Um Ano, Uma Vida

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Cheguei ao centro da cidade com a ajuda de alguns outros soldados da tropa. Uns estavam aterrorizados com a aparência dos titãs, que nunca tinham visto. Outros, já estavam acostumados. 

Eu, certamente, nunca me acostumaria. Mesmo tendo visto inúmeros, e diversas vezes. 

Assim que subi no prédio mais alto do centro, pude ver o Titã de Esther correndo entre um corredor de soldados da ilha. Ela realmente os esmagaria? Apenas para chamar a atenção de Levi?

- Jean! - Ouvi logo de trás, e virei-me para ver melhor. 

Sasha corria até minha direção, com os olhos arregalados. Ela parecia não entender muita coisa. 

- Não podemos falar sobre isso agora - ela disse, apontando para o titã de Esther. Eren está se atracando com o Martelo de Guerra, e se ele ganhar... Precisamos ir embora depressa! - ela tinha pressa e medo em sua voz. 

Desviei a atenção de suas palavras e não pude responder. O barulho de um dos equipamentos mais rápidos, soou em nossos ouvidos e eu soube o que era. Ou melhor, quem era. 

Levi voou por cima de nossas cabeças, na mesma velocidade em que meu coração bateu. Eu sabia que ele estava indo na direção de Esther. Eu sabia que ele iria matá-la, e com todo o ódio que era possível despejar de seu coração, caso ele tivesse um. 

- Não! Jean, não! - Sasha disse, puxando meu braço. Nem percebi enquanto me deslocava em passos largos até o parapeito do prédio. 

- Essa guerra não é nossa! Vamos embora, por favor! 

Sasha implorou. Eu não respondi. Passei a não ouvir mais nada, se não minha própria cabeça. 

- Connie! Me ajude... - foram as últimas palavras que ouvi, antes que tudo escurecesse em minha frente. 

Eu nunca quis tanto morrer - morrer junto de Esther. Talvez assim poderíamos resolver nossos problemas. 

Seu covarde. Inútil.

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Uma luz baixa e amarela tomou conta de meus olhos, enquanto o barulho de vários homens conversando me deixavam zonzo. Parecia que eu estava de volta em meu minusculo quarto acima do bar. 

- Não é motivo para reclamarmos! Podemos comemorar assim que chegarmos na ilha! - alguém falou.

Risadas estrondosas tomavam conta do lugar, e eu procurei me levantar para entender a situação. 

- Ele acordou! Connie, venha! 

Minha visão turva começou a se clarear, e as figuras humanas em minha frente fizeram sentido. 

Sasha estava com seus olhos arregalados cravados em mim, enquanto Connie esbanjava um sorriso de calma. 

- Está tudo bem. Nós vencemos por enquanto. Estamos voltando para casa - Sasha disse baixo, abraçando-me. 

Por cima de seu ombro, observei alguns soldados nos encarando, outros, sorrindo e comemorando. Alguns diziam o nome de Eren, e outros estavam em cantos, dormindo ou rezando aos Deuses. 

Como será que eu ficaria? Depois de tudo aquilo? Depois de...

- Onde ele está? - Perguntei sem pudor, me afastando de Sasha. 

Ela encarou Connie e encarou o chão. Meu coração pulou em meu peito, e eu esperei pela pior notícia.

- Ele está aqui. Mas não podemos entrar em sua sala. Ele está com Eren. Fique calmo, as coisas irão se resolver! - Sasha bradou, abraçando-me de novo. 

Parecia mais uma tentativa de me deixar calado, mas dessa vez não recuei. 

A vida era muito banal para que recuássemos de abraços. Era muito curta, para que sentíssemos raiva, ciúme ou arrependimento. 

Se Esther não estivesse mais aqui, o único lugar no mundo que faria sentido eu estar, seria nos braços de minha família. Sasha, Connie, mamãe e Louise, caso ainda estivessem no mundo. Eu também não sabia se estavam. 

Connie se juntou ao abraço. Parecia ter entendido que o momento era esse - que o momento para valorizar nossas vidas chegara, e não devia ser adiado. 

- Sasha, eu... 

- Não precisa dizer mais nada. Apenas descanse. Eu estou tentando fazer isso também - ela sussurrou, nos largando do abraço. 

- Ei, Lobov já voltou? - Connie questionou, tentando mudar de assunto. Ou talvez por preocupação legítima. Lobov era um de nossos melhores soldados. 

- Acho que não, ele deve voltar a qualquer instante - Sasha respondeu, se levantando comigo. 

Antes que eu pudesse comentar algo, tudo aconteceu em um piscar de olhos. 

Uma aura imensa e negra tomou conta do dirigível, e eu soube que algo ali mudaria o rumo de tudo.

Uma menina pequena de cabelos castanhos amarrados, rolou para dentro do dirigível. Ela carregava consigo uma grande arma, e em seu braço havia um marcador amarelo. Eu soube quando vi, que era uma menina Marleyana. 

Não pudemos dar nem um passo, antes de ouvir o estalo da arma tomar conta de nossos ouvidos. A garota havia disparado. 

Meus olhos acompanharam a trajetória da bala como se ela estivesse em câmera lenta. Até que ela acertou em cheio o corpo que estava ao meu lado. 

Me recusei a subir o olhar. Me recusei a acreditar que a bala havia atingido-a. Me recusei a pensar no que acabara de acontecer.

Mas estava ali - Sasha cedendo ao chão, ensaguentada. 

Meus ouvidos não ouviram mais nada depois daquilo, e o ódio em meu coração cresceu assustadoramente. Saquei a arma, e eu não queria nem saber quantos anos aquela garota tinha, apenas atirei contra ela. 

Sequer vi se consegui atingi-la, já que os soldados partiram pra cima da garota. 

Eu estava petrificado.

Até o momento em que ouvi os gritos de Connie. Me joguei ao seu lado e ao lado de Sasha. Os dedos dele roçavam com cuidado os cabelos bagunçados de nossa amiga, enquanto ela perguntava com uma voz sofrida, se a comida já estava pronta. Ela estava delirando. 

- Parem o sangramento! Feche tudo! Rápido! - eu gritei para o alto. Nem mesmo vi se alguém ouvira, mas eu esperava que sim. 

Até que algum enfermeiro chegou, não consegui dizer mais nenhuma palavra. Minhas mãos tapavam meus ouvidos, e meu corpo inteiro tremia. Ódio, raiva, medo, negação. Tudo isso tomava conta de mim. 

Respirei fundo. Procurei lembrar de nossas melhores memórias, de tudo o que me dava motivo para continuar ali, mas nada adiantava. A ansiedade tomava conta de mim. 

- Jean! Esses dois subiram pelo equipamento do Lobov. Vou jogá-los daqui de cima. Algum problema? - Flock, um dos soldados que respondia à mim, questionou. 

Eu nem mesmo lembrava que estava em posição de comando. Sequer tinha me dado conta de que eu liderava grande parte daqueles homens. 

Eu estava perdido.

Fluctuate (Parte II) - Jean KirsteinOnde histórias criam vida. Descubra agora