Capítulo 17 - Tempus Oblíquos

14 2 0
                                    

Arredores de East Lothian, Escócia - 1661

Helene

O alazão estava mais lento, ela percebia isso, sob patas trêmulas e vacilantes, não conseguia mais dar os formosos trotes do início da trajetória. A mulher também se sentia exausta, viajava há dias, apenas na companhia de seu cavalo e a carga valiosa na carroça velha.

Aquela chuva não ajudava em nada. Há três dias, quando as nuvens carregadas fecharam o céu, o percurso de Helene se tornou ainda mais tortuoso. A lama na estrada tornava quase impossível que seguisse viagem, precisou parar várias vezes para desatolar as rodas de madeira desgastadas da velha carroça. Ela também interrompeu a jornada para checar o estado dos cascos do animal, que desnorteado, tropeçou em poças de lama que revelaram ser buracos profundos.

Agora, as gotas não estavam mais tão agressivas, mas o céu acinzentado e o frio de ranger os dentes se tornavam fardos que Helene já não suportava mais. Devia ter feito algo sobre isso há dias, refletiu. Mas, o perigo de ser notada praticando feitiçaria era grande demais, não podia nem sequer arriscar ser pega, não quando era a única que podia trazer Clarice de volta.

Hoje a estrada estava vazia. Apenas uma ou duas carroças passavam por ela vez ou outra. Todas com muita dificuldade em vencer a terra pesada causada pela violenta chuva dos últimos dias.

Aproveitando que chegara em uma curva isolada cercada por imensas coníferas, Helene puxou as rédeas do cavalo, que não tardou a parar, pelo cansaço evidente. Precavendo-se, olhou a seu redor para garantir que não havia ninguém por perto. Exceto pelo esquilo-vermelho, observando-a intrigado, perto de uma das árvores, seu caminho estava limpo. A bruxa então, puxou com delicadeza o capuz da grossa capa preta que vestia e usou-o para cobrir os volumosos cabelos negros, juntou suas mãos perto do peito e disse, em sussurro:

— Chan eil an speur liath a 'toirt seirbheis dhomh tuilleadh, grian, rionnag, teine, blàths mi a-rithist.

A este ponto, ela esperava que o céu se iluminasse e a chuva, agora fraca, assim como as grossas nuvens, desaparecessem. Talvez houvesse perdido a prática em magia. Não tinha vontade o suficiente. Era o que sua avó dizia. Para usar o caos a seu favor, moldar a realidade e fazer encantamentos poderosos, não eram apenas as palavras que importavam, era a vontade, o desejo.

Helene riu assim que se lembrou da mulher que a criou. Sua avó foi para ela uma mãe. A criou desde os cinco anos, idade em que morreu sua verdadeira mãe. A família dela era de uma linhagem de escravos provenientes das antilhas francesas. Helene, desde pequena, não entendia como o poder que corria no sangue delas, não as permitia ser livres, por isso, sempre confrontava sua avó.

— Se o que precisamos é de vontade, por que você não deseja o suficiente que sejamos livres?

A avó apenas dizia que algumas lutas não valiam a pena se colocam em risco as pessoas que você ama. Agora, sentada na carroça, Helene se permitiu chorar pela morte da velha mulher. As lágrimas escorreram tão naturalmente, que ela nem as notou.

Só quando percebeu que já estava ali a tempo suficiente é que sentiu o calor dos raios de sol incidindo em sua pele. Intrigada, ela olhou para o céu. O que antes estava coberto por nuvens ameaçadoras, agora, estava limpo e ensolarado. No entanto, nem mesmo a melhora no tempo fez com que o pesar em seu coração saísse de vez. Doía pensar em sua amada, doía lembrar de todas as memórias que criaram juntas.

Helene respirou fundo, ouvindo o cantar dos pássaros e o som das gotículas de água que caíam das folhas e galhos. Mas só tomou conta da realidade quando seu cavalo relinchou. Ela caminhou até o animal e lhe fez um carinho.

Shadow CreaturesOnde histórias criam vida. Descubra agora