Capítulo 22 - Deixe-me entrar

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Louise

Helene mergulhou na escuridão. Caso o desespero não fosse tão grande, ela poderia descrever aquele sentimento, ou melhor, a ausência dele. A escuridão que a envolveu era sútil, não amedrontava, nem doía, apenas removia dela a capacidade de sentir.

E ela queria sentir. Precisava daquilo. Tinha vontade de odiar Clarice, e a si mesma, por ter sido tão ingênua a ponto de acreditar que se reuniria com a mesma mulher que amou séculos atrás. Mas, o próprio conceito de ódio parecia-lhe fugir por completo.

Tudo que restava, a única coisa que existia, era a solidão. Uma solidão gutural, feroz. Helene, ou Louise, qualquer que fosse a pele que usava naquele momento, ela estava sozinha, sabia disso, e continuaria, eternamente, aquela existência era insignificante, nada além de um desespero sussurrante de uma voz que jamais seria ouvida.

Ela tentou desesperadamente gritar. Não obteve sucesso, o vazio imensurável abafava qualquer possibilidade de se comunicar, de libertar-se daquelas amarras da escuridão que sufocavam-na cada vez mais. O próximo instinto seria chorar, mas nem isso foi capaz de reproduzir.

Estava condenada. Despedaçada. A vontade de continuar lutando era inexistente, naquele ponto. Pelo que lutaria? Por Clarice? Que se mostrou tão apaixonada pelas trevas a ponto de a condenar daquela maneira? Por Elizabeth, Phoebe e Sophie? Que agora a enxergavam como um monstro? Por si mesma? Que não era capaz de sentir nada além daquela solidão que oprimiu seu coração?

Se aquela era uma pequena amostra dos efeitos da maldição de Tábata sobre uma pessoa, então não existiam chances. Todos deveriam fazer o melhor para si mesmos e aceitar o destino inevitável. Abraçar o vazio, doar-se para a escuridão. Desistir.

Louise sentiu vontade de desistir. Pela primeira vez em suas vidas, e tivera muitas, inúmeros corpos roubados para a levar até ali. A tentação em acabar de uma vez por todas com todo aquele vazio pareceu sedutora demais. Poderia até mesmo chamar de um ato de misericórdia, dada a agonia constante de não ser capaz de sentir.

Estava decidido, era o momento de finalmente fechar os olhos e descansar. Ansiava pela capacidade de sentir paz de novo. Um sentimento que não era assim tão familiar a ela a algum tempo. Desde o momento em que cavalgou com aquela carroça, fugindo da ira de pessoas que não eram sequer capazes de compreender aquilo que julgavam como diferente.

Talvez, olhando por aquele ângulo, Clarice tivesse razão. Se tudo que havia para sentir, para mulheres como elas, que carregavam em si os dons do universo, era o ódio, transformado em forcas e tochas prontas para lhes dilacerar, então talvez aquele vazio era justamente o que os humanos mereciam.

Mas, não. Aquele era um ódio pertencente a um outro tempo. Eles evoluíram, Helene testemunhou isso, entre suas inúmeras encarnações. Aprendiam com seus erros, mesmo que levasse tempo. Não mereciam ser vítimas do mesmo destino que ela.

Um desfecho vazio para uma vida vazia. Apenas buscando, somente usando a vida de outras pessoas. Ela merecia aquilo, sabia disso agora. A única misericórdia que poderia ter consigo mesma era tirar a própria vida.

*

— Ela está resistindo! — uma voz distante pareceu trazer Louise de volta, aos poucos.

— Estamos fazendo nosso melhor para contê-la — respondeu outra pessoa, com um cansaço perceptível.

— Irmãs, vocês tem certeza que precisamos dessa desertora? — uma súbita pontada invadiu o coração dela, com esse comentário.

Incômodo. Conseguia sentir aquilo. Uma torrente de sensações passaram a retornar logo em seguida. Alívio, medo, tristeza, rancor, raiva. Eram tantos, que não tinha a capacidade de processar cada um individualmente, eles apenas a atingiam como uma flechada no coração. Mas, mesmo que tivessem seu peso, ela estava grata por terem retornado.

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