Tanjiro XII

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Estava quente, ele podia sentir os raios suaves sobre a pele exposta, seu sangue pareceu correr mais rápido e energia zumbia em si. Passar de uma forma a outra, foi um deslizar suave, natural e preciso. Como oni, ele não transpirou, sua pele não escureceu mesmo estando tanto tempo lá fora, insolação e queimaduras eram curadas antes de se manifestarem de fato.

O treino era algo com o que ele não se preocupava a muito tempo, agora, por outro lado, ele apreciou o exercício, era uma distração. Tanjiro gostava de sentir o sol, estar lá fora, poder ver tudo muito verde e claro, não apenas escuridão e luzes suaves. Além disso, qualquer força a mais era apreciada, uma garantia maior de por fim a Muzan.

- Kamado-san.- A voz suave chamou-lhe, um pouco surpreso, deu-se conta de o quanto teve seus pensamentos dispersos.

Não era a primeira vez, em realidade, aquilo vinha se repetindo por vezes o suficiente para preocupá-lo. Poderia ser uma consequência do laço rompido com Mudaz? Não parecia ser isso. Sua mente continuava a se dispersar, sua atenção se voltando para algo que ele não conseguia alcançar. A confusão adjacente o deixava frustrado e curioso, se persistir, talvez tornasse um problema real.

Com um suspiro baixo, ele fechou seus olhos por um segundo, recompondo-se, antes de trazer sua atenção para Kanae.

- Sim?- Perguntou.

A hashira cantarolou ao se aproximar mais, seu olhar fixo a ele. Tanjiro gostava da companhia de Kanae, após suas interações iniciais, manter um diálogo com ela tornou-se mais fácil, a estranheza sumindo aos poucos. Ela, Mitsuri e Tomioka, eram bons ouvintes, em especial o último, ele sempre o ouvia tagarelar sobre qualquer coisa. Antes que se desse conta, mais de uma vez se viu relembrando bons momentos, de um tempo mais simples, quando ainda era humano e sua família estava viva.

Ele nunca falou de seu tempo como Zero, em partes por não querer lembrar, bastava os pesadelos. Havia também, aquele temor de perder um dos poucos que ainda estava ao seu lado, disposto a ouvi -lo, mesmo que fosse apenas por curiosidade.

- Você parece mais pensativo hoje, algo está errado?- Kanae era astuta, não era surpresa que houvesse notado.

- Sinceramente, não sei, sinto como se estivesse perdendo algo importante.- Ele admitiu, observando um toque de preocupação e cautela, tomar suas feições e olhar.

Em momentos assim, ele gostaria de poder ser mais aberto, se despojar da cautela, confiar nesses novos companheiros, buscando seus concelhos e apoio. Contudo, a realidade era mais complicada, foi instintivo se afastar, como um animal familiarizado com a dor, incapaz de confiar por completo. Tanjiro não podia se iludir, pensando que Kanae, Mitsuri ou Tomioka, eram seus amigos, eles só estavam cumprindo seus papéis, aquilo era o esperado, um acordo, uma promessa, um dia o prazo iria expirar.

- Bem, não é nada para se preocupar.- Ele tratou de sorrir, acenando para afastar a atenção de suas palavras anteriores.- Estou curioso, entretanto, você não costuma vir quando estou praticando, há algo?

Por um segundo ele a vê hesitar, mas por algum motivo, ela deixou de lado a questão anterior. Tanjiro não sabe o porquê, mas se sente aliviado e ainda sim, triste.

- O treinamento está indo bem, nossos caçadores tem sido dedicados, alguns alcançaram o último estágio essa semana. Ubuyashiki-sama, acho que é tempo dos Hashiras iniciarem o seu própria.- Kanae faz uma pequena pausa, pensando em algo, antes de continuar.- Fomos informados mais sobre as marcas, o mestre pediu que aceitassemos está sob sua tutela para isso, mas também deixou claro que seria uma escolha de cada um.

Ele ver onde ela quer chegar, que caçador gostaria de treinar sob um demônio? É resposta é clara. Mesmo aqueles três que se mostravam mais abertos, provavelmente, estariam rejeitando. Era muito arriscado, tudo que possuíam era sua palavra, o que pouco valia para eles, mostrar suas habilidades a um Kizuki, os iria por em desvantagem, se um dia voltassem a colidir lâminas.

Tanjiro pensa em dizer que era um preocupação tola, ele já conhecia suas respirações, ele podia ver o poder que cada um carregava, nenhum golpe o acertaria sem que ele permitisse. Mas ele não diz, os sentimentos já eram dúbios, aquilo serviria apenas para inflamar mais a desconfiança.

- Tenho escrito sobre as marcas, exercícios para aprimorar suas habilidades, assim como o conhecimento que adquiri ao logo dos séculos que ajudaram a melhorar. Eu posso dar a você mais tarde, assim, você poderia repassar aos outros?

Seu sorriso, parece mais um pedido de desculpas quando ela acena.

Está tudo bem, era esperado, ele continua a lembrar, repetindo aquelas palavras, mas não melhora e quando Kanae sai, Tanjiro não percebe o quando aperta o boken, até que ele quebre em sua plama. Ele estava sendo hipócrita, ele mesmo não conseguia confiar por completo nós caçadores, ainda assombrando por seu passado. Como ele podia querer que os mesmos o fizesse? E ainda sim, mesmo ciente disso, ele desejou.

Desejou que sua amizade com aqueles Hashiras fosse real, que eles acreditassem nele, que pudessem treinar juntos, como camaradas. Por um momento, Tanjiro pensou que não estava mais sozinho, quando foi aceito ali, monitorado ou não, havia outras pessoas ao seu redor, vivas, não como gado. Foi ilusório, ele nunca se sentiu mais só do que agora, com tanta vida o cercando, mas ninguém o amando.

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A pilha de papéis foi posta de forma ordenada sobre a mesa, puxando de suas vestes uma pedra arredondada e lisa, a colocou sobre a pilha, uma garantia para que não se espalhassem. Com uma última olhada, Tanjiro se voltou para a porta deixada aberta, indiferente aos corredores escuros, ele saiu.

Kanae encontraria os papéis amanhã, ele não precisava entrega-la diretamente, não tendo ânimo para qualquer interação. Sua mente continuava a correr longe, seus sentidos se espalhando em busca de algo e assim foi, durante todo o resto do dia trancado em seu quarto.

A noite era calma, mas não silenciosa, a muito ele aprendeu a discordar daqueles que fazia do silêncio uma característica noturna. Havia tantos sons, os grilos, o farfalhar das folhas, o ranger da madeira.

- Kamado-san.- O tom uniforme de Tomioka, era outro daqueles sons.

- Não esperava por você hoje.

- Mitsuri foi enviada em uma missão.

Com um aceno de reconhecimento, Tanjiro se distanciou, em outra noite, ele teria sorrido e falado sobre qualquer coisa.

- Onde você vai?- Infelizmente, Tomioka parecia aberto ao diálogo hoje e suas contemplações melancólicas, continuavam a serem adiadas.

- Telhado.

- Não creio que seja um bom lugar para treinar.

Seus passos congelaram, enquanto aquela frase se repetia, incrédulo de que ouviu corretamente.

- Desculpe? O que disse?

- Pensei que Kanae o tivesse avisado, o mestre solicitou que iniciassemos o treinamento hashira.

- Sim, m-mas... Eu pensei que... É, eu...- Ele ainda estava confuso.

Tomioka queria treinar, com ele. Tomioka escolheu treinar, com ele. Tomioka confiava nele com isso, disposto a lhe mostrar sua técnica, disposta a acreditar em suas orientações. Isso era tão pouco, mas ele não conseguia deixar de sorrir.

- Sim! Sim! Vamos treinar!- Apontando para o outro, acrescentou com falsa seriedade.- Eu não vou pegar leve! Esteja preparo!

Em resposta, o Hashira apenas levantou um dos bokens que carregava -algo que Tanjiro não havia sequer notado antes-, o oferecendo.

- Acho que vamos precisar de mais alguma, esses quebrarão logo.- Comentou quando tomou a arma de treino em mãos.

- Sei onde há mais, perguntei a Shinobu mais cedo.

Tanjiro estava tão animado, a melancolia esquecida. Fazia tanto tempo que ele não se sentia expectante, a noite escura nem sequer o importou, pois mesmo sem o sol, ele se sentia aquecido.

- Quando terminarmos, há algo em que gostaria de sua opinião.- Seu tom foi um pouco mais baixo, quase hesitante.

Tomioka acreditou nele, era justo que o ato fosse retribuído... Não! Risque isso! Tanjiro, queria, acreditar, se apoiar, confiar. Não por uma falsa sensação de dever, não por ser o certo, mas sim, por sua sua própria vontade.

Ele estava tão farto de estar sozinho.

Lágrimas Ininterruptas (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora