Um Ano, Uma Vida - II

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Eu estava exausto. 

Meus olhos começaram a ceder ao cansaço, e meu corpo estava trêmulo como uma vareta. 

Nada poderia piorar, não é? 

Errado. Eu estava muito errado. 

- Jean, se levante - ouvi a voz de Levi. O procurei pelos pés, já que os soldados em minha frente não me deixavam enxergar o baixote. 

Fiz o que ele pediu, e segui o pequeno vulto até uma cabine próxima. Em algum momento pude ver seu cabelo preto brilhando sobre sua cabeça. Foi assim que o segui. 

- Não piore as coisas - ele disse, olhando-me de baixo para cima. Se fosse um dia normal, eu seguraria um riso causado pelo contraste de sua baixa estatura com a minha. Na situação em que estávamos, nem sequer esbocei um sorriso. 

- Você a matou? - Questionei antes dele poder mencionar qualquer coisa. 

Não tive resposta; Levi apenas rodou a maçaneta da porta de uma pequena sala e entrou. 

- Preciso te arrebentar para que abra a porra da boca, desgraçado? - Questionei, seguindo-o pela saleta. Eu ventava pelas narinas, e sangue quase explodia pelos meus poros. 

Para falar a verdade, eu já não sabia mais o que estava fazendo ali. Lutando por uma causa? Buscando o paradeiro de meu antigo (novo) amor? Procurando formas de manter minha melhor amiga com vida? No final, talvez, nenhum desses. 

No final, talvez eu ficasse louco. 

E de fato, eu ficaria. 

- Não precisamos piorar as coisas, Jean - uma voz masculina se ergueu, no canto da sala. Vinha de um homem com cabelos maiores que os meus, despejados em cima de seus joelhos. O homem escondia o rosto entre as pernas, apesar da voz reverberar por toda a sala. 

Olhei pelos cantos, e encontrei uma figura que não deveria estar ali. Barba e cabelos loiros me encaravam como se eu fosse alguma ameaça; mas o contrário era a verdade. 

- Zeke? - Minha indagação era para o Capitão, e ele sabia disso. Não precisei perguntar novamente, para que ele me respondesse. 

- Não vamos gastar nosso tempo explicando - Levi disse, se colocando perto do homem de cabelos grandes. Eu já podia imaginar quem era, pela energia de merda que ele exalava dentro daquela sala. 

Eren, aquele desgraçado estava mesmo, bem ali. 

- Como presume que eu entenda o que está acontecendo aqui? 

- Ela vai te explicar - Levi falou. 

Ele não se deu ao trabalho de levantar os olhos para ver a figura saindo das sombras do canto da sala. Parecia que tinha ódio do que veria. 

"Ela" então, surgiu. Seus cabelos pretos dançando por cima de seus ombros, seus olhos tão baixos quanto os meus, apesar de estarem brilhando como sempre. Agora ela estava mais perto do que nunca. Pude sentir seu cheiro no momento em que a vi, o que fez meu coração pulsar tão forte quanto em cima do prédio quando soube que ela ainda estava viva. 

Esther não disse nada; mas também não esperei que dissesse. 

Ficamos em silêncio, nos encarando por vários segundos. Até que Connie entrou na sala, desesperado. 

Seus olhos estavam arregalados, quase em transe. Ele nem mesmo foi capaz de perceber a presença de Esther, antes que pudesse ter falado. 

- A Sasha... Ela... Ela morreu. 

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- Eu sei, e você também sabe muito bem o que quer. Não quer que ela morra - Sasha disse, arrancando mais um pedaço de pão com os dentes. 

Estávamos exaustos de tudo aquilo. A guerra contra Marley tinha acabado de acontecer, e nós estávamos indo embora para casa. Eu achava que tinha deixado um pedaço de mim no centro daquela cidade quando soube que Esther estava viva, e Sasha leu isso tão bem quanto uma vidente. 

- Não precisamos falar sobre isso - eu disse, abaixando o rosto.

- Viu? - Ela contestou, apontando o dedo para mim. A outra mão estava ocupada segurando um pão tão maçudo que eu poderia jurar que parecia mais uma pedra, do que comida. 

- Sasha, eu não sei... Eu... Não sei nem como você ficou sabendo disso e nem sei se quero perguntar. 

Ela sorriu, balançando a cabeça. 

- Eu pego as coisas no ar. Não foi sempre assim? 

De fato, sempre havia sido assim. 

- Só quero que saiba; eu me apaixonei por um Marleyano, sabe? - ela começou, mastigando o último pedaço de pão. - No final, nós somos todos iguais. 

- Eles destruíram nossas famílias, Sasha - respondi, franzindo a testa. Tentava entender como ela conseguia separar coisas tão absurdas, tão facilmente. 

- E hoje nós destruímos as deles - ela disse, engolindo o ultimo pedaço. 

Ela não estava errada, mas eu ainda não conseguia entender aquilo. Nunca foi tão fácil para mim, como era para ela. 

- Você entenderá isso muito bem, caso ela tenha morrido - Sasha disse, levantando e batendo as mãos no joelho. 

- Por favor, não repita isso - pedi, me levantando junto. 

Ela sorriu. Sabia que estava certa. Sabia que eu estava desesperado pela vida de Esther, e o que eu tinha acabado de falar só comprovava isso. 

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Meus olhos estavam inchados, minhas mãos voltaram a ficar trêmulas; eu já tinha cedido ao chão ao lado de seu corpo. 

Minutos atrás, Sasha me ensinava a amar até mesmo o nosso maior inimigo. Agora, apenas seu corpo restava ao nosso lado. Nenhuma respiração, nenhum esboço de vida. Nada. 

Como tínhamos chegado naquele ponto? Como?  Porque? E para quê?

Connie soluçava enquanto ia alisando os cabelos de Sasha em sua cabeça. 

Os olhos de Sasha estavam fechados, e ela aproveitava um eterno descanso. Será que ela estava em um lugar mais tranquilo que esse? Não seria tão difícil, levando em consideração que este mundo é o próprio inferno. 

Eu não pude me levantar, não pude mais reagir. 

Ficamos ali até quando pudemos - até chegarmos em Paradis. 

Até lá, fui tomando consciência de tudo o que Sasha havia me dito. De todas as suas intenções, de todas as suas palavras e conselhos. Ela havia mudado minha vida diversas vezes, apenas com sua fala. 

Agora, essa minha irmã havia ido embora, e eu não poderia enterrar junto com ela seus ensinamentos. 

Eu precisava dar um jeito nisso tudo. 






Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora