Um Ano e Uma Verdade

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Jean - Dia do ataque à Marley.


Era como se o tempo tivesse parado ao meu redor. Como se o ar não mais existisse, e meus pulmões faziam força para respirar o nada. Como se todas as palavras da língua que eu conhecia, fossem apenas um sonho, e não me restava nem o balbuciar de alguma fala. 

O único som que chegava aos meus ouvidos era o do vento que batia nos cabelos pretos em minha frente, que pareciam se movimentar tão lentamente quanto em uma dança.  

Seus lábios rosados e carnudos se curvaram em um breve sorriso, que eu soube quando vi: não era uma expressão de felicidade. Eu não sabia o que era, mas certamente não estava interessado em descobrir. 

Cocei os olhos com força, rezando para que eu estivesse louco de vez. Seria melhor estar louco do que ter aquilo como verdade. Seria melhor estar louco, do que ter que lidar com tudo isso. 

- Eu não pedirei seu perdão. Apenas, vá embora enquanto pode - ela disse, se aproximando devagar com um passo. 

Meu corpo respondeu, também dando um passo para trás. 

Ela parou. Encarou-me por alguns segundos, fechou os olhos e suspirou. Ela sabia que não havia mais nada para dizer - pelo menos nada que me fizesse odiá-la menos naquele momento. 

Procurei no fundo de minha garganta um grito, um choro, uma lamentação qualquer. Nada. 

Apenas amargura restava ali. 

Esther estivera viva por todos esses anos. Estivera em Marley, servindo aos demônios de infantarias, que agora massacravam grande parte de nossa tropa.

Não apenas uma espiã, nem simplesmente uma traidora qualquer. Esther havia participado da morte de milhares de pessoas em Paradis - milhares de inocentes. Havia nos corroído por dentro, e por fora. Havia me corroído, por dentro e por fora. 

- Eu vou matá-la - foi o pude soltar, e as palavras saíram como um sussurro. No fundo, eu ainda tentava negar o que via, mas meu coração se enchia de ódio cada vez mais. 

- Por favor, faça isso. Eu mesma já tentei de todas as formas, todos esses anos, e nunca consegui. Já estou morta por dentro, de qualquer jeito - ela respondeu, com o tom tão amargurado quanto o meu. 

- Você não faz ideia de como eu te procurei. De como eu quis morrer para poder vê-la nem que fosse do outro lado dessa vida miserável! - Meu tom de voz subia cada vez mais, expressando meu puro ódio. - E você está aqui!  Você é um deles! - Gritei, desembainhando o canhão que eu carregava junto com meu equipamento. 

Minhas mãos estavam tão trêmulas, quase não sendo capazes de segurar a arma. Esther as encarou com brilho nos olhos - parecia que seu maior desejo era realmente deixar de existir.

Ela se aproximou em passos longos, e dessa vez eu não me mexi. Não consegui. 

Suas mãos seguraram o canhão que as minhas não conseguiam, movimentando a ponta do objeto até seu peito. 

Eu podia ouvir sua respiração; podia sentir seu cheiro. Podia encostá-la, de tão perto que estava. Mas não fiz nenhuma dessas coisas. 

- Me mate Jean. Me mate agora! Ou eu mesma farei isso! - Ela gritou, afundando o canhão em seu peito o máximo que podia. 

Puxei o canhão de volta, embainhando-o em meu equipamento. Eu sabia que eu não responderia ao seu pedido. Sabia que não conseguiria matá-la; que eu era fraco demais para isso. Talvez pudesse ser amor, mas aqui, acho que era simplesmente loucura, já que estava odiando-a tanto quanto já amei uma vez. 

Tem certeza que a odeia?

Esther suspirou com falta de esperança quando percebeu que eu tinha recuado. 

Demoramos alguns minutos trocando olhares desolados, vazios de alegria ou contentamento. Não trocamos nenhuma palavra, nenhum toque. Era como se fosse nosso último encontro. 

- Talvez - ela disse bem baixo, quebrando a enorme parede de silêncio mortal que permanecia entre nós - um dia, em outra vida. Talvez possamos resolver tudo isso.

Esther virou-se e caminhou até a ponta mais afastada do prédio. Suas pernas se moveram até que não houvesse mais onde pisar. 

Meu corpo respondeu antes de minha mente, me fazendo correr em direção à sua queda. Mas não havia o que eu pudesse fazer. 

Um enorme estrondo retumbou ao redor da região, e um raio com luzes vermelhas e alaranjadas tomou conta do céu. Tapei meus olhos, protegendo-me da luz forte que brilhou durante alguns segundos, e assim que os abri novamente eu pude ver. 

Um dos maiores titãs que eu já havia visto. De cabelos pretos e curtos, aparência feminina, bem como constava nos documentos de Levi, que encontrei certa vez. Neles, estampado estava o nome de Esther. Eu não quis acreditar; creio que nem mesmo ele. Mas agora ela estava aqui, encarando-me, sem avançar, sem atacar. 

Seu olhar de desesperança ainda existia ali dentro daquela criatura, que logo deu as costas e saiu batendo os pés para mais perto do centro da cidade, onde estava o restante da tropa. 

Minha mente estava tão confusa quanto meu coração. Ao mesmo tempo eu acreditava que ela poderia dizimar o restante de nós, poupando-me, talvez pelos momentos de prazer. Mas, minha alma dizia que a dela também estava desesperada por um fim. O fim de tudo isso.

Mesmo assim, Esther não havia conseguido partir dessa para melhor - ou pior - por conta própria, tampouco eu o faria. 

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Levi.

Levi.

Levi. 

Enquanto minhas pernas trêmulas me levavam de volta para as escadas do prédio, minha mente martelava o nome de Levi diversas vezes. 

Depois de tantas verdades jogadas ao vento, aparecendo bem como um rio de transparência cristalina em minha frente, o que Levi tinha a ver com tudo isso? 

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Assim que cheguei ao chão, as ideias pareciam ainda mais claras. 

Esther correra para o centro. Levi também estava lá. Isso respondia meus questionamentos e minha desconfiança.

- Não. Não, não, não. Não! - gritei para a cidade vazia em minha frente. 

Pulei alto o suficiente para que meu equipamento se conectasse ao prédio mais próximo. 

Enquanto eu corria de construção em construção, meu coração implorava para que eu estivesse errado. Meu coração implorava para que ela não desistisse, por mais errado que parecesse - por mais injusto que soasse deixá-la viver. Por mais louco que fosse, ter misericórdia de sua vida.

Esther sabia que o único que poderia matá-la, era o Capitão.  

E ela estava certa. Ele a mataria. 



Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora