Quatro Anos

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- Nós precisamos de você, Esther! – eu balançava seus braços, tentando acordá-la do transe em que permanecia. Não obtive resposta. Ela fixou seus olhos na direção em que Reiner estava e correu. Minhas pernas vacilaram e eu não consegui acompanhá-la.

Não acreditei que ela fosse louca ao ponto de achar que poderia parar Reiner sozinha. Quando me dei conta da loucura de Esther, tentei avançar mas Hange segurou-me pelo braço. O restante aconteceu em uma fração de segundos.

Uma grande explosão tomou conta de nossos ouvidos, mas Esther já estava perto demais; exposta demais. Seus olhos encontraram os meus, e eu pude ler em sua face o que ela dizia sem que sequer abrisse sua boca. Pude sentir naquele momento todo o amor emanar e sair de seu corpo, junto de seu último suspiro de vida.

A culpa tomou conta de minha alma e por meros segundos me recordei dos últimos momentos que havíamos tido juntos. Me lembrei de como eu havia humilhado-a, e de como suas palavras agora faziam mais sentido do que nunca. Como uma criança arrependida (e talvez de fato eu fosse apenas isso), comecei a chorar.

Tapei os olhos protegendo-me do calor que tomava conta de nosso corpo, e senti uma gigante sombra se mover ao nosso lado. O Titã de Eren nos bloqueava do calor que era solto no ar, mas para falar a verdade, acho que eu preferia ter morrido.

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Uma semana havia se passado desde o dia da retomada de Shiganshina. Bem mais da metade de nosso exército havia morrido, incluindo o Comandante Erwin, e por conta disso a choradeira durou dias; eu ainda tentava me conter. A aparição do Titã Bestial dificultou ainda mais as coisas, e Armin já havia tomado ciência de tudo, inclusive da posse de seu titã e da morte de Bertolt. Eram verdades duras demais para serem aceitas em tão pouco tempo, e já as mastigávamos como se nada tivesse acontecido.

Durante algum tempo, imaginei que eu já contava com o costume de tantas mortes, tanta dor, tanto sofrimento. Estava errado. No momento em que assisti o padecimento do brilho dos olhos de Esther, senti que o calor que antes queimava em minha alma, se apagara no mesmo instante.

Não pude sequer pensar no que aquilo significaria dentro de mim, muito menos imaginava que eu recordaria daqueles olhos pelo resto de todos os meus dias.

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Em meio à horas que pareciam eternas, desenrolou-se mais uma semana, e até em meus sonhos mais ligeiros Esther dava o ar da graça. Eu lutava para poder tocar seus cabelos curtos e cheios e sua bela pele macia, mas eles continuavam a se afastar, até que eu não a visse mais.

Por vezes, durante meus dias, sentia seu cheiro tocar minhas narinas, e logo as coçava, tentando me desvencilhar da sensação ilusória. Era uma verdadeira desgraça.

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Um mês, contados de sua partida. Desde então, eu não sorria. Não existiam motivos para tanto; nada mais me interessava ou chamava minha atenção.

Sua falta já não me era mais problema, muito pelo contrário. Eu havia anestesiado minha alma; e ficaria assim até quando fosse preciso.

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- Segura de um lado, e eu seguro do outro – Armin disse, ajudando-me com a mudança de nossos quartos. Nos moveríamos para uma unidade próxima da muralha mais externa, para que continuássemos avançando, até que não restasse mais nenhum titã. Bobagem; para mim eles nunca deixariam de existir, não importa o quanto os matássemos.

Levi e Hange avaliavam minha situação para darem um laudo final. Existiam chances de eu ser afastado da tropa por motivos médicos, e não ir junto dos outros para a nova unidade. Depois de toda a desgraça acontecida, ainda possuíam a audácia de realizar uma avaliação piscológica. Quem ali estava com suas faculdades mentais em perfeito estado, depois de tudo o que havia acontecido? Era uma verdadeira piada.

- Pronto. Falta pouco – Armin disse, passando o braço por sua testa suada.

Sentamos para respirar. Era um dia incomum, mas tão cansativo quanto os outros.

- Jean, não acho que irão te afastar – o loirinho comentou, ofegante. Como será que ele conseguia carregar o Titã mais perigoso de todos dentro de si? Minha mente não conseguia concebia essa ideia, e acho que nem a dele.

- Não sei. Realmente não sei – respondi, levantando-me e batendo as mãos sujas de poeira. Ficar parado não era meu costume, ainda mais quando as coisas estavam bagunçadas ao meu redor. Esther também havia me passado algumas das suas manias de organização.

- Eu não costumo errar, sabe – Armin puxou um papel do bolso e o abriu. Anotou algumas coisas que eu não tive curiosidade de saber o que eram, e logo voltou o papel à calça.

Permanecemos em silêncio por mais alguns minutos, até duas figuras aparecerem em nossa frente; uma bem alta, a outra bem menor.

- Até agora isso é tudo o que arrumaram? – Levi, a figura menor, perguntou levantando a sobrancelha e apontando para a bagunça. Sua feição de desprezo me estressava e me deixava ainda mais impaciente do que de costume.

Desde o incidente em Shiganshina, Levi havia ficado pior do que já era. O baixote triplicara a carranca, e só respondia em monossílabas, exceto quando se incomodava com a bagunça, como era o caso. Nossas personalidades nunca bateram, e naquele momento menos ainda.

Balancei a cabeça confirmando o nosso serviço mal feito.

- Tratem de terminar isso até amanhã de manhã. Depois, ajudem com as coisas do escritório – ele disse, saindo na frente. Hange, a figura mais alta, deu um sorriso sem graça e seguiu o Capitão.

Levi e eu nos estranhávamos mais que o normal. Depois da partida de Esther, parecia que mesmo sem dizer nenhuma palavra, a culpa recaía sobre nossos ombros nos fazendo trocar olhares desconfiados. Talvez nos questionássemos sobre de quem era a responsabilidade por tê-la deixado ir, e apesar de não simpatizar com o baixote, eu sentia que essa culpa era completamente minha.

Respirei fundo, procurando não pensar mais sobre; não me interessava saber de mais nada que envolvesse a vida de Esther. A mulher que fora o motivo de minha alegria durante muito tempo, havia levado-a toda em sua partida, e agora eu viveria dessa forma.

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Notas da autora:

Olá! Desde já muito obrigada a todos que leram a primeira parte dessa obra, e apreciaram com muito carinho.

Espero que eu consiga entretê-los com essa segunda parte, da mesma forma, ou até mais.

Sintam-se livres para comentar, darem sugestões, reclamarem ou abrirem seus corações ao longo desses capítulos. Essa história é de vocês.

Uma boa leitura!

Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora