Tanjiro XVII

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Se perder na escuridão de seus sentimentos é fácil, manter a sanidade é muito mais difícil. Ele abomina essa parte sua, esse monstro, mas continua a sucumbir a ele, pois Tanjiro é fraco, por mais que finga ser forte. Ele quer ser forte, ele realmente quer. Mas há tanta dor, o tempo todo, a cada lufada de ar.

Ele age para se defender, um ato egoísta, um ato de desespero. Ele não quer ouvir o que aquela médica tem a dizer, ele não quer ter esperanças para que em seguida, ela seja destruída mais uma vez.

Ele está cansando, ele está no limite há muito tempo. Ele tentou, tentou tanto. Ele se agarrou a cada vestígio de alívio, ele sorriu e sorriu, mesmo quando o que mais queria era chorar.

No fundo de sua mente ele sabia que aquilo era um erro, que ele iria se arrepender depois, mas seria tarde demais, pois seu lado mais feio, o que ele tanto queria esconder, se agarrava a ele, o consumia. Tamayo não pôde reagir, seria fácil terminar com ela, calar suas palavras falsas. Nada de esperanças fugazes, mentiras coloridas, ilusões auto-impostas.

Ele a mataria, Tanjiro sabe disso, ele nunca mais seria aquele menino de sol. Quando braços se prendem a ele, fortes, quentes, ele está prestes a explodir, a romper, talvez além de qualquer subterfúgio, redenção, ajuda. Ele se debate, tão perdido em sua dor, em sua raiva que mesmo seus sentidos se embaralham. Tanjiro não sabe quem é, ele não se importa, o que precisa, é se libertar e eliminar aquela ameaça.

Então, há aquelas palavras, um substantivo que há muito não lhe cabe. Aquela voz está em seus sonhos, nos bons e nos maus. Ela foi seu alento, mas também sua dor. E ainda, ele a deseja desesperadamente.

- Irmão, estou aqui, não o deixarei novamente. Por favor, irmão, pare!- Ela está gritando, sua voz quebrada por soluços.

Nezuko está chorando, ele sente o cheiro de suas lágrimas, de sua dor. Aquela é sua irmãzinha. Sua irmãzinha.

Ele engasga, seus olhos embaçados por lágrimas que correm grossas por sua face deformada. Era outro sonho aquele? Um pesadelo? Não importa, ele não quer despertar. Ela está lá! Ele pode sentir seu calor, seu cheiro, seu toque.

- Ne-Nezuko?- Seu tom é cortado, baixo, arranha sua garganta.

Ele precisa ter certeza, ele tem que ter.

Ela é rápida em confortá-lo, seu aperto mais firme, suas lágrimas caem em seu ombro, encharcando suas vestes, mas Tanjiro não se importa, isso a faz mais real.

- Sim! Sim! Estou aqui irmão.- Ela contínuou a repetir.- Estou aqui.

Ele se agarra a ela, é real, a carne é quente e viva. Ele solve seu cheiro, além da capacidade de seus pulmões. Ele pode sentir o bater se seu coração em suas costas. Ele não consegue mais, aquelas emoções acumulada se derramam, é uma enxurrada que parece o afogar.

Ele sempre foi o irmão mais velho. Desde muito cedo, Tanjiro teve que ser o mais forte, para proteger e prover. Ele nunca deixou o peso de suas responsabilidade ou anseios, pesar sobre o ombro de outro, ele lidou com cada um, suportou, persistiu. Ele não era perfeito, ele estava cheio de falhas, Tanjiro não podia mais fingir o contrário.

Ele deixou sua dor ir, ele se entregou ao seu luto, ele se agarrou a ela, sentindo deu cheio, enchendo seu coração com o seu amor. Todos tinha seus pilares, para a humanidade foi os hashiras, para Tanjiro, era a família e quando ele estave só, nada o segurava, então ele caiu e caiu e caiu...

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Em algum momento, o cheiro de sangue o desperta, as lágrimas secaram, a dor é muda em seu peito. Quando sua visão foca, ele olha para suas mãos e há sangue nelas, tal visão é familiar, sempre parecia haver carmim as sujando, mesmo que ele lavasse, no momento seguinte, estava lá mais uma vez.

Seu cérebro ainda é lento, ele apenas começa a voltar. Quando Tanjiro entende de onde vem aquele sangue, ele se ergue, rápido e com força, se afastando daquele abraço, daquela presença familiar. Ele a feriu, não importava o tempo, ele continuava a ferindo, incapaz de protegê -la como era devido. A vergonha se agitar em seu íntimo, é como veneno, ameaça o fazer sucumbir mais uma vez.

- Tanjiro, irmão, está tudo bem.- A voz de Nezuko é suave, ele é incapaz de encontrar seu olhar.

- Não, não está.

Ele se afasta mais, um passo por vez. Ele é um monstro agora. Ele só vai machucá-la. O irmão que ela conheceu, se foi há muito tempo, o que restou, é uma casca, o interior é feio, repugnante, escuro.

- Tanjiro, por favor, não me afaste.- Ela também está se erguendo, se aproximando.- Você é meu irmão, eu o amo, não importa o que, não vou deixá-lo.

Ele morte o lábio com força, o sabor ferroso revira seu estômago. Eles estão sozinhos, em algum momento, todos os outros se foram. O seu lado mais egoísta quer deixá-la acreditar que está tudo bem, que ele não é um monstro. Mas aquela é Nezuko, ele nunca mentiu para sua família, ele dúvida que pudesse agora também.

- Você não entende, eu não sou o seu Tanjiro, eu sou um monstro, um assassino.- Há repulsa em seu tom, é real, enche seu coração de desgosto e raiva.- Matei tantos, não sou como você Nezuko, não mereço seu perdão, sua irmandade. Estou podre, o melhor seria se eu...- Mãos pequenas batem contra sua boca, abafando suas palavras, o impedindo de continuar.

Ela está tremendo, ele sente, ele vê. Alarmes soam em sua mente, temeroso de que algo esteja errado com ela, desesperado para descobrir o que a aflige, para que ela esteja bem. Quando ele ergue seu olhar, olhos lilases o fitam firmes, cheios daquele fogo que era todo Nezuko, sua irmã se tornava assustadora quando brava, quando para proteger outro.

- Nunca diga isso, nunca. Tanjiro você é meu irmão, eu o amo, nada mudará isso. Vou estar ao seu lado sempre, vou dividir sua dor, vou ajudar a curar suas feridas. Não importa o que, estarei ao seu lado.- Suas mãos deslizam por sua face, a acariciar e acalentar. Seu olhar ainda firme, assim como suas palavras. Não há "mas", ela não hesita, e o calor em seu peito cresce, fazendo brotar a semente que havia sido germinada, por outro, mas que ainda era tão significativo.- Eu sou egoísta, não quero perdê-lo novamente. Por favor, Tanjiro, não me deixe.

Com a respiração presa, Tanjiro engasga ao expirar, lágrimas se acumulam novamente, ele era um bebezão. Ele não chorou de tristeza, de raiva, de dor. O calor em seu peito era tanto, ele não tinha palavras capazes de expressar plenamente o que sentiu, mas era bom. Ele segurou suas mãos e a puxou, a abraçando adequadamente agora.

Ele não deveria ouvi-la. Era um erro ceder, se permitir, nada nunca terminou bem para ele, para aqueles ao seu redor. Estar perto dele a traria mais desgraças, ele poderia a proteger de longe, seria o certo, o melhor.

Ainda...

Ele fechou seus olhos, a segurando mais forte.

- Vamos ser egoístas.- Ele disse e pareceu certo.

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Então o mundo explodiu.

Madeira se estilhaçou, farpas rasgando suas roupas, ao mesmo tempo que ele envolve Nezuko, a guardando de qualquer dano. Há mais movimentos, ele está hiper ciente agora, seus sentidos prontos para mais um confronto, não mais submersos em emoções assombrosas.

O primeiro que registra é Giyuu, ele adentra a sala destruída com sua nichirin em mãos, Tamayo e Yushiro vem logo atrás. O pequeno demônio tem um braço faltando, suas vestes manchadas, porém, seu foco principal é a médica. Enquanto que o caçador, tem seus olhos azuis presos a Tanjiro.

Antes de Giyuu o alcançar, a casa treme novamente, metade do teto cai e Tanjiro salta para se proteger dos escombros, trazendo Nezuko consigo.

- O que está acontecendo?- Ele grita sobre o barulho, a arte de sangue de Yushiro ainda interferindo com seus sentidos.

- Alguém invadiu, há muitas presenças aqui, é mais fácil para alguém que esteja buscando esse lugar, o encontrar.- Rosnou em reposta o pequeno demônio.

Algo estava terrivelmente errado, não apenas a casa em ruínas, os ataques, mas a presença opressora que pareceu cair como uma mortalha. O reconhecimento gelou seu sangue, aquele poder, ele sabia bem a quem pertencia. Pousando ao lado de Giyuu, Tanjiro deixou Nezuko se recompor, ao mesmo tempo que ele mesmo, se preparava.

As coisas acabaram de ficar muito ruins.

- Kokushibou.- Seu nome saiu como uma maldição.

Lágrimas Ininterruptas (Concluída)Onde histórias criam vida. Descubra agora