Dois Anos e Vários Meses

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A noite no bar parecia estar mais longa do que nunca. Os clientes não iam embora, as horas não passavam, eu estava exausto. Meus planos se baseavam em encontrar a atendente mais nova do bar das vinte e quatro horas novamente, mas parecia que seria impossível fazer qualquer coisa no restante daquele dia.

Mais algumas horas se passaram, e finalmente o movimento diminuía. Olhei para o relógio no fundo da cozinha; é, acho que consigo um tempo para a garota.

Me virei correndo para ir arrumar as mesas, mas parei assim que encontrei olhos alaranjados no meio do salão, encarando-me com repreensão.

- Como me encontrou? – perguntei um pouco assustado, passando em sua frente, tentando fugir do seu olhar flamejante.

- Não é tão difícil encontrá-lo. Parece que todos te conhecem por aqui; ou todas – Louise respondeu olhando os quatro cantos do bar. – Jean, podemos conversar?

Balancei a cabeça negativamente, terminando de limpar uma das mesas mais sujas daquele lugar asqueroso.

Ela se aproximou e segurou meus braços, fixando seus olhos em mim. Eles traduziam tristeza e um pouco de arrependimento que emanavam de dentro dela; sempre tão previsível.

- Jean por favor. Pelos velhos tempos, pelo menos – ela insistiu, quase choramingando.

Suspirei fundo, e puxei-a em direção às escadas que levavam ao meu pequeno quarto, vencido pelo cansaço.

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- Desembucha, tenho compromisso – falei, trancando a porta.

- Eu sei. Eu sei o que aconteceu. Por favor me perdoe, antes de qualquer coisa – ela disse, com os olhos um pouco marejados. – Volte, por favor. Há anos não te vejo tão magro, tão... Tão perdido.

Louise soluçou baixo em meio ao choro. Como ela soube do que aconteceu? Foda-se, naquele momento não importava mais.

- Estou bem, Louise. Não precisa fingir que se preocupa comigo, afinal, desde que entrei para as tropas, nunca mais soube de você. Não é como se fôssemos unidos – respondi, sentando-me na cadeira ao lado da pequena janela. Saquei meu maço de cigarro do bolso para pegar um, e o guardei de volta. O acendi com fósforos que ficavam em cima da cômoda, e traguei com vontade; precisava daquilo.

- Desde quando fuma? – sua voz era chorosa.

- Qual foi a última coisa que lhe disse quando fui embora? – questionei com rispidez.

- Eu não acredito no que disse – ela teimou, parando em minha frente.

- Não sou mais o mesmo, porra! Aceite! – gritei perto de seu rosto, fazendo-a estremecer. A fumaça do cigarro inundava o quarto, e para mim era a melhor sensação que eu poderia ter naquele momento; um mero placebo.

Louise choramingou, segurando seus braços ao redor de seu colo. Eu respirei fundo, tentando ignorá-la. No final, eu simplesmente fingiria que estava tudo bem.

Ficamos bons minutos ali, tratando de suprimir nosso orgulho, até que ela aproximou-se devagar. Louise fixou seus olhos avermelhados nos meus; eu retribuí o olhar pesado.

Suas pernas deram pequenos passos, até estarem coladas nas minhas. Não desgrudei meus olhos dos seus, apenas esperei. Ela sentou-se em meu colo, retirou o cigarro de minha boca e colou sua testa na minha.

Minhas mãos seguiram involuntariamente até sua cintura, e então puxei-a para mais perto. Arfei baixo fechando os olhos, esperando por mais uma aproximação.

- Não podemos – ela disse baixo, soltando seu hálito quente em meu rosto.

- Por que não? – questionei, subindo meu toque gélido pelas suas costas, levantando sua blusa até a altura de seus seios. Talvez eu precisasse daquilo.

Suas mãos censuraram as minhas, abaixando-as de volta para onde estavam.

Abri meus olhos, e ela me encarava com tristeza.

- Nós dois sabemos que não sentimos por aqui – Louise apontou para o meu peito, no lugar onde meu coração pulsava, no mesmo ritmo de sempre, sem mudar sequer um só compasso enquanto ela permanecia em meu colo. Parecia que eu estava morto; ela estava certa – Você não quer fazer isso, muito menos eu. Estamos apenas perdidos, Jean. Eu me preocupo com você como família, afinal é a única que tenho, então por favor, não destrua isso.

Louise choramingou, enquanto eu respirei fundo, pensando em como minha vida não valia mais absolutamente nada. Senti nojo de mim, e tive vontade de morrer. Meus olhos se encharcaram; minhas mãos ficaram trêmulas, e minha mente se perdeu em pensamentos ainda mais sombrios.

- Por favor Jean, volte para casa. Sua mãe também não está bem. Se não for por mim, que seja por ela – Louise implorou, segurando meu rosto com suas pequenas mãos.

Abracei-a com força, respirando fundo. Colei meus lábios em seus ouvidos e respondi o que ela já deveria ter imaginado.

- Não posso voltar, Louise. Nós dois sabemos disso também.

Seu corpo estremeceu e ela chorou baixo. Ficamos ali por alguns minutos, até conseguirmos nos recompor e voltarmos à realidade.

Sem dizer mais nenhuma palavra, apenas trocamos olhares sofridos; calejados pela conversa curta e dolorosa. Louise esboçou um riso forçado de canto de boca e se livrou das minhas mãos trêmulas. Eu retribui com meu sorriso sem graça e voltei a tirar o maço de cigarro do meu bolso, assim que ela deu as costas.

Não nos despedimos. Ela saiu pela porta em passos pesados, fechando-a atrás de mim, me deixando imerso em meus pensamentos atormentados.

Traguei o cigarro já aceso com vontade, liberando a fumaça pelo pequeno quarto. Eu me afogaria facilmente no meio daquilo tudo, e ainda agradeceria ao destino. 

- Esther, ah Esther. O que foi que você fez comigo?

Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora