Um Ano, Onze Meses e Muitos Dias

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O dia seguinte chegou mais rápido que os outros. Talvez porque eu estava tão cansado pelo treino, que sequer havia acordado durante a noite - coisa que antes era de costume durante meu sono.

Tratei de me arrumar depressa. O relógio acima da lareira no quarto indicava que já era mais tarde do que eu havia suposto.

Desci as escadas com pressa. Posso dizer que estava animado com a tarefa do dia - nada de treinos. Iríamos até a cidade resolver algumas questões administrativas - e eu aproveitaria para resolver outras coisas inacabadas também.

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Os cavalos já estavam selados quando cheguei aos estábulos. Sasha e Connie conversavam ao lado de um dos animais. Acenei quando estava mais perto, e Sasha sorriu acenando de volta - ela brilhava como um pequeno sol pela manhã. Connie fez um aceno com a cabeça, e pareceu um pouco desconfortável com minha presença.

Ótimo; eu precisava consertar isso também.

Me aproximei, apontando para o animal atrás dos dois. Quando estava perto o suficiente para me ouvirem, foi que pude falar.

- Tem um desse para mim?

- Bom dia Jean! Desmaiou essa noite? - Sasha perguntou, sorrindo sarcasticamente, passando suas mãos no pêlo do animal. Eu sorri de volta. Ela sempre teve essa energia leve e uma presença de espírito que me tranquilizava tanto... - Tem sim. Ele está pronto, já preparado inclusive!

- Ah! Muito obrigado - respondi, colocando as mãos nos bolsos. Não sabia muito bem o que fazer com elas - a vergonha me deixou sem reação ao perceber que tinham preparado meu cavalo, enquanto eu estava simplesmente dormindo.

- Não fomos nós - Connie disse, fazendo careta.

- Quem foi?

- Ela - Sasha apontou para um grande cavalo preto, e ao lado dele estava Mikasa, ajustando algumas fivelas.

Cocei a cabeça. Não era comum que a garota fizesse qualquer coisa gentil, muito menos para mim. Muito disso por Eren, que nunca a deixava em paz, em todos os sentidos.

Era mais que óbvio a paixão platônica que Mikasa sentia pelo homem, e ainda assim ele a usava como podia. Não retribuía nenhum tipo de afeto e como se não  bastasse, a mantinha como uma prisioneira dentro daquela suposta amizade. A menina sequer podia conversar com outros rapazes - Eren se enfurecia absurdamente.

Desisti da garota assim que percebi a confusão em que estaria me metendo - e depois disso, Esther apareceu.

Agora, Mikasa demonstrava afeto e cuidado comigo. Diferente, apenas. É claro que eu também não recusaria - meu carinho por ela permanecia o mesmo.

- Ei! - Sasha estalou os dedos em minha frente, tirando-me da nuvem de pensamentos.

- Estamos saindo, soldados - ouvi a voz do Capitão do outro lado do estábulo.

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Não tive tempo de agradecer à Mikasa pelo cavalo. O Capitão Levi mal tinha avisado nossa partida, e ela já estava saindo do estábulo. Séria como sempre fora; focada em suas tarefas. Simplesmente pronta para qualquer batalha que se travasse em qualquer lugar.

Seguimos por várias horas até chegarmos aos portões da cidade - agora, as instalações da tropa estavam bem mais longe que antes, então demoramos um pouco mais.

Um enorme muro de pedra se estendeu diante de nossos olhos. Poderia ser claustrofóbico, se eu já não estivesse acostumado com aquilo.

Cavalgamos por mais alguns metros até encontrarmos o Comandante Regional do portão, nos aguardando. Provavelmente alguém da tropa já tinha passado por ali antes, avisando que chegaríamos.

Os enormes portões de madeira se abriram enquanto Levi conversava com integrantes da tropa que o acompanhavam na frente. Dois integrantes mais experientes ficavam nas frentes, e três ficavam atrás.

Eu fiquei no meio, apesar de Sasha ter me pedido para acompanhá-la nas laterais. Achei cedo demais pra isso, e neguei. Ela me xingou de covarde e logo depois ficou preocupada, achando que eu iria embora ou algo do tipo. Achei engraçado, por mais que tenha me sentido um pouco humilhado. Essa era a imagem que tinham construído de mim, e eu deveria entender.

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Andamos durante todo o dia pela cidade, buscando informantes, resolvendo questões internas da cidade, tratando de política e outras questões administrativas.

No final do expediente, fomos liberados. Poderíamos ir para qualquer lugar, contanto que voltássemos pela manhã para o ponto de encontro, inteiros e prontos para o treino do outro dia.

- Connie e eu vamos para o bar do rio. Pode nos acompanhar se quiser - Sasha disse, batendo os pés, bastante animada.

Sorri como um aceno de gratidão, mas balancei a cabeça.

- Muito obrigado, mas... Preciso resolver algumas questões - respondi, olhando para o outro lado das ruas. O rumo apontava para uma casa que eu bem conhecia.

Sasha pareceu entender, já que apenas confirmou com a cabeça e seguiu para o bar do rio.

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Dei leves batidas na porta, e alguns passos para trás. Esperei a resposta. Poderiam não atender, já que era um pouco mais tarde - e ninguém naquela cidade estaria de folga no outro dia. Certamente estariam dormindo.

Cruzei os pés, desajeitado. Esperei por mais alguns minutos,observando os reflexos na janela. As luzes estavam acesas, mas não parecia ter ninguém ali.

Tudo bem, eu volto depois.

Antes que pudesse me virar para ir embora, a maçaneta da porta girou com força e rapidez. Quase mordi a língua quando gritei, ao ver cabelos vermelhos como o sol, pararem em minha frente.

- O que faz aqui? - Louise perguntou, fechando seu roupão e arrumando seus cabelos. A cara não era muito boa, mas eu também já tinha me acostumado com isso.

- Precisamos conversar. Eu quero... Dizer algumas coisas. Preciso - minha voz farfalhava, e para falar a verdade, eu tinha um pouco de medo daquela mulher. Especialmente quando seus nervos tomavam conta de si. Rezei aos Deuses para que isso não acontecesse.

- Não temos o que conversar, Jean. Já resolvemos nossas questões, está tudo bem. Sei que está indo bem na tropa e é o que importa. Boa noite.

Louise fez menção de fechar a porta, mas logo apoiei meu braço ali, impedindo que ela continuasse. Nós conversaríamos, por bem, ou por mal.

- O que é, ein? - ela questionou, a voz um pouco mais alta que o convencional.

- "O que é, ein?", como assim? Cadê a minha mãe? Quero vê-la, pelo menos - dei alguns passos para dentro da sala, mas não consegui continuar. Louise apertou meu braço, puxando-me de volta.

- Que porra é essa Louise? - empurrei suas mãos. Voltei a entrar na sala.

- Saia, Jean. Agor...

- Ela pediu para você sair. É surdo? - uma voz familiar soou do pequeno corredor. Girei meus olhos para encontrá-la, e me vi diante de grandes olhos verdes.

Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora