Onze Meses e Alguns Dias

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Já haviam se passado três semanas desde a morte de Sasha. Ainda não entendiamos o motivo dos deuses terem levado-na, apesar do costume da sua ausência ser mais claro agora.

Eu fazia meus treinos normalmente, enquanto Connie não saía de seu quarto. Acho que ele vivia o luto melhor do que eu.

Nicolo parou de cozinhar. Estava em um estado depressivo tremendo, pior que o de qualquer um. O garoto era realmente apaixonado por Sasha. Um Marleyano, que amava um demônio da ilha.

Essa história eu já conhecia.

- Inferno... - praguejei aos céus.

E se Esther morresse, eu ficaria como Nicolo? Orgulhoso demais para aceitar que a amava, mas arrependido o suficiente para ignorar minha própria existência?

Tirei um cigarro do bolso. Eu já não fumava há semanas; realmente precisava de um trago.

Quando Esther se foi da primeira vez, eu perdi parte de mim. Por que é tão difícil aceitar que não consigo viver sem essa mulher?

- Mas que porra! - gritei, batendo o martelo em um prego das caixas que eu estava reformando. Aquela seria para guardar meu novo uniforme, que era mais volumoso que os antigos.

- Que porra Esther, que porra! - bati o martelo mais uma vez na caixa, fazendo o barulho do trinco ressoar dentro do galpão.

- Sim? - Uma voz calma chamou da porta.

Meu corpo se arrepiou por inteiro, me fazendo olhar por cima do ombro.

Desde que chegamos aqui não tínhamos nos visto - Levi não deixara. Tenho certeza que ela também evitava, assim como eu. Éramos dois orgulhosos de merda, dois idiotas.

E agora ela estava ali, encostada na beirada do portal. Se despindo de todo o orgulho - ou medo - que outrora corria por seu corpo como um rio de águas movimentadas- eu conseguia sentir.

- Como chegou aqui? Onde Levi está? - foi o que consegui perguntar, antes de voltar para o meu trabalho.

- Eu pedi. Ele permitiu - ela respondeu, se aproximando em pequenos passos.

Até mesmo seus passos eram capazes de fazer meu corpo todo se arrepiar. A energia que Esther emanava não era deste mundo.

Eu ainda sou completamente apaixonado por essa mulher - minha mente repetia.

- Sabe que não podemos fugir disso. - Esther disse, se encostando na mesa.

- Está me atrapalhando.

- Jean, por favor... Eu... Eu preciso disso. Preciso ouvir sua voz, preciso tirar o que está entalado na minha garganta... Eu tentei; eu tentei acabar com tudo isso, com a minha vid...

- ACHA QUE ISSO RESOLVERIA? - gritei, jogando o martelo no chão e me virando para olhar Esther. - Acha mesmo, sua idiota, que morrer acabaria com os nossos problemas?!

Esther piscou devagar. Seus olhos marejaram, e sua garganta pareceu travar por meio momento.

Ah, Deuses...

Sasha estava certa. Eu não era diferente de ninguém. Na menor chance que tive de humilhar a mulher que amo, eu o fiz, e agora ela chorava. Ela chorava em silêncio, com lágrimas e mais lágrimas rolando pelo seu rosto.

Meu olhar percorreu todo o seu corpo, percebendo sua postura amedrontada, confrontada por mim, de forma que não havia nenhum pingo de amor ou compaixão em minhas falas.

- Me perdoe Jean - ela começou, com a voz embargada. - Eu nunca mais aparecerei em sua frente, mas apenas me perdoe. Por favor - ela sussurrou, com a voz fraca. - Eu nunca tive opção; eu nunca tive liberdade; eu nunca pude ser eu mesma, até estar com você! Ter um titã em meu corpo é a pior maldição de todas, mas eu não tive escolha!

Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora