- Louise? – imagino que eu tenha arregalado os olhos quando perguntei. Enquanto tentava livrar-me de um fantasma, me aparecia outro.
- O que você faz aqui? – ela perguntou com medo, sentando-se ao lado de minha mãe. Suas mãos envolveram a mais velha, e ela a acariciou me condenando com seus olhos alaranjados.
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Desci as escadas correndo, ouvindo os murros na porta apenas aumentarem.
- Abra logo a porta Jean! Rápido!
Abri a porta com pressa para que ela pudesse entrar, e assim que o fez, tranquei logo em seguida. Os olhos pequenos de minha mãe me encararam, cheios de estresse e preocupação. Ao lado dela, olhos alaranjados e pequenos me olhavam com medo; também assustados.
- Mãe? – questionei, confuso. Não conhecia aquela garota, não entendi o que estava acontecendo.
- Não me faça perguntas difíceis, Jean. Apenas não posso deixá-la na rua.
Franzi a testa não entendendo nada.
- Mãe? – questionei mais uma vez. Agora ela limpava as roupas da garota, que estava um tanto quanto desesperada. Os olhos alaranjados não haviam se desviado dos meus em momento algum.
- Jean, por favor! – Mamãe disse com certa pressa. – Me ajude a preparar um banho para essa garota.
Não discuti, apenas fiz o que ela pediu. No único banheiro de casa, ajudei a preparar um banho para a menina que ainda estava completamente suja e amedrontada.
Assim que entreguei uma toalha para a garota, ela emitiu a primeira palavra desde que pisara os pés dentro de casa.
- Obrigada... – sua voz era falha e baixa.
- Não me agradeça, sequer te conheço – minha resposta ríspida deixou-a ainda mais acanhada. A garota adentrou o banheiro e fechou a cortina de pano que separava o cômodo do resto da casa. Não tínhamos dinheiro para colocar uma porta naquele lugar, então ficaria daquele jeito.
Desci as escadas procurando minha mãe, ainda sem entender bulhufas. A encontrei com as mãos afundadas em seu rosto, chorando baixo. Fiquei mais confuso do que já estava, então resolvi esclarecer tudo aquilo.
- Mãe... – chamei-a, sentando em sua frente. Seus olhos vermelhos e irritados pelo choro me encararam e entre soluços ela começou a falar.
- Louise é filha de um meio irmão deu seu pai. Ele era soldado pelas asas do reconhecimento, não voltou de sua ultima missão... – um soluço a impediu de continuar. Sentei-me ao seu lado e respirei fundo.
- O último pedido de seu pai foi que cuidássemos de sua família, ou do que restasse dela. A garota não tem mãe, não tem pai, precisamos ficar com ela Jean...
Mamãe respirou fundo e afundou seu rosto em suas mãos mais uma vez.
- Não sei se consigo, Jean... Preciso de você, meu filho – suas palavras saíram como um choro. Eu concordei, olhando para a cortina do banheiro que se abria na ponta da escada. A garota saiu de lá, vestida com roupas três vezes maiores que seu corpo.
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Durante cinco anos, vivemos juntos. Passamos todo o final de nossa infância e pré adolescência buscando formas de nos manter, em meio aquele centro velho e sujo da cidade. Mamãe sempre nos ajudava com o que era necessário, mas o salário de cozinheira do bar do centro nunca era o suficiente. Por essa e mais outras, não havia pessoa mais importante no mundo que não fosse minha mãe, para Louise.
Até pouco tempo antes de eu entrar para o treinamento das tropas, mamãe começara a ter delírios e esquecimentos frequentes. Eu e Louise, que agora trabalhava em um hospital das tropas aliadas, decidimos cuidar da situação até o ponto que fosse possível, entretanto não foi bem o que aconteceu.
Não consegui cumprir a promessa, e deixei as duas para entrar para a polícia militar. De acordo com meus planos, seria pouco tempo fora dali e logo menos voltaria para casa. Tudo ocorrera diferente do que imaginei, e minha vida seguiu outro rumo. A tropa de exploração me convocara, e não era nada do que eu imaginava, entretanto certamente era o meu destino. Bem, pelo menos até aquele momento.
- Soube que veio aqui – Louise começou, levantando-se da cama. – Titia, está tudo bem. Pode deitar, eu cuido desse rapaz.
Mamãe deitou-se na cama com um olhar um pouco assustado, mas antes que eu pudesse contestar ela já havia fechado os olhos e caído em um sono profundo.
Saímos do quarto, e Louise suspirou fundo parando na ponta da escada.
- Por que você voltou? – ela perguntou, arrumando seus cabelos. Parecia mais uma mania do que qualquer outra coisa, ela estava sempre ajeitando as madeixas alaranjadas.
- Louise... – comecei, sem fazer muito alarde. Os olhos da menor se cravaram nos meus, e uma lágrima desceu seu rosto. Eu pude sentir seu peito queimar de ódio e tristeza ao mesmo tempo, afinal, nossos sentimentos nunca foram bem explicados.
Éramos como família, mas a pré adolescência nos trouxe uma paixão complicada. Não nos envolvemos, sequer nos tocamos, apenas sabíamos que algo existia. Agora não mais, já que eu havia entendido o que era de fato o amor, e nunca mais gostaria de senti-lo.
- Eu desertei – respondi, já descendo as escadas. Estava desinteressado em continuar um assunto, coisa que eu sabia que ela tentaria fazer.
- C-Como assim desertou? – seus passos me seguiram, descendo os degraus junto comigo.
- Não faço mais parte da tropa. Simples assim – sentei-me na cadeira da cozinha e cruzei os braços. Minha feição era séria; eu sabia que não seria fácil viver ali, então já maquinei minha segunda opção.
- Então voltou, já que não tem onde ficar – ela disse, um pouco cínica. – Entendi.
- Eu não vou ficar, não se preocupe.
Ela limpou a última lágrima que descia de seu rosto e suspirou, olhando para o teto.
- Sabe Jean, eu esperei você. Esperei que voltasse para cuidar de sua mãe, dessa casa, dessa família, bem como seu pai pediu. Mas você não é assim. Acho que é só mais um egoísta, e eu duvido que tenha saído da tropa por vontade própria – ela dizia, com impaciência e raiva. – Sequer se lembrou da doença de sua mãe, quando trouxe a última garota. Sorte sua que ela estava em um bom dia quando veio.
Mais lágrimas caíram de seu rosto, e ela deu alguns passos para trás, sentando-se em outra cadeira.
Respirei fundo e coloquei as mãos na cabeça. Louise não estava errada. Esther partiu sem sequer saber da doença de minha mãe, já que nem mesmo eu lembrara.
Louise balançou a cabeça devagar, franzindo a testa. Parecia que todo o carinho e cuidado que tínhamos um pelo outro, havia virado puro ressentimento. A culpa era minha, e eu sabia disso, mas eu não tive outra opção. Agora, éramos meros estranhos.
- Não se preocupe, já disse que não ficarei aqui.
Ela ficou em silêncio, enxugando algumas lágrimas. Louise não era de falar, nunca expunha seus sentimentos; eu sabia que ela não diria mais nada, e que minha hora de sair já havia chegado.
Levantei-me da cadeira e fui até sua direção. Meus braços envolveram-na em um abraço, e antes de soltar de vez, beijei sua testa.
- Não sou mais o mesmo, Louise. Não espere por mim.
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Fluctuate (Parte II) - Jean Kirstein
FanficDepois de ter descoberto o verdadeiro significado do amor, Jean se vê completamente perdido quando Esther, sua grande paixão, morre em sua frente. Agora ele terá que enfrentar não somente a solidão de estar sozinho e a dor de ter perdido seu primei...