Se havia algo do Brasil que Mina aprendera a apreciar desde muito jovem, isto era a tradição que as famílias tinham de viver as refeições em sua totalidade. Não importava se estavam acompanhadas por todos os membros ou por amigos, a mesa sempre estava repleta de alimentos, conversas e alegrias. Aliás, ela não conseguia esconder seu sorriso sentada à mesa, porque se havia outro algo que aprendera a apreciar por aquelas terras, isto era Son Chaeyoung.
Não era novidade que a outra possuía algumas manias, principalmente para escrever, mas a mais fofa entre elas era, sem dúvida alguma, balançar a cabeça de um lado para a outro e praticamente dançar ao apreciar uma boa comida. Sentadas uma de frente para a outra, Mina observava Chaeyoung levando o garfo com feijoada até a boca e inquieta imersa em seu mundo. Se desligava de seu exterior ao fechar os olhos e focar unicamente no sabor delicioso em sua boca, Mina gostaria de fazer o mesmo.
– Está tão gostoso assim? – questionou sorrindo e tampando sua boca, seus olhos brilhavam com as reações da outra.
– Uhum!
O restaurante – quase bar – em que estavam, era afastado do centro da cidade, o que fazia com que o prato mais caro custasse o mesmo da entrada de um restaurante chique. O espaço, apesar de escuro e não tão bem frequentado, não era um problema, tendo em vista que precisavam ir aos menos conhecidos para se camuflarem na sociedade. De qualquer forma, alguns olhares confusos dos transeuntes pelas calçadas pairavam sobre seus corpos enquanto se perguntavam se aquelas mulheres eram as mesmas dos boatos na Florian. Quando estavam juntas, mal percebiam, aquele tipo de descaso já não afetava mais.
– E o seu sanduíche? Está bom? – Chaeyoung rebateu por educação ao engolir.
Mina observou por debaixo do véu preto seu sanduíche de queijo, tomate e orégano antes de também soltar um ''uhum'' como resposta. Nas últimas semanas, Chaeyoung havia percebido que ela se alimentava mais e que às vezes quase implorava para comer algo específico, o que fazia com que a coreana saísse correndo até o supermercado para satisfazê-la. Mina se desculpava logo após seus desejos serem saciados, se achava um incômodo ao perceber o desespero, mas parecia não ter controle sobre aquilo. Por sorte, naquela sexta-feira em que haviam combinado de se encontrarem, sua vontade de sanduíche de queijo foi saciada. Chaeyoung se certificou de andar um pouco mais rápido para chegar até o restaurante após suas aulas da manhã, e Mina deixou a residência compartilhada dez minutos após terminar suas leituras rotineiras, bem quando o relógio indicava que Chaeyoung estava indo embora da faculdade. Sabia que os amigos dela, inclusive os que tinham frequentado a casa em seu aniversário, já não estavam mais ali para fazer companhia ou ajuda-la no que precisasse, então gostaria de mostrar ainda mais que poderia ser a metade que lhe faltava.
– Sequer me lembro da última vez que tive um sanduíche tão bom... – completou ao engolir um pedaço e puxar o copo do refrigerante que dividiam. Era uma das tantas vezes que o sanduíche entrava por debaixo do véu e logo saía para que ela o devorasse.
O silêncio que se instalava conforme se calavam para continuar comendo não era incômodo, pelo contrário, eram as primeiras pessoas com quem pensavam que não precisariam conversar qualquer futilidade para parecerem boas moças. Chaeyoung não se sentia pressionada a falar de seu dia e responder que estava bem, ela estava, e sua aura deixava isso claro. Já Mina se sentia aliviada por não precisar perguntar para quem a acompanhava como tinha sido o dia no exército ou se o café estava doce o suficiente. Chaeyoung deixava tudo mais leve e parecia gostar dela como ela era, sem tirar nem pôr, sem nenhum roteiro que a sociedade exigia.
Pela simplicidade do local, alguns moradores de rua ou alcoólatras entravam ali para fazer uma refeição acompanhada de qualquer bebida forte, mesmo que o relógio marcasse apenas meio dia, mesmo que o sol ainda castigasse as peles. Mina distraia Chaeyoung fazendo caretas ou oferecendo seu sanduíche, mas a coreana já não se atraia mais pelo cheiro do álcool e sua garganta já não ficava mais tão seca. No fundo, agora ela sentia pena por ver aqueles velhos que provavelmente desperdiçaram uma vida toda naquele vício, pena por não terem alguém para ajudá-los e que aquele tipo de comportamento era normal para um homem. O único aspecto triste era ver que mesmo destruídos pelas consequências de um vício, eles ainda tinham o ódio forte o suficiente para destilarem os olhares mais vazios e perdidos ao verem duas mulheres almoçando juntas, mas sozinhas, sem a companhia de um homem, e uma delas ainda de luto, que era explícito nas vestes pretas.
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Poeira Cósmica | MiChaeng
FanfictionPor meio do samba, das exímias histórias de Machado de Assis, do futebol, das praias tropicais e da água de coco encontramos Son Chaeyoung, a estrangeira residente na cidade do Rio de Janeiro que, além de participar de uma banda, também cria novas h...