Dez Meses

60 4 1
                                    

Jean


Nos campos que antes estavam secos pelo forte sol do verão, as flores agora começavam a dar sinal de vida.

Os pássaros sobrevoavam os pequenos riachos que circundavam as regiões próximas das instalações em que ficávamos. 

Os cavalos nunca tiveram os pelos tão brilhosos como naquela época. Tudo era lindo de se ver, e o mundo parecia estar em perfeita harmonia. 

Não era verdade.

Eren havia enlouquecido, e agora andávamos sempre espreitando seus apoiadores, com medo do que poderiam fazer, vivendo sob o receio de um ataque repentino.

Esther havia conquistado algum espaço novamente - pelo menos ao meu lado - já que metade do nosso exército não aguentava estar em sua presença. Os sussurros no corredores eram rotineiros. Faziam críticas ao capitão, falavam desonras à Esther, e lançavam praguejos contra mim. Esther e eu nos fingíamos de surdos. 

Connie também não se aproximava, mas eu não conseguia culpá-lo por isso. Ele não havia sido enfeitiçado como eu fora. Ele não estava tão absorto em seus pensamentos, nem desorientado de paixão, como eu estava. Como eu sempre estivera, na verdade. 

Subindo para o andar do refeitório, Levi passou ao meu lado, descendo as escadas quase como um vulto.

Aquela seria uma semana de grandes decisões. Do que faríamos, ou do que não faríamos. Seria uma semana decisiva. 


Esther


No relógio de parede da sala do Capitão, já havia se passado uma hora, quando ele entrou batendo os pés. 

Fiz menção de me levantar para cumprimentá-lo com uma reverência, mas ele abanou a mão e balançou a cabeça. 

- Não precisamos disso aqui. Eu já disse - seu tom não era nada amigável. Na verdade seu tom não era nada amigável desde a minha volta. 

Confirmei com a cabeça e me sentei de volta. Os olhos de Levi percorreram os inúmeros papéis que ficavam em cima de sua mesa, até achar minha ficha. Pude reparar que era uma das mais preenchidas, dentre as outras. 

- Não vamos demorar - irônico, já que me fez esperar por uma hora inteira ali. - Você sabe o que eu quero de você, e eu sei o que você quer de mim. 

- Eu não quero nada de v...

- Não te perguntei nada - ele disse, tirando seu lenço da gola da camisa e usando-o para limpar uma caneta. Sua mania de limpeza excessiva às vezes me incomodava. 

- Levi, por favor. Estou aqui há mais de um mês. Você sabe muito bem quais as minhas intenções, e guerra não é nenhuma delas! Por favor... 

- Esther, não me interessa o que você quer - ele disse franzindo o cenho. Meu coração se apertou. 

Levi abaixou o olhar, e naquele momento parecia que nossa conversa não seria apenas uma simples reunião. 

- Sabe, eu nunca estive tão certo e tão errado em toda a minha vida - ele começou dizendo. - Eu nunca fui tão infeliz e feliz de descobrir uma verdade como a sua, Esther. Você... - pude jurar que sua voz embargou por um segundo - Você me fez acreditar que eu poderia ter em quem confiar. E eu quase confiei. Mas depois de tudo, de tudo isso... Você não pode esperar que eu simplesmente aceite. 

Levi levantou o olhar, e ainda que não houvesse nenhuma lágrima escapando dos seus olhos, eu podia sentir seu coração batendo rápido como nunca. 

Eu entendi, realmente. Levi tinha razão. Eu não podia sair por aí pedindo que me aceitassem apenas porque nunca me transformei em um titã dentro das muralhas, nem muito menos por fazer chá para os outros de bom grado. Ninguém bebia dos meus chás ultimamente também, então não fazia diferença. 

- Eu... Tudo bem, Levi. Quer dizer, Capitão. - Ele suspirou, e eu também. Como se fosse um pedido de desculpas mútuo. 

- Vamos ao que interessa - Levi disse, se ajeitando em sua cadeira. 


Jean


- O quê? Não, você não vai - exclamei, um pouco mais alto do que deveria. Já era tarde, e o dormitório estava silencioso - Eu sabia que aquele idiota faria isso uma hora ou outra. 

- Jean, se acalme. Levi não está errado, e sinceramente, quem mais pode fazer a linha de frente se não eu? - Esther retrucou, penteando os cabelos recém molhados para trás. 

Levi havia ordenado para que Esther se prontificasse a qualquer ataque surpresa, vindo de Eren ou de seu irmão, que ainda estava preso. Ela seria a responsável a contra atacar, independente das circunstâncias. Isso foi acordado, em um contrato assinado pelos dois. 

Eu sabia que era nossa única chance e nossa única escolha. Mas ainda assim, meu coração não poderia deixá-la assumir um risco tão grave, tão cedo. Não tínhamos vivido o que eu queria. O que ela queria. 

- Jean, eu sei me cuidar. Eu... vamos dar um jeito, tá bom? - Esther disse segurando minhas mãos em seu rosto. 

Meu coração se acelerou, e eu concordei com a cabeça apesar de não ter muita fé naquilo que ela dizia. 

- Eu preferia fugir, Esther. Será que não podemos apenas ir embora? 

Ela sorriu, como quem já tinha pensado na mesma hipótese. 

- Depois de tudo o que eu fiz... - sua voz se embargou. - Eu preciso ficar, preciso ajudar. Dessa vez eu não vou me acovardar Jean. Dessa vez eu vou lutar por aquilo que é certo. 


Esther 


Dessa vez eu ficaria. Dessa vez eu lutaria até a morte, se fosse necessário. Aliás, era isso que o destino tinha reservado para mim. 

Nos últimos meses, meu corpo me dava sinais de que meu tempo uma hora acabaria. Treze anos. Treze anos era o tempo máximo de vida que todos os portadores de um titã tinham, depois de receberem o poder. 

Jean não sabia disso, e se eu morresse antes, também não precisaria saber. 


Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Feb 05 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora