Capítulo 35 - Tsunamis

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AARON


O apartamento de Penélope está com a porta entreaberta e o silencio reina. Até mesmo Safira está quietinha no seu canto olhando em direção ao quarto, fecho a porta lembrando de trancar e vou em sua direção, o quarto também está silencioso, mas então eu escuto o que parece ser o chuveiro ligado e o tilintar de uma música.

Prendo a respiração e entro no banheiro vendo Penélope encolhida debaixo do chuveiro com a cabeça curvada, os cabelos ensopados cobrindo seu rosto. Engulo em seco vendo seu corpo encolhido ainda vestida e tiro meus sapatos antes de ir até ela.

A caixinha de música continua tocando até que precise girar de novo, faço isso e Penélope nem ao menos se move. Entro na banheira com ela e sinto a água ensopar minhas roupas quando eu me abaixo ficando à sua frente.

- Amor? – eu pergunto baixinho e ouço o seu inspirar como se estivesse lutando para controlar a respiração. Meus olhos pinicam e eu engulo as lágrimas enquanto estendo a mão para ela – Estou aqui meu bem, por favor – eu peço com a voz entrecortada

Penélope continua em silêncio e eu continuo parado implorando baixinho para que ela me olhe, até que ela levanta a cabeça e eu vejo suas lágrimas escorrendo junto com a água. Ela se move colocando a mão na minha e eu vou até ela puxando uma respiração.

Coloco-a em meu colo e desligo o chuveiro quanto sinto a cabeça dela cair de encontro ao meu peito. Beijo seus cabelos molhados e sussurro baixinho para que somente ela escute.

- Estou aqui

Porque eu estava e mesmo sem saber o que fazer, sabia que aquilo era tudo o que eu podia fazer.

Estar lá para ela


...............................


Penélope ainda estava meio adormecida quando ela tirou as roupas e eu a ajudei a colocar uma das minhas camisas que eu tinha deixado no apartamento dela. A camisa branca bate em suas coxas e eu a coloco na cama indo logo em seguida

Ela se aconchega e eu coloco sua cabeça em cima do meu peito, vejo quando ela apoia a mão em cima do meu coração, como se de alguma forma a batida constante fizesse com que ela se firmasse em algo.

Minha mão acaricia seu cabelo e quando sinto sua respiração controlada pergunto baixinho

- O que aconteceu?

- Uma gota de água – ela responde com a voz rouca, franzo a testa confuso com sua resposta

- Como assim?

- Quando eu tinha nove anos minha mãe se suicidou – minha mão para no movimento e eu me forço a continuar ignorando a pontada em meu peito – Estava chovendo aquele dia, mas parecia um dia qualquer, com ela fora de casa voltando só depois da meia noite – Penélope faz uma pausa e sua mão se fecha sobre o meu peito – Me lembro das luzinhas coloridas e como as tinha achado bonitas da minha janela, com a chuva borrando-as e as deixando distante. Daniel entrou minutos depois e me pegou no colo dizendo que eu iria dormir em sua casa – outra pausa seguida de uma inspiração profunda – Eu sabia que algo tinha acontecido porque um dos policiais me viu e sorriu para mim, mas não era qualquer sorriso, era aquele sorriso que diz "está tudo bem" quando na verdade não está

Meu corpo enrijece com o significado das palavras dela dizendo sobre os meus sorrisos verdadeiros. E de repente eu entendo porque ela entendia as pessoas por seu sorriso...Porque desde o inicio ela foi obrigada a sorrir e fingir que está tudo bem.

Meu braço circula o seu corpo e ela suspira se aproximando ainda mais, seu corpo se esquentando junto com o meu

- Depois daquele dia Daniel me adotou – ela continua e eu a escuto atentamente – Acho que nós dois pensamos que tudo iria ficar bem, mas aí veio os pesadelos, seguidos por ataques de pânico. E a todo tempo eu imaginava a chuva

- Porque?

- Porque parece que todo e qualquer pensamento, mesmo que seja uma gotícula de água acaba se transformando em um tsunami. E toda e qualquer mudança só faz com que eu me lembre do pesadelo que foi o passado, da oscilação do presente e do descontrole do futuro

Fico em silêncio absorvendo isso e sinto quando seu corpo se move de encontro ao meu, seus olhos me encontram e ela franze a testa levemente

- Não tenho controle sobre nada e isso... Isso me apavora – ela sussurra como um segredo. E talvez fosse de fato

E ela estava me oferecendo

- Não podemos controlar – respondo acariciando sua bochecha – Infelizmente não temos controle sobre nossas vidas, só o que temos é o agora, e ele tem que bastar Penélope, ele é o suficiente, você tem que saber isso

- Eu sei – ela diz e estende a mão, seus dedos acariciam a minha cicatriz e ela sorri, um sorriso distante e triste que me corta o coração – Sempre a razão, certo?

- Não com você – respondo sorrindo também. Ela fecha os olhos e inspira seu corpo ficando mole de encontro ao meu

- Principalmente comigo – ela responde e encaixa sua cabeça em meu pescoço

- O que quer dizer? – eu pergunto confuso

- Razão acima do coração – ela responde e sua voz se torna não mais que um sussurro – Me conte sua história Aaron

Meu corpo se tenciona e ela percebe, sua mão aperta o meu peito e vejo quando ela sorri tristemente

- Não precisa me contar sobre ela – Penélope continua – Me conte suas aventuras com seus irmãos

- Penélope...

- Por favor

Então eu conto

Conto sobre tudo o que eu lembro

E ela adormece em meus braços

Enquanto eu a fico observando dormir, contando cada suspiro que ela dá quando dorme. E quando sua mão se aperta na minha eu a aperto de volta.

ContradiçõesOnde histórias criam vida. Descubra agora