Tanjiro III

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Tolice, não lhe convinha a muito tempo, a ingenuidade há muito deixou de ser uma característica sua. A realidade, era mais cruel que qualquer deus sombrio e ele aprendeu a lidar com, afinal, era o que restava ou a outra opção, seria, enfim, sucumbir a vontade de apreciar o amanhecer, sentindo o toque quente do sol que despontava no distante horizonte.

A pesar dos pesares, como uma maldição, ele não pode afastar a centelha de esperança, mesmo que aquela não fosse a primeira vez, nem a décima ou centésima. Nesses séculos que se foram, muitas vezes ele tentou e sempre o mesmo resultado o confrontou, uma negação desilusoria.

Ele forçou o bolo que se formava em sua garganta, com os dentes pressionados com força, enquanto a fugaz esperança entrava em confronto com a raiva e tristeza. Seu olhar fixo ao desafortunado oni a sua frente, trêmulo e pronto para uma fuga desesperada.

Tanjiro lembrava dele, tão velho quanto ele mesmo, mas incapaz de tornar-se tão poderoso quanto. Ele esteve lá naquele dia, apenas um dos poucos figurantes que compuseram aquele realidade de pesadelos. Aquele oni, também era o último, todos os outros foram caçados e tratados, mas nenhuma deles pode lhe dar a informação que almejava.

- Se tentar fugir, irei esfolá-lo, então o deixarei curar, antes de repetir, indefinidamente, até que só haja dor.- A raiva estava ganhando, esfriando seu sangue e nublando sua mente.

Em outro momento, ele poderia se sentir mal por sua sede de sangue ou o prazer sombrio que lhe tomou ao ver o oni tremer, mas não aqui, não mais. Seu eu humano, nunca faria algo como aquilo, porém, já fazia muito tempo que a humanidade lhe abandonou. Por mais que tentasse preservar qualquer moral e senso, os séculos os borrou, criou brechas e rasuras. Nada era imutável, não importava o quanto sua própria existência parecesse contradizer isso. Por fora, ele poderia manter a mesma aparência de uma década antes ou mesmo, séculos, mas por dentro, a cada momento, algo se desfazia e nascia.

O oni soltou um som lamentável, terror deformando ainda mais suas feições já terríveis. O cheiro azedo do medo lhe trouxe satisfação, Zero deu um única passo a frente e o outro desmoronou, trêmulo além da conta, enquanto lágrimas e muco se acumulavam sobre o chão de terra batida.

- P-por fa-favor meu-u se-senhor, te-enha-a pi-pieda-de-e!!!- Sua voz estava quebrada e aguda, incapaz de formar palavras completamente coerentes.

Um risada deixou seus lábios, sua raiva, se convertendo ainda mais, em uma diversão fria.

- Como os poderosos caem.- Seu tom continou cortante, trazendo a sensação de um maçante inverno.- Dá última vez que nos vimos, estava tão arrogante, mas não passa de um ser miserável, afinal.- Lentamente, Tanjiro estendeu sua mão, as garras negras como obsidianas quase se mesclando a noite. Sem delicadeza, ele segurou os fios sujos do outro, com um forte puxão, ele o ergueu, enquanto o oni, por reflexo, tentava remover seu aperto de ferro, suas próprias garras em uma tentativa inútil de perfurar a pele.

"Você é como uma detestável barata, não difícil de matar, apenas bom em escapar e se esconder. Tive bastante trabalho para o localizar, mas, bem, não importa agora. Diga-me, onde ela está?"- Um rosnar pontuou sua pergunta, suas garras afundado mais naquele emaranhado, perfurando como se fosse manteiga a carne abaixo.

Um grito de dor foi a resposta, Tanjiro não foi paciente com a demora, a raiva que com tanto cuido ele escondeu, estava o sobrepujando. Ele o lançou, a velocidade e força fizeram seu corpo se chocar dolorosamente com as árvores, as fazendo rachar, espalhando lascas de madeira, como pequenos projéteis, que se alojaram impiedosamente a pele, já rasgada pelo impacto. O desprezível ser, tentou se erguer, em desespero para fugir, mas agora que Zero o tinha, ele não o deixaria mais ir, era seu fim, independente da resposta que desse.

Em um instante, Tanjiro tinha a lâmina de sua espada perfurando o peito ossudo, a carne azulada estava rapidamente se tornando carmesim. O outro sequer notou a espada, muito menos a viu ser sacada ou o movimento que o apunhalou, estava além de suas habilidades. Todavia, o que realmente o levou a beira da loucura, com aquele medo irracional que o tomou por completo, foi a cor negra como carvão, com Kanjis para caçador, ricamente esculpido a mesma.

- Agora, responda.- Suas palavras foram enfatizadas pela remoção da lâmina e uma nova ferida, agora mais próxima a garganta.

- Eu direi! Eu direi! Não me mate, eu imploro! Por favor! Por fa...- Sua lamúria foi interrompida por uma nova e mais forte dor, seu berro feriu sua garganta, ao mesmo tempo que seu corpo foi dividido em dois.

- Na próxima, será sua cabeça a rolar.- Não havia piedade naquele olhar rubi, nenhum tom de lilás. A brisa agitou os brincos de hanafuda, jogando os fios ruivos para trás, espalhando o opressor cheiro de sangue.- Para onde ele a levou?

Estava lhe custando tanto auto-controle não acabar com aquilo de uma vez, contudo, era preciso, foram mais de 400 anos, apenas um pouco mais agora. Então, ele mataria aquele ser miserável, teria a informação necessária para achá-la e poderia se regozijar com uma ilusória sensação de paz. No limite, ele já estava lá a muito tempo.

- Ele não a levou!- O oni gritou.

- Mentira!- Tanjiro rosnou.

Não. Não. Não. Não poderia ser como das outras vezes, alguém, qualquer um, tinha que ter uma resposta.

- Onde ela está?- Um pouco de seu despero vazou, aumentando seu tom.

- É a verdade!- O oni gorgolejou, o sangue subido e transbordando por seus lábios.- Naquele dia, o mestre a deixou na campina, ela não acordava, ele estava com raiva de sua inutilidade e o sol começava a nascer. Não ficamos para ver, mas não havia mais ninguém lá, quando a noite veio novamente. Apenas um fraco cheiro de cinzas.- A cada palavra, um zumbido aumentava na mente de Tanjiro, ele não queria continuar a ouvir, ele não podia, não podia ser, não! Não! Não!- Ela está mor...

A lâmina negra cortou a garganta da criatura, a própria arte demoníaca de Tanjiro, fazendo chamas purpuras iluminaram a noite, enquanto o corpo do oni se desfazia. Ele deu dois passos para trás, o cheiro de cinzas tomando o lugar do sangue. Ele sufocou, o zumbido aumentando mais.

Não podia ser verdade! Não podia ser verdade!

Ele continuava sendo um tolo ingênuo, não importava quantos séculos passaram ou o quanto ele já viu, nada mudou realmente. Zero não queria pensar, contudo, quando mais ele tentava afastar, mais sua mente era tomada.

Nunca houve um encontro ou vislumbre de sua presença, apenas o cheiro, algo que poderia ser forjado. Seus olhos quimavam, lágrimas desfocando sua visão. Seu peito doendo, como se suas costelas o perfurasse.

Não! Ainda não! Ele não poderia ceder ainda! Era apenas as palavras de um demônio a beira da morte. Devia de ser, apenas as mentiras desesperadas de um moribundo ou uma última tentativa de desferir dor ao seu algoz. Ele tinha que ter certeza. Tanjiro, precisava encontrar Muzan.

Lágrimas Ininterruptas (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora