Três semanas após o festival, as poesias de Chaeyoung já estavam distribuídas pelas mesas da editora de Joaquim, com algumas marcações e sugestões de correção. Anteriormente, o proprietário havia enviado uma primeira carta que indicava o endereço em São Paulo juntamente com algumas instruções para que os processos de escolha e de envio ocorresse perfeitamente. Chaeyoung descobriu que a editora levava o sobrenome da família dele bem como a maioria dos outros estabelecimentos brasileiros, Editora Carvalho soava bem e a fazia imaginar seu nome acima deste em uma capa bem desenhada.
Quando a resposta sobre seu portfólio chegou, Mina estava sentada no sofá da sala, com as pernas separadas, as costas desconfortáveis, vestindo algo simples após sua primeira aula de Ballet e com ''Uma Reivindicação pelos Direitos da Mulher'' aberto na mão que não usava para se refrescar. Além disso, mesmo com os raios solares ultrapassando as cortinas e esquentando seu corpo naquele meio de tarde, uma xícara de café acompanhava sua leitura sendo equilibrada no braço do estofado livre ao lado. Nem o calor fazia com que recusasse aquele gosto amargo e forte que se tornara um vício há muito tempo, especialmente se era preparado pelas mãos habilidosas de Chaeyoung.
Enquanto passeava os olhos por cada palavra revolucionária de Mary Wollstonecraft, Mina sentiu algo se mover dentro de si. Ela desceu a mão que a abanava para tocar seu abdômen e abaixou o olhar, dando atenção para aqueles novos movimentos. Quanto mais parecia se importar e tocar a região, mais chutes fracos eram sentidos, o que a fez soltar o livro no sofá sem marcar a página em que estava e encostar as duas mãos na pele quente que separava ela de seu filho. Quando se levantou, andando de um lado para o outro lentamente, desejou chamar Chaeyoung para que ela também sentisse seu filho viver e agir, mas não o fez, não gostava de atrapalhar os momentos solitários dela no porão. Chaeyoung sempre estudava, escrevia, organizava seus pensamentos ou limpava o espaço. De qualquer forma, o bebê se movimentaria novamente e – com sorte – a próxima vez seria vista e sentida por Chaeyoung.
– Vamos, filho, faça de novo... – a voz saiu em um sussurro pela sala. Seus pés ainda se movimentavam ansiosos de um lado para o outro, mas os carinhos não funcionaram daquela vez. – Filho...?
Mina percebeu que, mesmo desejando que tivesse uma garota para que mais uma mulher crescesse bem educada e perpassasse os ensinamentos necessários de Chaeyoung, ela sempre se referia ao bebê como filho. E se fosse mesmo um garoto? Qual nome escolheria? O que exatamente precisaria ensinar para um homem?
''Senhorita Chaeyoung!''
Mina piscou algumas vezes ao ser expulsa de seus próprios pensamentos. Aquela voz desconhecida vinha do exterior da casa, portanto, caminhou até a porta, tentando, pelo vidro, entender a quem pertencia aquela silhueta. Os tons de laranja e amarelo do início do verão ultrapassavam o vidro da porta, já esquentando seu rosto, o que a fazia enxergar apenas um borrão escuro do lado de fora. Ela precisou desconectar sua mão de seu filho e levá-la a maçaneta, girando e logo revelando quem era o indivíduo que procurava por Chaeyoung. Agora, o sol esquentava todo seu corpo mesmo com um vestido simples rosa, mas não voltaria para dentro para colocar seu traje preto. Além de esquentá-la ainda mais, não queria mais provar nenhum luto a sociedade. Que vissem seu rosto saudável e sem nenhuma olheira, que a vissem trajando tons coloridos, que a vissem!
– A Chaeyoung está, senhorita? – a mesma voz questionou.
Mina levou a mão até a testa para barrar a luz e espremeu o olhar, descobrindo que era o carteiro. Ele estava apoiado na mesma bicicleta prata de sempre, usando o mesmo traje amarelo e com a mesma bolsa marrom de lado lotada de cartas.
– Ela está ocupada, há alguma carta hoje?
– Sim... – ele procurava algo dentro da bolsa sem nenhum contato visual com a japonesa a frente. – Parece importante, pode entregar diretamente a ela?
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Poeira Cósmica | MiChaeng
FanfictionPor meio do samba, das exímias histórias de Machado de Assis, do futebol, das praias tropicais e da água de coco encontramos Son Chaeyoung, a estrangeira residente na cidade do Rio de Janeiro que, além de participar de uma banda, também cria novas h...