DEZ.

98 11 54
                                    

— Eu ia te chamar para tomar um café, mas só Deus sabe o que a imprensa falaria se nos vissem juntos por aí. — Luke diz.

Ele está apoiado no batente da porta dos fundos da minha casa, com uma xícara de chá entre os dedos, provavelmente servida pela minha mãe antes dela ir ao meu quarto me chamar e se esconder no seu, usando jeans escuros e um par de tênis da Nike que eu jamais imaginei que veria nos pés do cantor. É um combo de coisas surpreendentes que eu não consigo assimilar com facilidade.

— Eu te liguei... — Se distrai passando o indicador ao redor da xícara perolada. — Algumas vezes. Você não atendeu.

Um pouco de silêncio, estou tentando assimilar as informações ainda, mal havia acordado quando fui convocada a vir até a cozinha.

— Não sabia que o número desconhecido era seu.

Seus olhos, pela segunda vez desde que estamos no mesmo ambiente, pousam nos meus, depois de passearem por tudo ao redor. A manhã, que está cinzenta do lado de fora, parece ter dado espaço para que o tom azul fosse exclusivo aos olhos de Luke hoje, num tom incrivelmente intenso. Como um céu de verão, sem nuvens ou sinais de tempestade.

Eu tento lê-lo durante nosso breve contato, mas mal consigo me interpretar. Era para eu estar sentindo raiva agora, esperneando sobre tudo o que aconteceu ontem e expulsando ele da minha casa da mesma forma como expulsei Megan quase duas semanas atrás, provavelmente incluindo o tapa. Mas eu mal consigo me mexer, ou formular uma frase. Estou a um metro e meio de distância do maior babaca que já conheci, sem nenhum envolvimento profissional, e não estou aproveitando a oportunidade para mandá-lo ir à merda.

Ele sorri olhando para os próprios pés e os meus pensamentos voltam a fazer sentido.

— O que você tá fazendo aqui?

— Te dando uma chance?

Meu mundo para.

Não sei se é a fome ou se é o impacto das palavras sem sentido de Luke que fazem meu estômago vazio se revirar. Não tinha como ele escolher uma seleção de palavras pior do que essa. Eu nem tenho um motivo para querer uma chance, eu não quero nada que venha dele.

— Para escrever um bom roteiro pro documentário, sabe? — Completa.

As nuvens cinzas que estavam se formando ao redor da minha cabeça se vão. Uma sensação de alívio preenche o meu peito por ele ter esclarecido suas palavras ruins. Me sinto mais confortável agora, e mais brava também. Ele demorou semanas para decidir agir como uma pessoa decente e agora quer fazer isso na minha folga? Espero que ele não esteja falando sério.

— Agora?

Ele me analisa da cabeça aos pés, ainda uso meu pijama: uma samba canção verde musgo e uma camiseta velha do flamengo que meu antigo vizinho me deu há muitos anos atrás, os chinelos havaianas completam o outfit. Percebo que não é a roupa adequada para uma manhã fria quando me arrepio, talvez pelo vento frio que passa pela fresta aberta da porta. Cruzo os meus braços.

— Acho que está um pouco frio pra você estar vestida assim. — Aponta.

— Você nem deveria estar aqui, Luke. — Reviro meus olhos, finalmente o dando as costas e indo atrás de algo pra comer.

Preparo uma tigela com cereal, banana e morango picado e leite morno. Me sirvo uma xícara do mesmo chá que Luke está tomando, ainda no batente da porta de vidro dos fundos. Atrás dele, pelo vidro transparente que corre a parede toda até o final da sala de jantar, consigo ver a grama verde e as árvores que cercam nossa casa. Mais uma brisa fria entra, noto os fios do cabelo loiro de Luke voarem e ele ter que ajeitar os cachos atrás das orelhas de novo. Meus pelos, que costumam se arrepiar com brisas geladas, estão protegidos pelo balcão da cozinha.

reputation || l.hOnde histórias criam vida. Descubra agora