Dois Anos

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Risadas altas; conversas desencontradas; passos rápidos e pesados tomavam conta do espaço do lado de fora do meu quarto improvisado. O som era abafado mas eu ainda estava sóbrio o suficiente para que me incomodasse. A julgar pela movimentação, provavelmente era final de semana, mas eu já nem fazia mais essa contagem.

- Mais um? – a moça de cabelos curtos perguntou, levantando mais um copo de bebida em minha frente. Sua presença somada a alguns copos de álcool, era o suficiente para manter meus pensamentos longe de Esther, Louise, e coisas alheias à minha nova "vida".

- Depois – respondi, batendo as mãos em minhas pernas, fazendo menção para a garota sentar-se.

Suas pernas se encaixaram ao lado das minhas, e ela tomou um pequeno gole da bebida. Ela devolveu o copo para a cômoda ao lado da cama, e voltou seu olhar para meu rosto, suspirando.

- Preciso mesmo te chamar de Senhor Jean? – ela questionou, intercalando beijos em meu pescoço. - Já estamos nisso há semanas, não podemos dar mais um passo?

- Não temos nenhum passo para dar – respondi um pouco rude. Segurei suas costas e colei seu corpo nu no meu, nos fazendo deitar na pequena cama.

(...)

Esther se levantou para ir ao banheiro, piscando com dificuldade por conta do ápice recém chegado, misturado com a bebida.

Mesmo depois do álcool, meu corpo respondia perfeitamente ao efeito do corpo da garota, diferente de meu coração, que parecia estar morto de vez.

Passei meu braço por cima de meus olhos, me escondendo do resquício de luz proveniente da pequena fresta da porta, e sequer percebi quando caí em um sono profundo.

---

Tentei respirar mas não consegui; o ar não chegava em meus pulmões. Abri os olhos e não vi nada além de uma imensa escuridão. Meus pés também não conseguiam se mover e eu sentia meu corpo se balançar, enquanto algumas vozes entravam em minha mente. Que porra é essa?

- Não dá, ele ainda não está em condições.

- Eu sei, Armin. Eu só queria que ele voltasse logo.

Era mais um de meus pesadelos, ótimo. Balancei os pés, tentando me mover o mínimo que fosse, mas não obtive sucesso.

- Ele acordou! – uma mulher falou em um tom baixo, me deixando ainda mais estressado. Como eu poderia acordar de um pesadelo, inferno?

- Me solta dessa porra! – gritei, tentando acordar o mais rápido possível. – Caralho, acorda Jean!

Um silêncio pairou ao meu redor. Não ouvi mais vozes, nem o trepidar do que poderia ser uma carroça puxada por cavalos. O silêncio se fez presente, junto da minha respiração ofegante, de tanto tentar me livrar das amarras.

- Pode tirar – um homem falou. A voz não me era estranha, bem pelo contrário, me trazia arrepios.

Pensei que poderia estar finalmente acordando do pesadelo, já que uma luz insuportável cegou-me repentinamente; mas nada disso. Tentando me acostumar com a luz, procurei me soltar mais uma vez, mas novamente não consegui. Comecei a entender que de pesadelo, não tinha nada; pelo menos não em sono.

Pisquei meus olhos tentando me acostumar com a luz intensa, e com as silhuetas que via em minha frente. Os cabelos e as cores dos olhos foram os detalhes que percebi de cara, logo depois os traços dos rostos, um por um.

Armin, Sasha, Connie e Levi. Os quatro diante de mim, os três primeiros com expressões curiosas e preocupadas, já o último, exatamente do mesmo jeito de sempre. Com uma carranca irrepreensível.

- Que porra é essa? – questionei incrédulo. Mil e uma coisas percorriam minha mente. Me torturariam? Me matariam? Eu seria preso?

- Posso? – Sasha perguntou, estendendo os braços em minha frente.

Levantei uma sobrancelha e balancei a cabeça, esclarecendo um "não". Ela recuou do abraço; a expressão não era de surpresa.

- Perguntei que porra é essa.

- Precisamos de você – Armin começou dizendo. Se levantou e se colocou ao meu lado, me olhando com uma expressão tão séria que me fazia duvidar da veracidade daquele momento. Seus olhos não mais brilhavam; seu semblante não era esperançoso.

- Se quer conversar comigo, me tire dessa merda – apontei o queixo para as amarras em meus pulsos e meus pés. Que palhaçada.

Sasha olhou para Levi, que balançou a cabeça positivamente, se levantando e vindo até minha direção. Eu cuspiria facilmente em sua cara, mas a situação para mim não era nada vantajosa, então desisti do afronte.

- Estarei do lado dessa carruagem. Comporte-se, infeliz – Levi cuspiu as palavras em meu rosto, descendo da cabine.

Enquanto isso, Sasha já desamarrava os incontáveis nós de meus pulsos.

- Me perdoe – ela disse, jogando para fora as cordas ásperas.

- Eu posso esperar do lado de fora. Não tenho nada para fazer aqui – Connie disse, olhando-me com um pouco de revolta. Não me interessei em sua expressão; não fazia mais diferença.

Armin fechou a porta e se sentou em minha frente, encarando meus pulsos vermelhos pelo aperto das cordas.

- Está doendo? – perguntou.

- Aprendeu a ser cínico com o tampinha lá fora? – questionei, impaciente. No fundo, eu me arrependeria pelas palavras duras, apenas não acreditava nisso.

Armin tirou um pingente do bolso. Sem cordão, apenas o pingente. Abriu minhas mãos, e por uma fração de segundos eu quis relutar, mas sabia que não era a hora. Algo me dizia que não era a hora de recuar.

Vi Sasha erguer o pescoço atrás dos braços de Armin, esperando para ver o que aconteceria.

Olhei para o pequeno objeto em minhas mãos. Meu corpo estremeceu completamente. Minha carranca se desfez; desfaleci brevemente; chorei com minha alma. Ela estava despedaçada, mais uma vez.

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- Esse é o mar – falei, abraçando-a pelas costas. Talvez algum dia o conheceríamos juntos. – Eu tenho um pingente comigo, que mostra como pode ser. Meu pai disse que era de nossos antepassados. Eu acredito.

Minhas mãos passaram ao redor do pescoço de Esther. Seus cabelos negros e curtos facilitaram o processo. Quis beijá-la, mas seu corpo tremia um pouco; será que eu havia ultrapassado o limite?

Expliquei que talvez o mar não fosse daquele jeito, mas Armin me garantira que sim.

Virei seu rosto de volta para o meu, e agora ela chorava. Meu coração se quebrou mais uma vez; eu não suportava vê-la chorar. Não suportava. Nunca suportei; e acho que nem ela, já que na mesma noite, Esther correu de mim; de nós. Não suportou o peso de nossa codependência, e para ser sincero, naquela noite ela não estava errada.

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Talvez teria sido melhor se eu não tivesse ido buscá-la.

Talvez.

Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora