UM.

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Sentada no piso de madeira, com a luz do sol que ultrapassou a janela aquecendo minhas pernas nuas, percebo que um filme passa na minha mente enquanto observo cautelosamente o ambiente, agora vazio. Não vazio de móveis; ainda tem uma cama de casal, um sofá com enormes almofadas e todos os eletrodomésticos, mas não tem eu. Pode ter boa parte das coisas que o dinheiro comprou, mas não tem mais os sentimentos.

As cortinas ainda balançam quando a brisa leve do fim do verão entra, mas ao lado da cama não tem mais o mural de polaroides, nem os post-its que meus amigos colavam quando vinham visitar. O piso da cozinha ainda tem uma cor vibrante que combina com o azulejo em faixa na parede, mas não tem mais o tapete manchado de vinho tinto, ou as panelas com comidas cheirosas que meus amigos vinham fazer. Também não tem as danças em cima do sofá, quando eu fingia que aquilo era o meu palco, nem o barulho de briga dos vizinhos de cima que acabaram se separando mês passado, nem o som do carro do sorvete que é meio assustador, mas passava todas as tardes no verão.

Parece que desde que eu decidi sair desse apartamento, cada coisa ao redor dele decidiu se despedir de mim antes que eu pudesse ir embora. Desde as coisas que eu mesma tirei do caminho para pôr em caixas, até elementos que marcaram os cinco anos que eu fiquei aqui; entre a 116° rua e a riverside, no Broadway, a uma quadra de distância do metrô e de um dos prédios que eu mais frequentava na universidade.

Ouço um bater na porta e quando olho para trás vejo Louis passando por ela com dois cafés em um suporte de papelão na mão esquerda. Ele nem está tão perto e o cheiro já invade minhas narinas, é o nosso café favorito de todas as manhãs.

— Acho que eu vou sentir mais falta desse cappuccino do que de você — brinco, sem sair da posição que eu estava antes.

— Quando você me ligar dizendo que está com saudade, vou responder que o café da kombi te substitui bem — debocha, juntando-se a mim no chão.

Com os copos em mãos, brindamos com um sorriso.

— À todas as histórias que essas paredes contam — falo, antes do primeiro gole.

— Ao futuro morador — ele nem disfarça que está falando de si mesmo.

— Que ele não destrua o que eu construí — brinco, e nós rimos.

Me lembro perfeitamente de quando conheci Louis, alguns meses antes de eu ser aceita na Columbia. Eu tinha vindo conhecer a universidade com um grupo de excursão do ensino médio, e ele, calouro estrangeiro, era nosso guia turístico. Com seu sotaque francês e declarada paixão a cada tijolo que construiu a estrutura que abrigava centenas de salas de aula, ele me conquistou depois de uma hora de passeio — não romanticamente, é claro, até porque eu tinha um namorado. Mas foi ali, em meio a um almoço excessivamente nova iorquino na avenida Broadway, fazendo lateral a alguns dos prédios da faculdade, que nós trocamos nossos números de telefone e prometemos nos reencontrarmos assim que eu voltasse a cidade que nunca dorme.

— Essa é a hora que começamos a chorar abraçados e você desiste dessa loucura de voltar pra casa das suas mães? — ele interrompe meu olhar fixo no copo e meus pensamentos nostálgicos.

— Eu estava pensando no dia que nos conhecemos, otário! — Dou uma cotovelada nele.

— Aquele em que você se apaixonou por mim? — Joga os cabelos um pouco longos para trás, se gabando — Me lembro bem...

— Eu já te disse o quanto seu sotaque mudou nos últimos anos? — desconversei, em anos de amizade eu aprendi a não contrariar as coisas que a cabeça dele cria.

— Você sempre me lembra disso. — Meu amigo revira os olhos enquanto um riso fraco escapa de seus lábios.

Eu me deito no chão, apoiando meu copo ao meu lado e direcionando meus olhos ao teto. Louis permanece sentado com as pernas cruzadas.

reputation || l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora