Ninguém, em hipótese alguma, pode fugir do amor e da morte.
Embora o ser humano deseje em algum momento de sua vida nunca mais amar ou não precisar lidar com toda melancolia que envolve um luto, não há como fugir dos sentimentos mais inerentes da alma. Em tempos como os de Mina, se a sorte lhe rondar, poderá ter um grande amor e viver bem para sempre, mas se não possuir voz o suficiente, viverá tão infeliz quanto qualquer outra mulher prometida ou escolhida pelo homem errado.
A igreja em que ela se encontrava era grande, mas não o suficiente para que o ar circulasse direito nos dias em que as missas não aconteciam e as janelas permaneciam fechadas. Apesar de todos os panos de seu vestido totalmente preto e do aroma forte de madeira do ambiente, Mina não sentia mais do que apenas angustia. O calor – mesmo que fosse inverno – não a incomodava nenhum pouco.
Os sussurros eram os únicos sons audíveis que ecoavam pelo ambiente além do sino no topo que vez ou outra indicava os horários. Por ser a única ali, ajoelhada no altar da igreja e com um terço entre os dedos, suas orações que eram proferidas no mais baixo tom podiam ser ouvidas como ruídos até a porta da grande igreja. Além disso, tudo estava escuro porque de todas as janelas, apenas uma estava aberta bem a sua esquerda, fazendo com que seu corpo fosse iluminado apenas de um lado. A iluminação não era um problema, já que ela havia acendido algumas velas quando chegou pela manhã daquela sexta e não tocaria nas janelas porque não sabia se podia abrir e porque estavam empoeiradas.
Aliás, naquele instante Mina estava exatamente como qualquer outra pessoa que sentia a morte de um ente querido. Era exatamente daquela maneira que a sociedade se configurava quando algo que não estava nos planos acontecia. Era nos últimos suspiros, no último resquício de sanidade e no primeiro desespero que recorriam à Deus como única ajuda possível. A mente dela não estava exatamente focada no momento, porque entre as orações e os pedidos para que Deus a perdoasse e salvasse Ezequiel, seus pensamentos vagavam e lhe fazia se perder nas palavras. A noite inteira havia sido dessa forma em sua casa. Ela fechava os olhos por meia hora, levantava, andava de um lado para o outro, pensava em Ezequiel, rezava, fechava os olhos por mais alguns minutos e o ciclo se repetia. Quando a manhã chegou, não se alimentou com mais do que um pedaço pequeno de pão e muito café para que ficasse agitada e então se dirigiu a igreja, recebendo alguns olhares curiosos e os sentimentos de alguns que a conheciam. O véu preto cobrindo seu rosto e o vestido da mesma cor explicitavam um dos piores acontecimentos de sua vida para todos os desconhecidos na rua. O fato é que, não sentir mais algo amoroso por alguém não significava odiá-lo, ela sentia compaixão apesar de tudo, porque, afinal, era humana, demasiadamente humana.
Os últimos fragmentos de seu marido estavam próximos de si pousados no primeiro banco da igreja: suas palavras organizadas nas linhas imaginárias de uma carta suja de terra que ele escrevia e havia sido interrompido. Mina caminhara com a carta o dia todo por dois motivos: um, as vezes lia suas últimas palavras novamente, mesmo que doesse, mas apenas para procurar alguma informação que havia deixado passar; e dois: e se por estar na igreja Deus não pudesse ver aquilo e perdoá-lo de seus pecados para que ele entrasse no paraíso? É claro, Ezequiel provavelmente havia matado alguns soldados inimigos, ela não fazia ideia de quantos, mas era necessário e ele não era um homem mau, ao menos era assim que o enxergava.
Mina mudou o dedo de bolinha no terço, começando a próxima ave-maria quando algo a distraiu. Seus olhos foram abertos e ela segurou o objeto com toda a mão, se perdendo na contagem quando passos pesados e desesperados começaram a ressoar em eco por todo o espaço. Virou a cabeça, deixando com que seus cabelos girassem junto com seu movimento, e observou por trás do véu preto a figura feminina que andava rapidamente, com um vestido simples marrom e de cabeça baixa, praticamente deslizando até ela pelo tapete vermelho.
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Poeira Cósmica | MiChaeng
FanfictionPor meio do samba, das exímias histórias de Machado de Assis, do futebol, das praias tropicais e da água de coco encontramos Son Chaeyoung, a estrangeira residente na cidade do Rio de Janeiro que, além de participar de uma banda, também cria novas h...