na areia quando se distraia e esquecia de puxá-lo para cima, o que talvez denunciasse que ela estava pensativa enquanto puxava consigo um carrinho de metal contendo suas compras do mês. Antigamente, parecia adorar perder tantos minutos no supermercado escolhendo os itens e mantimentos baratos que levaria para casa, mas agora, esse prazer havia se tornado apenas mais uma função que teria que cumprir ou não sobreviveria. Aliás, nas últimas semanas o carrinho sempre voltava repleto de doces, cafés para se manter acordada, cerveja, e vinho, é claro.

O sol daquele fim de tarde podia refletir com intensidade em suas compras, mas o que queimava mesmo eram os olhares maldosos em todo seu corpo enquanto voltava para casa. Chaeyoung sabia que suas suposições não estavm erradas, ela entendia exatamente o que todos os olhares de canto, os narizes torcidos e os sussurros que os moradores dividiam eram sobre ela.

Apertou com força a alça do carrinho em sua mão, andando rapidamente e evitando ao máximo o contato visual com os comerciantes indo de um lado para o outro, passando por si com velocidade. Sentia que não a enxergavam mais como um ser humano passível de erros, mas apenas falhas personificadas que deveriam ser olhadas, apontadas e julgadas, seja internamente ou compartilhando aqueles rumores com outras pessoas. Ela desejou pela primeira vez que seu amor fosse falso e quebrável, que pudesse tirar aquele sentimento de seu corpo como trocava de vestido e – as vezes – de espartilho.

Andando o mais rápido que pôde, não demorou até que estivesse na calçada de sua casa, portanto, pegou a chave e se dirigiu ao portão pequeno, logo colocando o objeto e girando para ir em direção a porta. Isso, é claro, se sua atenção não se voltasse ao homem atravessando a rua e se aproximando. Era Jeong-Hoon, com as mãos dentro dos bolsos traseiros de sua calça mostarda e caminhando mais rápido que o comum. Seus poucos fios lisos estavam bem penteados e vê-lo de longe já explicitava que ele havia tomado banho há pouco tempo, talvez tivesse se encontrado com alguém.

– Olá...? – o cumprimento saiu mais como uma pergunta. Chaeyoung estava surpresa por vê-lo em uma quinta-feira a tarde.

O barulho da chave na fechadura ecoou também para o lado de fora, o que fez Jeong-Hoon entender que ela também tinha acabado de chegar ali, assim como ele.

– Oi, Chaeyoung... – respondeu desanimado. – Poderíamos conversar?

– Claro... – respondeu confusa.

Quando a porta foi aberta, embora estivessem no inverno, sentiram todo o interior do primeiro cômodo abafado e o aroma de madeira alcançou as narinas dos dois. Ela adentrou a casa primeiro, deixando seu carrinho ao lado da porta e se importando mais em saber os motivos que levavam seu irmão até ali. Já ele continuou calado, vez ou outra coçando a cabeça e parecendo tão confuso quanto ela estava. Um café foi oferecido para ajudar a quebrar o clima estranho, mas foi negado pelo mais velho.

Chaeyoung pensou em se sentar no sofá, mas ao invés disso, apontou sua mão para a mesa de jantar ao lado da sala, dando a entender que seria melhor se conversassem ali, um de frente para o outro. Jeong-Hoon então finalmente se movimentou, se dirigindo até uma das cadeiras e se sentando, não parecendo nada confortável e sentindo seu corpo suar dentro da blusa de botões branca e seus suspensórios. A irmã fez o mesmo, se sentando logo na cadeira em frente da dele e esperando que o homem começasse seu discurso.

– Mal sei como começar... – ele esfregou a palma da mão em seu cabelo sem fazer contato visual. Toda sua musculatura parecia tensa. – Eu e Pedro estávamos hesitando em lhe dar essa notícia, mas saiba que sentimos muito...

Poeira Cósmica | MiChaengOnde histórias criam vida. Descubra agora