Um

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-- Juliette, volta aqui que eu ainda não terminei! 

A voz dele agora me causava asco. Eu me soltei com violência quando ele agarrou meu braço para me impedir de sair para a minha corrida matinal. 

Eu não aguentava mais. Chega. Já passou de todos os limites. Viver debaixo do mesmo teto que este homem tinha se tornado uma tortura diária, infinita e dolorosa. Só o fato de ter que estar próxima dele me tirava o ar, gatilhando minha ansiedade. 

Agora que eu sabia de tudo que ele tinha aprontado pelas minhas costas, a galhada que ele havia plantado na minha cabeça durante anos, eu não queria nem olhar mais na cara desse infeliz. Antes eu não o tivesse colocado contra a parede, pressionando até que ele confessasse. 

Aquele ditado estava certo. Às vezes, a ignorância é uma benção. 

Era tragicamente cômico (ou comicamente trágico) pensar que este era um cara que eu havia amado tanto e por tanto tempo. O pai do meu filho, meu maior tesouro. Eu só tinha energia para lidar com esta merda toda pelo meu filho. Porque se eu não fosse mãe, eu já teria metido o pé há muito tempo. 

Mas eu aguentava. Por ele. 

Bil puxou meu braço novamente, segurando com força, e eu lutei contra sua investida. 

-- Me solta agora. -- Eu esbravejei, empurrando-o para longe. 

Pegando as chaves, meu celular e a braçadeira, eu saí do apartamento antes que ele tentasse alguma gracinha de novo. 

Senti minha garganta fechar com a vontade avassaladora de chorar, mas eu não daria essa satisfação para ele. Entrei no elevador e me encarei no espelho enquanto aguardava chegar no térreo. Meu rosto estava vermelho, a expressão cansada e ferida, os olhos cheios de lágrimas. 

Desviei o olhar do meu reflexo e pisquei várias vezes. Eu me recusava a chorar por causa desse filho da puta. Respirando fundo, eu ajustei o celular no suporte ao redor do meu braço, passei ventando pela portaria, e saí numa leve corrida em direção à praia.

O dia estava lindo, um céu azul sem nenhuma nuvem. O vento gelado de junho vindo do mar me arrepiava a pele, mas eu me agarrava àquela sensação. O frio e a música alta nos meus ouvidos me distraíam o suficiente para tentar esquecer a zona de guerra em que minha vida se encontrava. 

Corri por uns dez minutos apenas, até que as lágrimas me venceram, borrando minha visão e correndo livres pelas minhas bochechas. Enxuguei-as com raiva com as costas da mão e respirei fundo. 

“Eu não vou chorar, eu não vou chorar, não vou chorar” se transformou em um mantra na minha cabeça, mas logo foi interrompido pelo toque do meu celular.

Atendi sem checar quem estava me ligando.

-- Freire.

-- Oi, aqui é do Centro Educacional Raio de Sol. Gostaria de falar com Juliette Freire. -- Uma voz feminina me informou e eu senti meu coração disparar e minhas mãos gelarem.

-- Sim, é ela. O que houve? -- Minha voz saiu trêmula; a vontade de chorar voltando com força total. -- O que aconteceu com ele?

-- Oi, dona Juliette. Aqui é a Carla, eu sou enfermeira da escola. O Guilherme caiu durante a aula de educação física e acabou machucando o bracinho dele.

-- Ai, meu Deus. Ele tá bem? Machucou muito? Vocês não estariam ligando se não tivesse machucado muito. -- Eu falei rápido, minha respiração parecia presa no meu peito.

-- Então, ele tá com bastante dor e eu desconfio que possa ter acontecido uma fratura. Gostaríamos da sua permissão para levá-lo ao hospital.

Levei minha mão trêmula ao rosto, tentando pensar rápido. Ele precisava ir na emergência. Meu Deus, qual era a emergência que o plano atendia?

Luz no fim do túnel - AU SarietteOnde histórias criam vida. Descubra agora